Satélites do tamanho de latinhas foram à procura de vida no espaço
Quinta edição da CanSat Portugal aconteceu em Santa Maria, nos Açores. Ao todo, as 16 equipas participantes centraram-se em procurar vida no espaço, mas também em reflorestar o país.
Há um ano, Ricardo Sousa estava do outro lado da competição CanSat, na expectativa do lançamento final do microssatélite feito à imagem de uma lata de refrigerante. Ocupava a tenda de trabalho dos estudantes e professores do ensino secundário, a alguns metros da pista do aeroporto de Santa Maria, e preocupava-se com a antena que iria receber os dados de telemetria do pequeno CanSat (lata + satélite). “Olho para os alunos e penso: ‘Sei o que estás a pensar, já passei por isso.’” A equipa do jovem mariense venceu por duas vezes a competição nacional e chegou mesmo ao primeiro lugar europeu. Agora, com 21 anos, Ricardo Sousa está a estagiar na empresa que presta apoio técnico ao concurso – a Edisoft, gestora da Estação de Rastreio de Satélites da Agência Espacial Europeia (ESA) na ilha açoriana – e responde às dúvidas das equipas que tentam a sorte este ano. A equipa que venceu o concurso no último fim-de-semana vai representar Portugal na final da competição europeia de microssatélites, que também acontece em Santa Maria, de 28 de Junho a 1 de Julho.
“Neste momento, devem preocupar-se em ligar o satélite e apontar a antena. Se não estiverem a receber dados, é mau sinal”, vai descrevendo o antigo aluno da Escola de Novas Tecnologia dos Açores, em Ponta Delgada. E é mesmo isso que as 16 equipas participantes de todo país vão fazendo, enquanto a ordem de colocação das “latinhas” no lançador – que faz a vez de um foguetão e é posteriormente acoplado ao ultraleve pilotado por Rui Pacheco – não é dada. Fazem os últimos preparativos, afinam os sistemas electrónicos e montam estações terrestres na antiga pista de “karts” de Vila do Porto, para seguirem a queda dos satélites, largados aos mil metros de altitude ao som das comunicações do piloto com a torre de controlo do aeroporto.
A equipa do Colégio Luso-francês viajou do Porto com um objectivo claro: “Medir a presença de microplásticos que estão em suspensão na atmosfera.” Assim se explica a lupa binocular e o microscópio pousados na mesa de trabalho. Palavra à professora de Biologia, Rita Rocha, que falou na vez dos alunos, mais tímidos: “O pára-quedas tem uns discos brancos embebidos numa solução de silicone. Em queda, tudo o que estiver em suspensão, esperamos nós, fica agarrado aos discos, para ser analisado.” Esta que era a missão secundária da equipa LusoX foi cumprida com sucesso. Mas a primária, comum a todas as equipas – medição da temperatura do ar e da pressão atmosférica e “transmissão por telemetria dos parâmetros para a estação terrestre, pelo menos uma vez por segundo”, de acordo com o regulamento –, falhou.
A reflorestação do território nacional após os incêndios de 2017, através do lançamento de sementes a partir dos microssatélites, foi um propósito popular entre várias equipas. E tentar perceber se é possível haver vida noutros planetas, também reuniu o interesse de várias escolas.
Tanto que a equipa vencedora do concurso — organizado pela agência Ciência Viva, pela ESA e pelo gabinete educativo da agência espacial — se focou nessa missão secundária de procurar vida fora da Terra. No Colégio Guadalupe (Verdizela, Seixal), Dario Zabumba orientou seis estudantes do 10.º ao 12.º ano da equipa GSat no desenvolvimento e no lançamento de um microssatélite, que sobrevoou Vila do Porto após ser largado, com vários outros (houve “latinhas” que nunca chegaram a sair do lançador e uma equipa que desistiu).
À GSat (composta por Lara Alves, Guilherme Ferreira, Guilherme Lourinho, Duarte Brito e Diogo Silva) “correu tudo bem”. Durante o lançamento, receberam dados “segundo a segundo” e viram a antena automática a seguir, sozinha, a trajectória do microssatélite durante a descida. “Foi perfeito”, deixou escapar Dario Zabumba. O júri, presidido pelo cientista e professor jubilado da Universidade Livre de Bruxelas, Manuel Paiva, concordou e atribuiu-lhes o primeiro lugar. Partilharam o pódio com duas equipas de Lisboa: a SatFree, do Colégio Valsassina, que analisou o impacto da descida em drosófilas (moscas-da-fruta); e a Alpha@, da Escola Secundária José Gomes Ferreira, que mediu a aceleração e a força de impacto.
O segundo e o terceiro lugares, respectivamente, recebem um estágio de uma semana na Edisoft e uma ocupação científica nas férias da Ciência Viva. A equipa Rhocan, da também lisboeta Escola Profissional dos Estudos Técnicos, foi distinguida com uma menção honrosa pelo trabalho de detecção de aviões no espaço aéreo.
“Nesta competição, como o desafio é tão grande, as equipas colaboram umas com as outras: o espírito é de competição e colaboração”, ressalvou o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor. “Esta área é emergente em todo o mundo, mas também de futuro em Portugal, devido ao nosso posicionamento no Atlântico e ao potencial que hoje o espaço tem para países de pequena e média dimensão”, defendeu. As “indústrias do futuro”, como lhes chama o ministro, são um “elemento crítico hoje na estratégia nacional para o espaço, que é formar mais jovens com capacidade de desenvolver pequenos satélites e usar dados de pequenos satélites”.
O caso de sucesso de Ricardo Sousa – “directamente relacionado com a participação na CanSat” – pode ser um exemplo a seguir por vencedores, mas não só. Por agora, a GSat regressa a Santa Maria no final de Junho para defender a reputação portuguesa na final europeia.
A jornalista viajou a convite da agência Ciência Viva