Sou uma pessoa que gosta de gatos. Por isso, sempre partilhei a minha vida com felinos e partilho a minha casa com uma gata há praticamente 13 anos. Tal partilha tem-me permitido observar e analisar muitos dos comportamentos dos felinos. E, tenho que o assumir, aprecio muito a forma de ser dos gatos. A felina da casa apresenta duas características que muito me agradam. De um modo geral, e depois de um momento de maior actividade, a gata Carlota decide sempre descansar. E tenho a dizer que ver um gato a dormir oferece, a quem o observa, um sentimento de paz e uma calma fantásticos. Todo ele é tranquilidade e harmonia. Usando uma expressão muito nossa, “dormem o sono dos justos”. E quase que nos parecem sorrir quando estão deitados em algum sítio bem confortável que eles apreciem: ao sol e/ ou calor. É impossível não invejar essa paz, esse bem-estar que eles aparentam ter quando dormem.
Outra das características que muito aprecio na gata que por cá vive é aquilo que denomino “os cinco minutos de loucura” diários. Normalmente esses cinco minutos de loucura, que se caracterizam por corridas desenfreadas pelo corredor, miados que se assemelham a rugidos de leão, saltos em altura e até recriação de pequenas cenas de caça a qualquer coisa que se descubra pelo chão, acontecem pela manhã. E garanto que não acontecem por muito mais de 10 ou 15 minutos. Passado este momento, o bicho volta à sua pacata vida de realizar a fotossíntese, comer e escolher outro local para dormir se o sol desapareceu. E do que tenho observado ao longo destes anos, a gata necessita deste momento de loucura para extravasar as suas energias de modo a poder repousar nos momentos a seguir.
É dessa observação, desta mistura de calma e loucura, que concluí que também nós precisamos dos nossos cinco minutos de loucura para que o dia e a vida nos façam sentido. Haverá algo mais aborrecido e stressante do que uma vida seguida todos os dias pelas regras ditadas pela sociedade?
A ideia que tenho é que cada vez mais vivemos num ambiente com regras e pelas regras. E isso pode ser extremamente desgastante, para além de aborrecido. Todos os dias, se formos afortunados, temos de nos levantar ao som do despertador, vestir o nosso melhor ar de trabalhador eficiente e exercer a nossa actividade em, pelo menos, oito horas do nosso dia. E quando termina o trabalho? Vestimos um outro papel adequado à sociedade que nos rodeia: o de mãe/pai, filha(o), mulher/marido e, mais uma vez, cumprimos com os papéis que nos são atribuídos, da maneira mais eficiente que nos é possível. Procuramos nunca falhar porque a sociedade em que nos movemos não aceita falhanços. Temos de ser os melhores trabalhadores, os melhores pais, os melhores tudo. Pela graça de todos os santos, temos um manancial de manuais de comportamento sempre à mão de semear, ali no Google, que nos podem ensinar tudo o que queremos para melhorar. Ali aprendemos a ser os melhores em todas as áreas.
E quanto ao nosso corpo? A mesma coisa. Impusemos (ou impuseram-nos) algo que já se vai assemelhando a uma ditadura. As milhentas apps que colocámos no nosso smartphone lembram-nos a toda a hora que é o momento de beber um copo de água, que ainda não demos os passos que estavam agendados para aquele dia, que ainda não realizámos o exercício físico que estava planeado para aquela semana, ou que não estamos a cumprir com o número de horas que devíamos dormir. Procuramos seguir planos alimentares que são saudáveis porque afinal a sociedade hoje manda que tenhamos uma alimentação equilibrada e que sejamos todos desportistas à procura da melhor condição física, condição essa que nos oferecerá a melhor qualidade de vida. E quando falhamos numa dessas 1001 coisas agendadas para o nosso dia? Quando não houve corrida porque estava frio e o sofá chamava por nós? E aquele dia da semana em que fomos jantar com uns amigos e nos excedemos tanto na comida como na bebida porque os amigos são dados a excessos? E o ter ido passear e ter esquecido completamente de beber os copos de água que deveriam ter sido bebidos ao longo do dia? E o ter saído com amigos, ter deitado bem mais tarde e não ter cumprido com o plano de horas de sono? E...? E…? E agora? Agora sentimos que falhamos no nosso plano de sermos “perfeitamente os melhores”. Aí chega o sentimento de culpa. Pungente. Torturante. Sentimo-nos péssimos e falhados.
A tudo isso digo um veemente não. A tudo isto digo “Quebrem-se as regras!”. É claro que não defendo um quebrar das regras total. Não defendo que se esqueça o despertador e o trabalho. Muito menos que se descure a profissão, a saúde ou os nossos papéis familiares. O que defendo é que se dê espaço aos “cinco minutos da loucura” que a minha gata se oferece todos os dias. Que se quebrem algumas regras. Que haja um dia na semana em que não se contam calorias, em que se escolha vegetar num sofá, em que se abuse nos doces, nos chocolates ou naquilo que nos aprouver. Que se dê lugar, em certos momentos, aos excessos apenas e só porque nos apetece. Haja, por vezes, o esquecimento das regras sociais e faça-se o que realmente temos vontade de fazer. Sair do caminho previamente trilhado não significa que o mundo vai parar de girar. Muito pelo contrário. Ele irá continuar a sua rota, garanto.
E nós? Nós, sem dúvida, sentir-nos-emos bem mais vivos depois destes momentos de loucura, depois desse momento de quebra das normas. Esquecer as regras de quando em vez só nos poderá trazer aquela sensação boa que sentimos quando descalçamos um sapato que nos apertava o pé, como uma cura para aquele pé dorido. Alívio e bem-estar para o nosso corpo e mente. Como tal, o conselho que deixo é, de vez em quando, “Loucure-se”. E agora vou ali comer um hambúrguer.