Zona euro não deve entrar na próxima crise sem um orçamento comum
Niels Thygesen, presidente do Conselho Orçamental Europeu, defende a criação de uma capacidade orçamental comum na zona euro como forma de prevenção contra uma nova crise.
Criado há um ano e meio para, entre outras coisas, avaliar se as regras europeias estavam a ser bem defendidas pelas instituições europeias, o Conselho Orçamental Europeu mostrou recentemente dúvidas sobre a forma como a Comissão decidiu no caso das sanções a Portugal e a Espanha. O presidente da entidade diz que o problema é que as regras são demasiado complexas e difíceis de cumprir e defende que, para a zona euro estar preparada para uma nova crise, deve criar uma capacidade orçamental comum.
Em algumas capitais europeias, há quem gostasse de ver uma entidade como o Conselho Orçamental Europeu a ter um papel mais importante na fiscalização das regras orçamentais. Acha que isso é possível no futuro?
O nosso mandato tem dois elementos principais. Primeiro avaliar se as regras orçamentais europeias estão a ser bem aplicadas, de forma justa a todos os Estados membros. O segundo é sugerir melhorias e encontrar o equilíbrio certo no futuro entre as regras e um julgamento mais subjectivo na definição da política económica. Agora, estão a começar a surgir na agenda novas iniciativas como uma capacidade orçamental comum, que podem levar a novas funções, mas isso é no longo prazo. Se nos podemos tornar mais do que isto, não sei, mas por vezes gostaríamos de ser chamados a pronunciar-nos sobre se a análise económica foi aplicada de forma correcta.
Recentemente criticaram a discricionariedade que tem existido na aplicação das regras orçamentais, destacando em 2016 as decisões tomadas pela Comissão relativamente a Portugal e a Espanha. Acha que Portugal deveria ter sido sujeito a sanções?
O que nós salientamos em primeiro lugar é que o actual conjunto de regras é muito difícil de aplicar. E isto é verdade seja quem for que tem de tomar decisões: seja a Comissão que tem de fazer recomendações, sejam os ministros das Finanças que têm de decidir directamente e que, no caso da Espanha e de Portugal, acabaram por não o fazer. Não estou preparado para dizer se devia ter havido sanções ou não. Penso que a própria ideia de existência de sanções punitivas levanta algumas dúvidas sobre se pode ser passada à prática ou não. Já passaram quase 20 anos desde o arranque da União Económica e Monetária e ainda não assistimos a uma sanção a ser aplicada. Por isso, parece óbvio que se queremos aplicar algum tipo de sanções, temos de olhar para outras formas de o fazer.
Que outras formas?
Criar um incentivo mais positivo para seguir as regras, dizendo aos países que se não seguirem as regras não têm acesso a determinados mecanismos. Isso pode ser aplicado nomeadamente no contexto de uma capacidade orçamental comum ao nível da zona euro.
Em que é que isso seria diferente das sanções que cortam o acesso a fundos europeus?
A diferença é que é política e psicologicamente difícil impor uma multa a um país que já está em dificuldades. É um pouco mais fácil dizer a um país que tem de cumprir as regras se quiser manter a qualificação para aceder a um mecanismo orçamental comum. É mais um encorajamento do que uma punição. É verdade que, na prática, também não seria fácil de aplicar, mas temos de manter alguma confiança num sistema baseado em regras porque senão não haveria qualquer utilidade em que existissem regras. E nós pensamos que, no tipo de estrutura que temos na União Europeia, as regras têm um papel importante a desempenhar. Não estamos num Estado federal em que podemos impor comportamentos, temos antes de encorajar os comportamentos.
Não é isso que a Comissão Europeia tenta fazer quando diz que agora é mais política?
Sim, talvez seja isso, mas o problema é que as razões económicas por trás dessas decisões políticas não foram nada óbvias. Nós gostávamos que as razões económicas que justificam as decisões fossem tornadas mais claras e penso que esse não foi o caso de Portugal e de Espanha, por exemplo. A Comissão está bem ciente deste problema e tentaram desenvolver processos mais explícitos para avaliar o equilíbrio que deve existir em cada país entre a estabilização económica através da política orçamental e a garantia de sustentabilidade das finanças públicas no longo prazo. E este é um equilíbrio difícil de medir a cada momento.
As regras agora estão a ser criticadas por serem muito complexas, mas é possível torna-las mais simples sem lhes retirar flexibilidade? No início as regras eram muito simples, mas pouco flexíveis.
Sim, no início eram muito simples, mas eram muito arbitrárias e focavam-se no valor do défice, podendo conduzir os países à adopção de políticas pró-ciclicas quando se aproximavam do limite dos 3% numa situação de crise económica. Por isso, algumas complicações, analiticamente justificáveis, foram introduzidas, nomeadamente introduzindo nas regras o conceito de saldo estrutural, que leva em conta os efeitos cíclicos da conjuntura. Mas quanto mais complexas e flexíveis se tornam as regras, mais difícil se torna fazê-las cumprir. É esse o nosso principal argumento: é muito difícil conciliar simplicidade, flexibilidade e cumprimento das regras.
Se se decidisse avançar para mais simplicidade, como é que isso seria possível?
Podemos tornar as regras mais simples, passando a usar indicadores mais simples, usar indicadores baseados em fenómenos observáveis, o que não é o caso do saldo estrutural, que depende do PIB potencial. O que pensamos é que não se pode estar numa situação em que falhar por 0,3 pontos um indicador possa ser visto como um falhanço terrível. O movimento, a direcção e a ordem de magnitude é mais importante que o cumprimento exacto do valor estabelecido nas regras.
Acha que seria importante as autoridades europeias serem mais insistentes com a Alemanha para a aplicação de uma política menos restritiva?
Muitas instituições têm dito à Alemanha para ter políticas mais expansionistas e no novo Governo alemão parece haver a intenção de usar um pouco mais o espaço de manobra de que dispõem. Agora, não há dúvida que um dos grandes problemas tem sido o da existência de desequilíbrios dentro da zona euro, o que inclui o facto de países como a Alemanha, mas também outros como a Holanda, tem excedentes externos elevados.
Um instrumento orçamental comum para a zona euro seria uma ajuda?
Uma das lições da crise é a de que não se consegue enfrentar crises sérias sem ter algum tipo de capacidade comum. Se não se tem, tem de se improvisar alguma coisa e foi isso que aconteceu quando a crise começou em 2008 e 2009. O problema é que, depois, muitas das economias mais fracas sofreram por terem feito demasiado. Teria sido muito melhor ter tido uma abordagem mais direccionada e um mecanismo de decisão comum. Não estou a antecipar uma nova crise tão grave como a de 2009, mas era bom que da próxima vez estivessem criadas outras condições. E, nesse sentido, a ideia de uma capacidade orçamental comum é muito importante.
Há vários governos muito desconfiados deste tipo de medidas.
Alguns governos temem que este seja um risco adicional para as políticas orçamentais nacionais, porque cada país pensaria que, quando uma crise chegasse, teria um mecanismo europeu para ajudar, pagando subsídios de desemprego, por exemplo. Até pode ser verdade, mas por causa disso é que, para se poderem qualificar para esses benefícios, os países devem ter de cumprir as regras e estar em boa forma, não gastando os ganhos que têm nos anos bons, como fizeram antes da crise anterior. O que a crise nos mostrou é que, sem uma capacidade comum, se assistiu a uma redução do investimento público que acabou por ser bastante prejudicial para o crescimento. Uma capacidade orçamental comum poderia servir para sustentar o investimento, impedindo se se tornar demasiado baixo.
Portanto acha que há uma maneira de convencer esses governos mais desconfiados a aceitar uma capacidade orçamental comum?
Não sei. Actualmente tendem a desconfiar de medidas deste tipo porque acham que os países mais frágeis vão relaxar. Mas tem de se perceber que alguns problemas económicos vão além daquilo que pode ser resolvido individualmente por um país. Alguns dos choques podem vir do exterior da zona euro, atingindo particularmente aqueles que se encontram numa situação mais frágil. E esses países, não devem carregar esse fardo sozinhos.
E acha que ideias como mutualização de dívida e apoio à convergência também devem ser implementadas?
São ideias que também vão na direcção certa, sim. Mas não se pode esconder a dificuldade que há em aplicá-las. Não vi o governo alemão a expressar-se a favor deste tipo de mecanismo e houve um grupo de países pequenos, liderados pela Holanda, que disseram que seria bom, mas não é uma prioridade. Mas sabemos que um dia vamos ter outro abrandamento e não poderemos contar desta vez com a enorme ajuda monetária que tivemos na crise anterior.
Foi surpreendido pelos resultados obtidos por Portugal?
Sim, posso dizer que sim. As coisas ficaram melhores do que aquilo que se podia esperar. O défice e a dívida desceram, o investimento, consumo e exportações cresceram de forma substancial, e isso muda o contexto da política económica em Portugal.
Acha que há motivos para prolongar a austeridade?
Tiveram um período de austeridade a partir de 2011, que depois foi abrandando. Agora o que pode estar em causa não é austeridade. Não se pode chamar austeridade quando um país aproveita alguns dos resultados melhores do que os esperados para reduzir a dívida. Isso não é austeridade, é apenas um comportamento prudente. No passado houve muito pouca atenção na utilização dos bons tempos para alguma consolidação. Agora, tudo depende de como a economia evoluir. Se tiverem um crescimento mais alto que o crescimento potencial da economia portuguesa, então penso que há argumentos para ser cauteloso. Afinal de contas, neste momento ainda têm uma dívida que está acima dos 120% do PIB.