45 anos a produzir políticos de projecção internacional

O PS teve oito secretários-gerais até hoje. Quase todos eles adquiriram projecção nacional ou internacional de topo. Foram primeiros-ministros, presidentes, lideraram missões e instituições cá dentro e lá fora. Quais são as razões deste sucesso?

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Soares e Guterres, na noite das eleições europeias de 1999 Daniel Rocha

Ao longo de 45 anos de vida, o PS teve oito secretários-gerais dos quais quatro chegaram a primeiro-ministro, dois a Presidente da República e um a presidente da Assembleia da República, em Portugal. Mas os seus líderes também deram outros contributos ao mundo: um é actualmente secretário-geral da ONU, outro é vice-presidente do Banco Central Europeu e outro foi Enviado Especial e Alto Representante da ONU. Será que tal constância de projecção político-institucional se deve às características do perfil que um líder partidário tem de ter?

A questão é mais complexa do que isso, considera Marina Costa Lobo, politóloga, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e especialista em lideranças políticas. Em resposta ao PÚBLICO, alerta que, embora haja uma sequência de líderes que ganharam projecção posterior, “há diferenças entre os líderes apontados”.

Sendo “líderes de um dos principais partidos em Portugal”, o PS, Mário Soares, António Guterres, José Sócrates e António Costa acabaram por se tornar primeiros-ministros e Mário Soares e Jorge Sampaio foram Presidentes da República, os dois cargos político-institucionais de topo que dependem de eleição. “As excepções” foram Vítor Constâncio, António José Seguro e Eduardo Ferro Rodrigues, sendo que este último atingiu a proeminência institucional como presidente da Assembleia da República - embora tenha sido eleito, pela primeira vez, por uma maioria que não incluiu o partido mais votado nessas eleições. E Constâncio é vice-presidente do Banco Central Europeu, um cargo de nomeação na União Europeia.

“O ‘falhanço’ destes três” líderes em relação a cargos políticos de eleição em Portugal deve-se, segundo Marina Costa Lobo, a circunstâncias específicas, e não ao seu perfil de líderes. Constâncio foi vítima do “fim do Bloco Central e da emergência do PRD com consequente perda de popularidade do PS”. Quanto a Ferro, sofreu a erosão do “escândalo Casa Pia e do pós-guterrismo”. Seguro enfrentou “o fim de Sócrates e o bailout”.

Estes três secretários-gerais socialistas foram assim “líderes que assumiram o poder depois de governos do PS, em contramão”, acrescenta a investigadora. Sendo que “dois deles, Ferro e Seguro, foram líderes temporários, nem sequer vão a votos” em legislativas.

O que se passou com eles, sustenta Marina Costa Lobo, é que, “além de surgirem numa altura má, do ponto de vista do contexto político, não tinham assumido cargos de grande visibilidade previamente e, por isso, não eram populares”. Isso fez com que não fossem “tidos como mais-valias para o PS do ponto de vista eleitoral, o que também contribuiu para a queda”. Mas a investigadora sublinha que, “do ponto de vista do perfil”, os três “são diferentes: Seguro mais centrista do que Ferro, Constâncio tentou uma aliança de esquerda que Soares Presidente recusou”.

Já José Sócrates foi um líder com sucesso no plano interno - conseguiu a única maioria absoluta do partido, até à data -, mas vê nesta altura a carreira política muito comprometida. O seu segundo Governo, já sem maioria no Parlamento, acabou com um pedido de resgate financeiro e o ex-primeiro-ministro viu-se poucos anos depois envolvido na Operação Marquês, no âmbito da qual está acusado de corrupção, tráfico de influências, fraude fiscal e branqueamento de capitais.

A distinção de Soares

Dos que se destacaram no seu percurso posterior, à cabeça surge “o líder histórico, Soares” que se “distingue de todos os restantes, porque o seu perfil e passado anti-salazarista, bem como de fundador do partido, torna-o central para a própria identidade” do PS, defende Marina Costa Lobo.

De facto, ele foi primeiro-ministro, Presidente” e teve “cargos internacionais”, lembra a investigadora, salientando ainda que Soares “faz parte de uma geração”, que inclui também “Álvaro Cunhal, Sá Carneiro e Freitas do Amaral, que se desenvolve antes da existência dos seus partidos em democracia”. Pelo que “têm um perfil de autonomia e luta política autónomo dos partidos”. Assim, conclui, “todos os restantes são mais ou menos produtos de lógicas partidárias, com excepção de Soares. Foi ele que criou essa lógica, não é produto dela”.

Quanto aos outros líderes que assumiram cargos internacionais posteriormente a ocuparem cargos de poder interno, Marina Costa Lobo afirma que a razão do seu sucesso se deve ao facto de, “cada vez mais", a política não se conter nas fronteiras nacionais e assumir "um carácter internacional e supranacional”. Neste contexto, “assumir cargos nestas instituições que têm um papel cada vez maior nas políticas nacionais e na vida dos cidadãos é importante para defender os interesses nacionais e depende de lógicas também elas partidárias”, frisa.

Por outro lado, a investigadora explica que “os partidos socialistas europeus, apesar de enfraquecidos, continuam a ser um pilar da democracia europeia e das redes internacionais de diálogo”. Daí que alguns líderes portugueses partidários tenham "conseguido posicionar-se e ganhar lugares de relevo nessas instituições”, como é o caso de Constâncio, Sampaio e Guterres.

A investigadora salienta ainda que, “além do Partido Socialista Europeu ser uma importante rede para ‘encontrar’ bons candidatos a cargos, há outros factores”, que passam pela “capacidade de Portugal ‘fazer pontes’ entre culturas e pontos de vista diferentes, por razões históricas bem como alianças internacionais actuais (UE, NATO, CPLP, etc.)”. Marina Costa Lobo lembra que Portugal é “recorrentemente salientado” pelos seus candidatos, facto a que se soma “o trabalho de bastidores do Ministério dos Negócios Estrangeiros na defesa das candidaturas portuguesas nestes e noutros organismos internacionais”

Quanto “ao perfil pessoal dos líderes, este “também importa”, afirma Marina Costa Lobo, além “da importância das instituições, conjuntura política e lobbying do Estado português”. A investigadora conclui que “aqueles que foram realmente longe, como Guterres, naturalmente têm qualidades pessoais de excelência, o que lhes permitiu tomar o melhor partido dessa conjuntura política e institucional”.

Mário Soares

Líder fundador, esteve à frente do PS até 1986. Foi primeiro-ministro (1976-1978 e 1983-1985), Presidente da República (1986-1996) e eurodeputado (1999). Presidiu à Comissão Mundial Independente Sobre os Oceanos (1995) ao Comité Promotor do Contrato Mundial da Água (1997) e à Fundação Portugal África (1997).

Vítor Constâncio

Secretário-geral entre 1986 e 1989, demitiu-se depois de perder as legislativas de 1987. Foi Governador do Banco de Portugal. É, desde 2010, vice-presidente do Banco Central Europeu.

Jorge Sampaio

Secretário-geral entre 1989 e 1992, demitiu-se depois de perder as legislativas de 1991. Foi presidente da Câmara de Lisboa (1989-1996) e Presidente da República (1996-2006). Foi Enviado Especial da ONU para a Luta contra a Tuberculose (2006) e Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações (2007- 2013).

António Guterres

Secretário-geral entre 1992 e 2002. Foi primeiro-ministro (1995-2002), demite-se na sequência da derrota nas autárquicas de 2001. Foi alto-comissário da ACNUR – Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (2005-2015) e é secretário-geral da ONU desde 2017.

Eduardo Ferro Rodrigues

Secretário-geral entre 2002 e 2004. É desde 2015 presidente da Assembleia da República.

José Sócrates

Secretário-geral entre 2004 e 2011. Foi primeiro-ministro entre 2005 e 2011. Está afastado formalmente da política desde que foi detido preventivamente no âmbito da investigação Operação Marquês, encontrando-se acusado de corrupção, tráfico de influências, fraude fiscal e branqueamento de capitais.

António José Seguro

Secretário-geral entre 2014 e 2011, altura em que perdeu o partido para António Costa, na sequência das primeiras eleições primárias em partidos portugueses. Está afastado da vida política por decisão própria, não sendo sequer comentador. Vive a sua vida empresarial privada nas Caldas da Rainha e dá aulas no Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma.

António Costa

Secretário-geral desde 2014 e primeiro-ministro desde 2015. Integrou vários governos socialistas liderados por António Guterres e José Sócrates. Foi presidente da Câmara de Lisboa entre 2007 e 2015.

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