O maior mamífero terrestre do mundo pode vir a ser a vaca
A caça furtiva e o impacto ambiental causado pelos seres humanos têm levado à extinção de espécies de mamíferos de grande porte, o que poderá ter consequências futuras na biodiversidade, alerta equipa de investigadores dos Estados Unidos.
Se a extinção animal continuar ao ritmo actual, a vaca pode vir a ser, em poucos séculos, o maior mamífero terrestre do mundo. Esta é a conclusão de um estudo científico publicado nesta sexta-feira na revista Science, que analisou as tendências da extinção de grandes mamíferos ao longo de 125 mil anos.
A expansão da nossa espécie (Homo sapiens), que começou a partir de África há mais de 50 mil anos, levou a uma tendência de retracção no tamanho médio dos mamíferos para um décimo. Os seres humanos causaram um impacto significativo na vida selvagem e na extinção de determinadas espécies que, contrariamente ao que se pensava antes, não é um fenómeno recente mas tem vindo a ocorrer desde há cerca de 125 mil anos. A disseminação dos hominíneos – nomeadamente do homem de Neandertal e do Homo sapiens, entre outras espécies humanas – coincidiu com a extinção dos animais de grande porte em finais do Pleistoceno (época do período Quaternário que remonta entre 2,6 milhões e 12 mil anos), como os mamutes-lanudos, tigres-de-dentes-de sabre e os gliptodontes – uma espécie de mamífero ancestral do actual tatu.
O risco não é o mesmo para todos os animais, visto que “quanto maior [o animal], maior a probabilidade de extinção”, diz Felisa Smith, da Universidade do Novo México e coordenadora do estudo, citada pelo jornal El País. Segundo a investigação, os humanos começaram a caçar as grandes espécies de animais por causa da carne, enquanto as criaturas de tamanho mais reduzido como, por exemplo, os roedores acabaram por sobreviver. Este fenómeno é conhecido como “extinção por tamanho”. “Do ponto de vista histórico da vida, faz algum sentido. Se matar um coelho, vai alimentar a sua família por uma noite. Se pode matar um grande mamífero, vai alimentar [toda] a sua aldeia”, diz Kate Lyons, bióloga e co-autora do estudo, em comunicado da Universidade de Nebraska-Lincoln.
Variável da “extinção por tamanho”: os humanos
Estudos anteriores mostravam que este fenómeno teria começado na Austrália há cerca de 35 mil anos, no entanto, a nova investigação mostra que terá tido incício pelo menos 90 mil anos antes do que se pensava, em África. “Há um padrão muito claro de extinção [com base] no tamanho que segue a migração de hominíneos [para fora] de África”, disse à agência Reuters Felisa Smith.
A equipa de investigadores de várias universidades nos Estados Unidos compilou os dados, a maioria obtidos a partir de registos de fósseis e rochas, sobre a massa corporal, a distribuição geográfica e o tipo de alimentação de 3300 espécies de mamíferos, muitas já extintas. Os resultados da análise revelaram que, ao longo do período temporal observado, os fósseis foram-se tornando cada vez mais pequenos.
Na altura da extinção do final do período Cretácico, há 65 milhões de anos, mais conhecida como a extinção dos dinossauros – que levaria ao reinado dos mamíferos –, o tamanho corporal não esteve em causa. “Esse acontecimento originou a extinção da maioria dos organismos com mais de dez quilos, mas o risco de extinção não aumentou em função do tamanho corporal”, o que leva à conclusão de que a variável presente nas últimas extinções em massa de mamíferos de grande porte foi uma: a presença humana – explica Felisa Smith, ainda segundo o El País.
A análise por continentes mostra uma coincidência temporal entre a expansão da nossa espécie, primeiro em África e depois noutras regiões, e a redução do tamanho das espécies nesses mesmos sítios. Há cerca de 125 mil anos, o mamífero africano médio já era 50% menor do que os seus homólogos noutros continentes (não povoados), de acordo com resultados do estudo referidos em comunicado.
À medida que a ocupação humana se começou a expandir, outras “extinções por tamanho” começaram a ocorrer em regiões e períodos coincidentes com os padrões da migração humana. Apesar de não haver uma data exacta em que começou a expansão do Homo sapiens, é consensual entre os cientistas a seguinte divisão por intervalos temporais: há cerca de 80 e 60 mil anos, habitava a África e já tinha ido para a Eurásia (junção dos continentes europeu e asiático); há cerca de 50 mil anos chegou à Austrália e, mais tarde, há menos de 20 mil anos, chegou à América. Na América do Norte, por exemplo, a massa corporal média dos mamíferos terrestres diminuiu de 98 quilos para 7,6 quilos após a chegada dos humanos, segundo o jornal britânico Guardian.
“Em termos globais, o tamanho corporal médio há 125 mil anos era de 69 quilos e o máximo [as maiores espécies, como os mamutes] à volta das 10,8 toneladas. Hoje, a média é de 16 quilos e o máximo [elefantes] é de 3900 quilos. No futuro, cairá para os 6,9 quilos e o máximo será de 900 quilos”, estima a investigadora Felisa Smith, citada pelo El País. Isto significa que, dentro de algumas centenas de anos, “o maior mamífero da Terra pode muito bem vir a ser uma vaca doméstica com cerca de 900 quilos”, conclui. Animais como os elefantes, as girafas ou os hipopótamos podem vir a extinguir-se, sendo que, em Março deste ano, morreu o último rinoceronte-branco-do-norte macho, no Quénia.
Impacto na biodiversidade
Vários estudos têm mostrado um declínio generalizado na biodiversidade, sendo que a taxa de extinção das espécies nos últimos séculos é até 100 vezes maior do que a taxa natural, refere ainda o El País. As ameaças à vida selvagem passam pelas mudanças climáticas, a perda de habitats – devido à conversão de espaços naturais em campos de cultivo e à urbanização –, a poluição e a caça furtiva. O estudo em questão, no entanto, não revelou provas científicas de que as mudanças climáticas tenham conduzido a “extinções por tamanho” durante os últimos anos, tendo em conta que, de acordo com os dados analisados, os mamíferos de pequeno e grande porte revelaram-se igualmente vulneráveis a mudanças de temperatura.
Porém, outras investigações científicas afirmam que, ultimamente, se tem vindo a verificar uma crescente preocupação relativamente à conservação da fauna e flora. Thomas Brooks, investigador da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), disse à agência Reuters que a extinção dos grandes mamíferos é uma “desgraça e tristeza”. Contudo, não acredita que seja muito provável, tendo em conta que estudos recentes sugerem que os animais de grande porte, como os elefantes, beneficiam mais das áreas protegidas do que os animais mais pequenos. Felisa Smith, adopta uma posição contrária e assegura que as populações de grandes mamíferos terrestres estão a diminuir e “o declínio das populações é a trajectória para a extinção”.
Quanto ao impacto que o desaparecimento dos grandes mamíferos pode vir a ter na biodiversidade, de acordo com Kate Lyons, bióloga da Universidade de Nebraska-Lincoln e também entre os autores do trabalho, a massa corporal média dos mamíferos poderá baixar para menos de seis quilos – aproximadamente o tamanho de um yorkshire terrier – e a extinção terá impacto ao nível ambiental. “Se esta tendência continuar, e todas as espécies actualmente ameaçadas se extinguirem, então o fluxo de energia e a composição taxonómica [do ecossistema] serão totalmente reestruturados”, acrescentou Felisa Smith em comunicado. Esta reestruturação poderá ter profundas implicações para os ecossistemas, uma vez que os grandes mamíferos, tendencialmente herbívoros, consomem grandes quantidades de vegetação, permitindo a transferência desses nutrientes, pelo que os mamíferos sobreviventes (provavelmente de pequeno porte) terão pouco impacto ao nível ecológico.
O investigador Gerardo Ceballos, do Instituto de Ecologia da Universidade Nacional Autónoma do México e que não participou no estudo, acredita, por sua vez, que poderão permanecer algumas populações reduzidas de grandes mamíferos em áreas protegidas, como “elefantes e de leões mas com um papel ecológico nulo”, diz o cientista segundo o El País. Gerardo Ceballos, que tem vindo a alertar para uma sexta extinção em massa, acrescenta que “desde há algum tempo que [a extinção] já deixou de ser selectiva, afectando não só mamíferos de todos os tamanhos, mas também peixes, aves, anfíbios”. Desta forma, concorda que, se esta “aniquilação da vida selvagem” continuar, a maior parte dos animais sobreviventes serão domésticos ou animais de quinta e o maior será a vaca.
Texto editado por Teresa Firmino