PS aberto para dialogar sobre alterações à lei da gestação de substituição
Bloco insiste que o Tribunal Constitucional considerou o regime "legal e constitucional" mas é preciso "operacionalizar" alguns conceitos. PCP lembra que votou contra a lei também por causa das normas chumbadas do anonimato e do contrato com a gestante.
O vice-presidente do grupo parlamentar do PS João Paulo Correia afirmou esta quinta-feira que os socialistas estão disponíveis para dialogar sobre alterações à lei da gestação de substituição para contornar as inconstitucionalidades apontadas pelo Tribunal Constitucional. PSD e BE também mostraram abertura para fazer mudanças.
"Estamos disponíveis para dialogar um quadro de alterações, mas veremos o que também é proposto pelos outros grupos parlamentares", declarou João Paulo Correia no final da reunião semanal da bancada do PS na Assembleia da República.
O deputado fez questão de frisar que, "se houver uma alteração à norma que foi chumbada pelo Tribunal Constitucional, estar-se-á então perante uma nova lei que é devolvida ao Tribunal Constitucional". "Vamos aguardar. Ainda estamos numa fase muito recente após o chumbo pelo Tribunal Constitucional. As próximas semanas darão novidades nesse processo", afirmou.
Na terça-feira, o Tribunal Constitucional identificou normas inconstitucionais na lei da gestação de substituição, tendo também chumbado a regra do anonimato de dadores da Lei de Procriação Medicamente Assistida.
Entre outros pontos, o Tribunal Constitucional considerou que a norma do anonimato impõe "uma restrição desnecessária aos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade das pessoas nascidas" através destas técnicas.
O pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade da lei da gestação de substituição e da lei da procriação medicamente assistida foi apresentado por um grupo de deputados do CDS-PP e do PSD em Janeiro do ano passado.
BE disponível para alterações
O BE também se manifestou disponível para introduzir as alterações necessárias à lei da gestação de substituição e alargamento da Procriação Medicamente Assistida, sublinhando que o Tribunal Constitucional assume que a solução legislativa é legal e constitucional e, portanto, que poderá ser feito em Portugal". "Há, no entanto, algumas normas que deverão ser ajustadas", admitiu o deputado bloquista Moisés Ferreira aos jornalistas, no Parlamento.
"A gestão de substituição e o alargamento da PMA [Procriação Medicamente Assistida] são constitucionais e o Bloco está obviamente disponível para voltar a esta lei, para introduzir alterações, para ir ao encontro das necessidades de operacionalização de alguns conceitos e normas. Acreditamos que a AR terá essa mesma disponibilidade para esta tarefa."
Entre as normas a ajustar, Moisés Ferreira destacou as que regulam o arrependimento da gestante e o alargamento deste período até ao fim do contrato, a questão da nulidade dos contratos que deve ser ponderada, a operacionalização e uma melhor definição acerca dos limites da lei sobre conteúdos dos contratos, nomeadamente da não imposição a restrições comportamentais e disposições a observar em caso de interrupção voluntária da gravidez.
"A gestão de substituição é, portanto, legal e constitucional, está prevista na lei, o Tribunal Constitucional não a retira do nosso ordenamento jurídico e deve ser agora acessível a todas as mulheres que se enquadrem na legislação, e por isso é que é necessário proceder a uma nova discussão e alterações à legislação", enfatizou.
Ao BE, de acordo com o seu deputado, interessa aquilo que sempre interessou: "Que as mulheres em situação de doença de grave - mulheres sem útero ou com uma lesão grave deste órgão que impossibilite a gravidez - não fiquem impedidas de concretizar projectos de parentalidade."
PSD congratula-se com acórdão do TC
Do lado do PSD, o líder parlamentar registou “com agrado” a decisão do Tribunal Constitucional e disse-se disponível a trabalhar para “sanar as inconstitucionalidades”. Fernando Negrão fez questão de salientar que “o TC considera que este modo de procriação, que é excepcional, não viola a dignidade da gestante nem da criança nascida em consequência deste procedimento, nem sequer o dever que o Estado tem de defesa dos interesses da criança”.
“O PSD acompanha a decisão do TC em relação às inconstitucionalidades que este decretou, designadamente no que tem a ver com a excessiva indeterminação da lei”, apontou.
O líder parlamentar do PSD sublinhou que, no caso da gestação de substituição, se trata de “um contrato que vai dar origem ao nascimento de uma criança” e, por isso, “deve ser muito bem regulado e muito bem percetível por quem o vai assinar e para a população em geral”.
“O consentimento deve estar melhor regulado, o comportamento da gestante deve estar mais bem regulado, assim como as regras de conduta dos próprios beneficiários”, disse, defendendo ainda que deve haver uma “melhor definição dos critérios de autorização” pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida.
Para Negrão, os juízes entenderam que “havia uma indeterminação que seria geradora de conflitos e, nesse sentido, deve haver um conjunto de regras mais precisas nesta área”.
Outro ponto que tinha suscitado dúvidas ao grupo de deputados do CDS-PP e PSD era, segundo Negrão, “a regra do anonimato dos dadores e da própria gestante de substituição”, que o TC também considerou inconstitucional.
“Mais uma vez, o PSD congratula-se com a decisão do TC e com o cuidado que teve com processos já abertos, que devem manter a continuidade no sentido de defesa dos interesses das crianças”, referiu.
Questionado sobre o que irá o PSD fazer em relação a estes diplomas, Negrão limitou-se a lembrar que ele próprio foi um dos autores da fundamentação do pedido de fiscalização do TC, em conjunto com a ex-deputada Teresa Anjinho. “Naturalmente que falaremos com o CDS para continuarmos a trabalhar no sentido de sanar estas inconstitucionalidades suscitadas”, afirmou.
CDS afasta-se de PSD
O CDS está disponível para analisar propostas que sejam apresentadas por outros partidos na sequência do chumbo do Tribunal Constitucional (TC) a algumas normas do diploma de gestação de substituição. Mas será um trabalho feito em separado da bancada social-democrata a avaliar pelas palavras da deputada Vânia Dias da Silva.
O CDS não apresentará propostas ao diploma sobre as chamadas barrigas de aluguer. “Avaliaremos as alterações que sejam apresentadas por outros partidos” no sentido de verificar a sua “constitucionalidade”, disse a deputada da bancada centrista em resposta à pergunta em torno da disponibilidade do PSD em trabalhar sobre esta matéria.
Esta manhã, o líder da bancada social-democrata Fernando Negrão disse que iria “falar com o CDS” para continuar a trabalhar. Foram deputados das duas bancadas – por iniciativa do CDS – que fizeram o pedido de fiscalização de constitucionalidade, já que os centristas não têm parlamentares suficientes para cumprir o mínimo de assinaturas exigidas para avançar com o pedido.
Numa declaração aos jornalistas, a deputada do CDS voltou a saudar a decisão do TC e lembrou que houve preocupações manifestadas por algumas entidades – como a Comissão Nacional da Ética para as Ciências da Vida - que foram “desatendidas” pelo Parlamento.
PCP tinha votado contra por causa de normas como as chumbadas
O PCP, que em 2016 votou contra a lei da PMA, realça que esta declaração da inconstitucionalidade do TC é uma espécie de "tiro no porta-aviões" do regime das chamadas barrigas de aluguer porque "põe em causa aspectos fundamentais do regime da PMA". O deputado António Filipe lembra que a decisão tem forma obrigatória geral e não está em causa o simples expurgo das normas inconstitucionais. Será, por isso, necessária uma reformulação do regime da PMA que passará por novas iniciativas legislativas no Parlamento. "Aguardaremos para ver" como os partidos vão tentar resolver o assunto.
Entre as razões para os comunistas votarem contra a lei estavam precisamente as questões da identidade dos dadores e do contrato entre a gestante e os futuros pais. "Não estava suficientemente esclarecida na lei a forma como seriam aplicadas estas normas", apontou António Filipe. "Há uma incompatilibidade clara entre o direito constitucional de cada pessoa a conhecer a sua identidade genética e a regra do anonimato da doação prevista na lei." Com Sofia Rodrigues