Há um bairro nómada a crescer à beira-rio plantado

Tem crescido o número de caravanas e carrinhas que param junto ao rio, na zona de Santos, e por lá acampam. Alguns munícipes alertam para a falta de segurança, o lixo e os dejectos que por ali se vão acumulando. A autarquia não se pronuncia.

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Daniel Rocha
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São veículos grandes, autênticas casas sobre rodas, que se têm amontoado num espaço alcatroado junto ao rio, em Santos, próximo da discoteca Urban Beach. Se começaram por ser episódios esporádicos, o aglomerado que estas carrinhas têm formado nos últimos meses não tem passado despercebido aos que passeiam naquela zona e reparam que está a crescer ali uma “cidade móvel”, à beira Tejo plantada.

Alguns munícipes admitem mesmo que o número de viaturas e de “barracas” que ali se juntam, sem que haja a rotatividade habitual no turismo de auto-caravanas, “tem crescido exponencialmente” nos últimos tempos e alertam para a falta de segurança e para o lixo e dejectos que se vão sendo acumulados por quem percorre quilómetros numa casa ambulante.

“As coisas explodiram nos últimos dois meses. Nós nem percebemos bem o que aconteceu”, conta ao PÚBLICO Perpétua Coelho, coordenadora administrativa do ginásio Academia Life Club. Como algumas salas de exercício estão voltadas para aquele local, alguns responsáveis pelo espaço já encontraram algumas das pessoas que costumam ali pernoitar a utilizar os balneários do ginásio. 

“Já demos com eles a tomar banho, já tentaram levar coisas dos clientes. Vêm aqui às nossas torneiras encher garrafões”, continua a responsável. “Como não têm balneários, fazem as necessidades junto às paredes e têm cães por aí”, nota Perpétua, alertando para o lixo e dejectos dos animais que os caravanistas transportam e que se vão acumulando. Segundo relatos que alguns munícipes fizeram ao PÚBLICO, os bancos públicos, por exemplo, são usados como suporte para lavar a loiça. 

“Sentimo-nos um bocado impotentes. Aquele espaço parece uma zona de ninguém”, aponta a gerente do ginásio.

Ao PÚBLICO, o presidente da Junta de Freguesia da Estrela afirma que o terreno em causa está sob gestão da Administração do Porto de Lisboa e que se trata de uma “zona expectante”, um espaço ao qual não está atribuída qualquer função mas que é recorrentemente utilizado como parque de estacionamento. Questionada pelo PÚBLICO, a APL não deu qualquer resposta.

O autarca referiu ainda que têm chegado à junta “muitas reclamações” de munícipes que se sentem incomodados com a situação. No portal do município “A minha rua”, onde a população pode reportar ocorrências que necessitem da intervenção da autarquia ou das juntas de freguesia, por exemplo, há queixas de que aquele local é recorrentemente utilizado como local de acampamento e os dejectos de cães acumulam-se sem que os proprietários os removam.

“Com o aumento do turismo, e de várias formas de o fazer, tem havido uma ocupação abusiva e selvagem sem quaisquer cuidados com a higiene e condições de segurança. Estas pessoas estão totalmente desprotegidas”, nota Luís Newton. “Mas isto não tem nada a ver com o turismo de auto-caravanas”, ressalva o autarca, admitindo que “este fenómeno cresceu substancialmente ao longo dos últimos oito meses”, passando de episódios esporádicos, como os que acontecem em Belém, onde existe sinalização que proíbe o estacionamento de auto-caravanas e de caravanas, para um hábito. Na sua maioria jovens, alguns dos que ali estacionam recusaram falar com o PÚBLICO.

“Se os querem deixar ficar aí que façam, pelo menos, casas de banho”, sugere Perpétua Coelho. 

Por ser um “lugar apetecível, junto ao rio e a uma área de diversão nocturna”, e “não sendo a fiscalização eficaz nessa zona”, a palavra vai passando. “Como não recebem qualquer indicação de que não podem ali pernoitar, acabam por ficar”, acredita o autarca da Estrela.

“É uma fiscalização que deverá ser feita pela Polícia Municipal até porque quem faz este tipo de licenciamento é a câmara municipal”, nota o presidente da junta.

É aos municípios que cabe o licenciamento de acampamentos ocasionais fora dos locais adequados à prática do campismo e caravanismo. Cabe igualmente às autarquias a aplicação das coimas a quem não cumpre o regulamento. O PÚBLICO tentou perceber junto da câmara de Lisboa se tem conhecimento da situação, assim como que alternativas para o estacionamento e acampamento destes veículos, mas também não obteve qualquer resposta. 

Em Lisboa, o parque de campismo de Monsanto é o único espaço onde as auto-caravanas podem acampar legalmente. Segundo a informação que consta no site do parque, cerca de 170 lugares estão destinados a esses veículos e é possível ter acesso a água e electricidade e a locais próprios para despejos de águas sujas.

A criação de mais um parque para auto-caravanas, além do de Monsanto, foi já proposta no âmbito do Orçamento Participativo de Lisboa, em 2016. A ideia até colheu, sendo uma das vencedoras dessa edição, mas ainda não foi concretizada. “Seria uma boa maneira de ordenar o estacionamento de auto-caravanas e oferecer condições a quem usa esta modalidade”, admitem os munícipes. 

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