"Desnuclearização" não quer dizer o mesmo para Kim e para Trump
Diferenças de expectativas e de significados do que está em jogo na península coreana põem em causa sucesso da cimeira entre os dois líderes.
A Casa Branca está a preparar-se para que o Presidente Donald Trump discuta a desnuclearização com o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, na muito antecipada cimeira em Maio ou Junho. Mas o que significa desnuclearização?
Depende do lado a que se pergunta.
Para alguns em Washington, a “desnuclearização da península coreana”, como escreveu Trump no Twitter em Março, significa que Kim entregará as suas armas nucleares e os sistemas de mísseis e permitirá que inspectores internacionais verifiquem se o regime mantém a sua palavra.
Para Pyongyang, significa uma coisa muito, muito diferente. Significa que ambos os lados darão passos para acabar com as armas nucleares, e que os Estados Unidos desmantelarão o guarda-chuva nuclear com que protegem a Coreia do Sul e o Japão.
Estas diferenças de significado podem ser a sentença de morte da cimeira. “Há o risco de que se iniciem negociações com expectativas irrealistas de que Kim Jong-un entregue as chaves do seu reino nuclear. Isso não vai acontecer”, afirmou Vipin Narang, especialista em proliferação nuclear do Instituto de Tecnologia do Massachusetts.
Kim poderá aceitar abdicar das suas armas apenas se os EUA aceitarem pôr fim à sua aliança militar com a Coreia do Sul, que existe desde a Guerra da Coreia (1950-1953), vaticinou Narang. Pode também insistir que os EUA terminem o seu compromisso com a “dissuasão ampliada” na Coreia do Sul e no Japão – a ameaça de retaliação nuclear, se os seus aliados na Ásia forem atacados pela Coreia do Norte.
Durante décadas, a Coreia do Norte encarou a presença militar norte-americana na Coreia do Sul como parte de uma “política hostil” com o objectivo de levar ao seu colapso. Por isso, a família Kim, que mantém o controlo totalitário do Estado, tem mantido vivas as memórias da Guerra da Coreia, em que os EUA lançaram uma campanha de bombardeamentos que arrasou a maior parte do Norte da península.
“A rota mais certa para o desastre desta cimeira seria se o Presidente Trump chegasse com a convicção que a desnuclearização da península coreana significa que Ki Jong-un entregaria unilateralmente as suas armas”, afirmou Narang.
A Coreia do Norte confirmou esta ideia em meados de 2016, quando classificou a insistência de Washington em que deveria desmantelar o seu programa nuclear antes de qualquer diálogo como “uma pré-condição absurda”. Por sua vez, apresentou cinco condições. Uma delas é que os EUA declarem que não lançarão armas nucleares a partir da Coreia do Sul.
Pyongyang não disse nada que faça pensar que desistiu destas condições. Alguns analistas sul-coreanos que aconselham o Presidente Moon Jae-in dizem que Kim sabe que é irrealista insistir no cumprimento destas condições. Em vez disso, pode pedir outras concessões, talvez uma redução na presença militar americana na península coreana, disse Koh Yu-hwan, professor de Estudos Norte-Coreanos na Universidade Dongkuk e conselheiro do Presidente Moon.
O exército dos EUA tem cerca de 28 mil tropas estacionadas na Coreia do Sul e uma grande base a Sul de Seul, em parte para ficar fora do alcance da artilharia convencional da Coreia do Norte. O Pentágono concordou em adiar os exercícios militares da Primavera com o exército sul-coreano até depois dos Jogos Olímpicos de Inverno, que decorreram em Fevereiro. E, este ano, foram muito mais discretos – envolveram apenas 11,500 militares norte-americanos, quando no ano passado foram 15 mil. E duraram apenas uma semana, em vez de duas.
Tudo isto parece ter sido feito para criar o ambiente certo para a cimeira inter-coreana e depois para o encontro entre Donald Trump e Kim Jong-un, algures em Maio ou Junho.
Um líder confiante
Em Washington há outra ideia equivocada sobre estas conversações.
Trump afirmou que Kim está interessado em falar com o mundo exterior por causa da campanha de “pressão máxima” aplicada pelos EUA. Em parte tem razão, dizem analistas – que vão desde os que defendem a invasão da Coreia do Norte até aos que aconselham o estreitamento de lanços. Mas a história não acaba aqui.
A outra parte é que Kim, um líder de 34 anos que ultrapassou com sucesso as baixas expectativas que havia em relação a ele nos últimos seis anos, está mais confiante que nunca. “Kim Jong-un parece estar seguro em casa, e agora tem armas nucleares, portanto sente que merece ser tratado como um líder mundial”, comentou Kim Seok-hyang, professora de Estudos Norte-Coreanos na Universidade Feminina Ewha, em Seul, e conselheira do Presidente sul-coreano.
“Kim-Jong un está pronto. Agora os seus sonhos estão a tornar-se realidade”, afirmou a investigadora.
Não há dúvidas, dizem analistas, de que Kim está disposto a falar porque está preocupado com os efeitos das sanções na economia da Coreia do Norte, cuja aplicação é liderada pelos EUA. “A pressão máxima está a ter impacto”, disse Lim Eul-Chul, da Universidade Kyungnam, usando a expressão favorita de Trump para esta abordagem.
No entanto, em vez de “pressão máxima”, seria mais correcto falar de “pressão óptima”, afirmou John Delury”, professor de Relações Internacionais na Universidade Yonsei em Seul. “A pressão é real e aumentou, e penso que frustrou as ambições de Kim Jong-un”, comentou, referindo-se à política de “investida simultânea” de Kim, que aposta no desenvolvimento do programa nuclear e da economia ao mesmo tempo.
“Ele completou a primeira parte do seu plano. E está confiante em que poderá continuar a fazer o que tem feito”, diz Delury. Em Novembro, no último teste de um míssil, a Coreia do Norte declarou ter construído um novo míssil balístico intercontinental “armado com uma ogiva pesada super grande”, com o qual ficava “concluído o desenvolvimento do sistema de armamento balístico”.
Lim concordou com esta avaliação: depois de ter declarado sucesso com os esforços nucleares, o líder norte-coreano estará a sentir-se forte e pronto a lidar com a parte económica do seu programa de “investida simultânea”. “Kim Jong-un decidou sentar-se à mesa de negociações por ter considerado que agora que já lidera uma potência nuclear, os EUA terão muito mais interesse em falar com ele”, disse o analista.
Resta saber se se sentirá suficientemente confiante para fazer um acordo.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post