É possível apertar a luz até à espessura de um átomo

Equipa internacional que inclui cientistas da Universidade do Minho estabelece recorde no aprisionamento da luz. O avanço, descrito num artigo da revista Science, pode servir para criar um novo mundo de sensores moleculares ultrapequenos.

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Ilustrução do aprisionamento da luz entre camadas de dois materiais bidimensionais ICFO

O físico Nuno Peres, da Universidade do Minho e um dos autores do artigo publicado esta sexta-feira na revista Science, tem uma frase na ponta da língua que resume de forma prosaica o complexo avanço na área que se dedica a explorar as interacções entre matéria e luz numa escala nanométrica: “É como se metêssemos a Praça do Rossio na Rua da Betesga.” A imagem ajuda, mas não explica tudo. Assim, mais concretamente, o que a equipa internacional de cientistas conseguiu foi confinar a luz a um espaço com a espessura de um átomo, usando o grafeno, uma forma cristalina do carbono. Para esclarecer o tamanho deste passo vamos só dizer que o mais fino fio de cabelo humano tem aproximadamente uma espessura de 20 micrómetros e um átomo pode equivaler a dimensões inferiores a 0,001 micrómetros.

“Mostrámos que era possível pegar em algo que normalmente tem dimensões muito grandes e conseguir, de uma maneira inteligente, apertá-lo para caber num sítio onde normalmente não cabia”, começa por referir Nuno Peres, tentando desdobrar a metáfora inicial do Rossio e da Rua da Bestega.

Como é óbvio, o trabalho publicado não fala das praças e ruas de Lisboa, por isso, passemos aos factos. “Foi usada luz infravermelha, que tem um comprimento de onda da ordem da espessura de um cabelo humano, para produzir ondas que têm a mesma frequência, ou seja, a mesma energia, mas apertada num espaço entre uma folha de grafeno e uma estrutura metálica, de tal maneira que o espaço que existe entre estes dois materiais tem um comprimento de um único átomo”, explica o investigador do Centro de Física da Universidade do Minho.

Nuno Peres confirma assim o título do comunicado do Instituto de Ciências Fotónicas (a fotónica é a ciência da geração, controlo e detecção da luz), em Barcelona (Espanha), que coordenou este trabalho: “É um recorde do aperto de luz com frequência infravermelha, num espaço muito pequeno, até ao limite físico mais pequeno possível, que é o limite de um único átomo.”

Neste trabalho, usaram-se dois materiais bidimensionais – o grafeno, uma forma de carbono, e o nitreto de boro hexagonal –, acoplados a uma estrutura metálica de dimensões nanométricas. Foi assim possível, diz o físico, “concentrar a luz infravermelha média de comprimento de onda aproximadamente de cinco micrómetros (quatro vezes inferior à espessura de um cabelo humano) em espaços do tamanho de um único átomo, isto é, em dimensões inferiores a 0,001 micrómetros (um nanómetro)”.

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Nuno Peres, físico da Universidade do Minho, é o cientista português mais citado internacionalmente Adriano Miranda

O comunicado sobre o estudo recorre à imagem de “um Lego à escala atómica” para explicar o que os investigadores fizeram e adianta que foi escolhido o grafeno “porque este material é capaz de guiar a luz na forma de plasmão que são oscilações dos electrões, interagindo fortemente com a luz”. “Sem grafeno, não haveria nada disto”, confirma Nuno Peres, que também esclarece a referência ao Lego: “A experiência foi feita pelo Instituto de Fotónica em Barcelona, nós fizemos a modelação teórica. O que eles fizeram foi pegar numa folha de grafeno, um material bidimensional como se fosse um folha de papel mas com uma espessura de um único átomo, depois pegaram numa folha de nitreto de boro hexagonal (um isolante) com a espessura de um único átomo e colocaram em cima do grafeno e a isso chama-se uma heteroestrutura. E por cima desta construção ainda colocaram uns pilares, como se fossem umas colunas romanas, de ouro e também de dimensões nanométricas.”

“Agora é um desafio para a engenharia”

E por que é importante “prender” a luz num espaço tão pequeno? “Porque abre uma série de possibilidades que vai desde novos sensores até à condução desta radiação de forma muito comprimida à superfície do grafeno, movimentando-a de um lado para o outro, para fazer novos dispositivos fotónicos. E porque, quando apertamos a luz concentramos muito a sua energia, isso permite também uma interacção com concentrações de energia muito elevada com outros sistemas físicos como, por exemplo, outros átomos e moléculas.”

Quando questionamos o físico sobre exemplos concretos de novos sensores que possam surgir baseados neste avanço, a história volta a complicar-se. “Estes sensores dão pelo nome – um pouco sofisticado – de sensores plasmódicos, porque esta radiação que está apertada chama-se radiação plasmódica”, explica Nuno Peres. “Imagine agora que, como essa radiação está muito apertada e é intensa, consegue pôr moléculas ligadas à superfície do grafeno, ela vai sentir a presença dessas moléculas. Se essa radiação não fosse intensa e apertada, colocar lá uma camada de moléculas não faria qualquer diferença e não se conseguia detectar.” Estamos, portanto, a falar de sensores moleculares muito sensíveis, por exemplo. Por outro lado, como se trata de uma forma concentrada de luz e energia, temos também aqui uma maneira de transportar simultaneamente um sinal óptico e eléctrico, adianta o físico.

Transportando estas imagens para a vida real, Nuno Peres refere que já existem actualmente sensores plasmódicos como, por exemplo, alguns testes de gravidez no mercado que usam outros materiais plasmódicos como as nanopartículas de ouro ou prata. Ou seja, que têm luz muito apertada na sua superfície. Como funcionam? “Quando entra a proteína certa em contacto com a nanopartícula e ela é iluminada por luz, o sensor vai detectar a presença dessa molécula que está em redor das nanopartículas e vai permitir saber se a substância química associada à gravidez está ou não presente.” Mas, sublinha-se, esta luz não é (nem de perto, nem de longe) tão apertada como a que se conseguiu agora. “Aqui temos exactamente a mesma coisa, mas a uma escala muito mais pequena”, constata o investigador.

O instituto de Barcelona adianta que “os resultados desta descoberta permitem um mundo completamente novo de dispositivos optoelectrónicos com apenas um nanómetro de espessura, como comutadores ópticos, detectores e sensores ultrapequenos”. E acrescenta: “Devido à mudança de paradigma no confinamento do campo óptico, agora é possível explorar interacções luz-matéria extremas que não eram acessíveis antes.”

“Nada disto tinha sido feito até agora”, refere Nuno Peres que trabalhou neste projecto na Universidade do Minho com Eduardo Dias, agora aluno de doutoramento no Instituto de Ciências Fotónicas de Barcelona.

E, quando falamos em prender a luz em espaços tão pequenos, até este trabalho qual era o limite? “Era dez a 100 vezes maior.” Isso é passado. E o futuro? “O próximo passo será transformar esta experiência em algo que possa ser usado e comercializado. Agora é um desafio para a tecnologia, para a engenharia. O que esta experiência faz é mostrar que isto é possível.”

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