PS caminha para negociação mais difícil do próximo orçamento

Divisões na esquerda à conta do défice e da existência ou não de folga orçamental. Governo insiste no caminho do equilíbrio, elogiado até pelo PSD.

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LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

Será um PS cada vez mais sozinho aquele que na quinta-feira vai sair do plenário da Assembleia da República, depois de ajudar a chumbar todos os projectos de resolução sobre o Programa de Estabilidade do Governo: do bloquista ao centrista. Parece uma contradição, mas não é. O debate desta terça-feira mostrou que à esquerda as fricções aumentam e que se antevê uma negociação mais difícil para o próximo orçamento. Bloco, PCP e PEV avisam que não se vão deixar condicionar por metas de Bruxelas ou argumentos do Governo de que não há folgas para investimentos. À direita, PSD e CDS agarram-se ao argumento da subida da carga fiscal mas com nuances notórias.

Durante o debate, o ministro das Finanças defendeu um caminho mais prudente na política orçamental e garantiu que "não há folgas nem metas acordadas com Bruxelas". "A verdade é que não há folga orçamental. Nós temos hoje menos 455 milhões de euros de juros pagos e 1000 milhões de euros no final do programa, mas essa dimensão tem de ser acautelada, porque senão, tal como eles [os encargos com juros] desapareceram podem voltar a aparecer", afirmou Mário Centeno.

O ministro das Finanças respondia assim à deputada Heloísa Apolónia que tinha criticado o Governo por impor constrangimentos através de Bruxelas. Na realidade, Centeno falava para a esquerda do PS que insistiu na questão da folga orçamental e o que fazer com ela. E mais não disse do que António Costa já tinha explicado a Catarina Martins no debate quinzenal, há uma semana, sobre as contas: não há folga nem almofada, mas sim uma descida do encargo com o serviço da dívida.

Antes, Centeno tinha avisado que "temos menos défice, mas ainda temos défice", desfiou o que considerou sucessos na economia e lembrou à esquerda que "este capital de credibilidade é de um Governo e de quem apoia o Governo".

A deputada Mariana Mortágua insistiu na ideia de que há folga orçamental para acomodar mais investimento público: foi buscar as previsões e os números finais do ano passado e deste ano para argumentar que haverá novamente uma margem de 800 milhões de euros no défice. “Vamos melhorar os serviços públicos ou mostrar serviço em Bruxelas?”, perguntou a bloquista a Mário Centeno.

Mortágua ainda acusou o Governo de optar por uma gestão orçamental errada e de não aproveitar a conjuntura de baixos juros. E dramatizou, acusando o Governo de estar a violar a “base do compromisso político com o Bloco de Esquerda” mas também com a restante maioria parlamentar (PCP e PEV) com quem assinou acordos e que lhe aprovou os orçamentos, e ainda com os portugueses e com os serviços públicos. A esta intervenção somou-se a do líder da bancada, Pedro Filipe Soares, que usou mesmo citações de Mário Centeno ao longo destes anos para mostrar incoerências sobre a folga e o investimento público.

Na resposta, o ministro garantiu que “os objectivos previstos no Programa de Estabilidade são exactamente os mesmos, à décima, que estavam já previstos; não há nada nisto que tenha a ver com metas de Bruxelas”. Defendeu que estão a ser cumpridas todas as despesas antecipadas no OE2018, que as contas “estão a bater certo”. Mas também que é preciso “garantir a execução orçamental do futuro” e que as medidas que estão a ser tomadas têm uma “dimensão sustentável”.

Défice a mata-cavalos

Na mesma linha, o comunista Paulo Sá criticou a redução “a mata-cavalos do défice” feita à custa da resolução dos problemas estruturais do país”, e também os “anúncios” do PS sobre o bom desempenho da economia ao mesmo tempo que se nota a falta investimento de várias áreas. O deputado avisou que na discussão do próximo orçamento do Estado o PCP não ficará “condicionado” pelas metas fixadas neste Programa de Estabilidade. Um alerta reforçado pela ecologista Heloísa Apolónia, preocupada com a “obsessão pelo défice”, que disse que “de orçamento em orçamento [a discussão] não é mais fácil! [como afirmou António Costa no debate quinzenal]. É mais difícil por causa dos constrangimentos que o Governo impõe via Bruxelas.”

O PSD não deixou passar em branco estas dissonâncias à esquerda. “António Costa está a fazer do BE gato e sapato e a fazê-lo engolir sapos sem se enfartar”, ironizou o vice-presidente da bancada social-democrata Carlos Peixoto. E desafiou a coerência dos bloquistas: “São ou não todos Centeno? Se não são, sejam coerentes e tenham coragem de tirar ao Governo o tapete que há três anos lhe mantêm debaixo dos pés.”

O presidente do PS haveria de tentar fazer a quadratura do círculo defendendo, ao mesmo tempo, o “caminho de ambição e de prudência” do Governo, e a vontade de continuar a “trabalhar” com os partidos que “aprovaram a investidura e a política orçamental deste Governo”. Carlos César apontou a necessidade de “preservar este património político” e garantiu que o PS “está comprometido com a convergência da esquerda portuguesa”.

Porém, César avisou que a “precaução” se deve sobrepor à “precipitação e imponderação” e que o PS não prescinde do “equilíbrio” entre a melhoria das contas públicas e o investimento público, fazendo mesmo uma espécie de mea culpa. “Nós aprendemos com os desequilíbrios orçamentais do passado e temo-lo provado”, afirmou o dirigente socialista, recusando agir “como se o passado não tivesse mostrado riscos, avisos, consequências e lições”. E deixou um recado ao Bloco, que depois de ter acusado o PS e o Governo de estar de “pés e mãos” amarrados nos dois últimos anos, “considera agora que esses limites anteriores já são virtuosos e não devem ser alterados”.

Folga é “ficção”, diz o PSD

Num tom mais concordante, o PSD partilhou um dos argumentos de Mário Centeno atirados contra a esquerda. “A folga orçamental é uma ficção”, afirmou Duarte Pacheco, defendendo que seria “quase criminoso” pôr em causa as poupanças significativas nos juros pagos pelo capital em dívida. Essa foi a “concordância de fundo” assinalada pelo PSD.

Já a “divergência de fundo” com o Programa de Estabilidade do executivo – apontou o deputado – tem a ver com a carga fiscal. Se o PSD fosse governo, Duarte Pacheco garante que estaria a aplicar uma “descida gradual da carga fiscal”. Neste sentido, a estratégia de Centeno é “errada”. O outro ponto em que o PSD diverge do Governo é a perspectiva do crescimento da economia. A taxa de 2,7% em 2017 é um “bom valor em termos absolutos”, reconhece o deputado social-democrata, embora sublinhe que é baixo face aos restantes países europeus. Por isso, o deputado considera que o Governo, ao manter este distanciamento com os demais países europeus, está a reconhecer que “está esgotado”.

Os sociais-democratas pedem reformas para tornar a economia mais competitiva, uma recomendação que também consta do seu projecto de resolução que não rejeita o Programa de Estabilidade do Governo. Uma dissonância face ao seu antigo parceiro de coligação, o CDS, que propõe a rejeição do programa. O deputado Pedro Mota Soares insistiu na crítica à elevada carga fiscal e acusou o ministro das Finanças de não ser sério ao prometer descer o IRS só em 2021. Pela voz do ex-ministro, o CDS-PP foi mais duro que o PSD: "Trata-se de um mau Governo com um mau plano nacional de reformas assente numa má estratégia."

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