Presidente do Conselho Deontológico dos Jornalistas defende divulgação dos interrogatórios a Sócrates
São José Almeida diz que “é inegável” que as reportagens televisivas da SIC “divulgaram aspectos do processo de relevante interesse público e são, por isso, legítimas”.
A presidente do Conselho de Deontológico (CD) do Sindicato dos Jornalistas, São José Almeida, defende que as reportagens que revelaram na passada semana imagens dos interrogatórios a José Sócrates e a outros arguidos e testemunhas no processo Marquês, e dos inquéritos do universo GES, são “legítimas” do ponto de vista jornalístico.
“As gravações [dos interrogatórios] são oficiais e chegaram à mão dos jornalistas. Ainda que haja aspectos que possam suscitar dúvidas por assumirem contornos que raiam o voyeurismo, é inegável que as reportagens divulgaram aspectos do processo de relevante interesse público e são, por isso, legítimas”, afirmou a também jornalista do PÚBLICO, sobre as imagens divulgadas pela SIC, primeiro, e depois pela CMTV.
São José Almeida frisa que toma esta posição como “presidente do CD, mas a título pessoal”, justificando que o CD não tomou posição sobre esta matéria “porque não foi a primeira vez que esta situação aconteceu”. A jornalista lembra o caso das audições no processo dos Vistos Gold, em que foram mostradas pela CMTV imagens das audições a Miguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna, e de Manuel Palos, ex-director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
“É importante que este debate se faça, mas a obrigação e o compromisso dos jornalistas é com o público e com a sociedade. E têm o dever de revelar informações verídicas como as que foram mostradas”, acrescenta a presidente do CD.
São José Almeida defende ainda que informações como as que foram divulgadas são “de relevante interesse público”. “No cumprimento da sua obrigação e compromisso com a sociedade, o dever de informar sobrepõe-se sempre para os jornalistas aos direitos de imagem e até a leis como a do segredo de justiça, que nem é o caso nesta situação”, afirmou.
A ministra da Justiça afirmou na passada semana que a divulgação de imagens de interrogatórios da Operação Marquês “constitui crime” e que o Ministério Público tomará “as iniciativas necessárias” para “reprimir a ilegalidade”. “Aquilo que está em causa é uma divulgação não-autorizada de peças de um processo e, portanto, isso constitui crime e estou segura de que o Ministério Público tomará as iniciativas necessárias para reprimir a ilegalidade neste caso, tal como faz em outras questões de matéria criminal”, disse Francisca Van Dunem.
Já o Ministério Público anunciou a abertura de inquérito. “Embora o processo em causa já não se encontre em segredo de justiça, a divulgação destes registos está proibida, nos termos do art.º 88.º n.º 2 do Código de Processo Penal, incorrendo, quem assim proceder, num crime de desobediência (artigo 348.º do Código Penal)”, referiu o Ministério Público numa resposta à Lusa. A Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, também manifestou o seu desagrado com a publicação das imagens, lembrando que está em causa o crime de desobediência.
José Sócrates, por sua vez, anunciou que vai constituir-se assistente no inquérito aberto pelo Ministério Público por causa da divulgação, pela SIC e pela CMTV, dos vídeos dos interrogatórios dos arguidos da Operação Marquês.
O antigo primeiro-ministro está acusado de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada. A acusação sustenta que Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos de interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no GES e na PT, bem como por ter garantido a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos (CGD) ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e por ter favorecido negócios do Grupo Lena.
Além de Sócrates, estão acusados o empresário Carlos Santos Silva, amigo de longa data e alegado testa-de-ferro do antigo primeiro-ministro; o ex-presidente do BES Ricardo Salgado; os antigos administradores da PT Henrique Granadeiro e Zeinal Bava; e o ex-ministro e antigo administrador da CGD Armando Vara, entre outros. A acusação deduziu também um pedido de indemnização cível a favor do Estado, de 58 milhões de euros, a pagar por José Sócrates, Ricardo Salgado, Carlos Santos Silva, Armando Vara, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava e outros arguidos.