Um terço dos corais de superfície da Grande Barreira morreu em 2016
O branqueamento dos corais em 2016 na Austrália foi um dos mais mortíferos de sempre. Conseguiu-se agora saber quantos desses corais em águas pouco profundas morreram por causa do fenómeno de branqueamento que está ligado ao aumento da temperatura.
A cor é uma das principais características dos recifes de coral e uma forma de percebermos se estão saudáveis. Muitos corais têm sido afectados pelo fenómeno de branqueamento, o que significa que estão doentes ou que já morreram. Um sítio onde o branqueamento tem sido mais visível é na Grande Barreira de Coral e o branqueamento de 2016 foi dos mais destrutivos. Por isso, cientistas australianos e norte-americanos analisaram com mais detalhe os recifes atingidos pelo branqueamento desse ano: cerca de um terço dos corais nos recifes à superfície morreu.
Os corais ficam brancos quando a água aquece mais do que seria de esperar. As algas vivem em simbiose com os corais, dando-lhes cor. Quando há um aquecimento excessivo, as algas produzem substâncias tóxicas e deixam de fazer fotossíntese. E os corais acabam por expulsá-las e perdem as suas cores e o esqueleto esbranquiçado fica visível. O branqueamento pode deixar os corais desnutridos e levá-los à morte, porque ficam sem acesso aos nutrientes fornecidos pelas algas através da fotossíntese.
Na Grande Barreira de Coral, que se estende ao longo de cerca de 2400 quilómetros da costa Leste da Austrália, o branqueamento foi observado pela primeira vez nos anos 80. Desde então já houve quatro branqueamentos em massa: em 1998, 2002, 2016 e em 2017.
O de 2016 foi dos mais destrutivos devido a uma grande onda de calor. Entre Fevereiro e Abril desse ano, as temperaturas superficiais da água atingiram valores recorde, segundo o Boletim Meteorológico do Governo Australiano. “Estas elevadas temperaturas provocaram um amplo branqueamento dos corais na Grande Barreira de Coral nesse Verão”, lê-se. As principais causas foram o aquecimento global e o El Niño, fenómeno de transporte de uma massa de água quente desde a Austrália até às costas da América do Sul, por altura do Natal.
Por isso, a equipa de Terry Hughes, director do ARC – Centro de Excelência para o Estudo dos Recifes de Coral (Austrália), decidiu quantificar as mortes dos recifes de coral causadas por essa onda de calor. Num artigo científico publicado esta quinta-feira na revista Nature, os cientistas começam por recordar que o fenómeno de branqueamento de 2016 provocou uma “perda inédita” de corais na parte Norte da Grande Barreira de Coral, mas teve uma influência menor no Centro (que depois foi mais atingido em 2017) e quase não afectou a parte Sul. Mas não se sabia ao certo quantos corais tinham morrido.
Agora, confirmou-se (como se esperava) que a onda de calor de 2016 foi mais grave na parte Norte, onde se perdeu 50,3% dos corais nos recifes à superfície. Já em toda a Grande Barreira de Coral houve uma perda de 30% desses corais – entre mais de três mil recifes –, entre Março e Novembro de 2016. Ou seja, cerca de um terço dos corais de superfície morreu. Ainda não se sabe quantos corais nos recifes em profundidade foram afectados e estão a contabilizar-se as perdas de 2017, diz ao PÚBLICO Gergely Torda, do ARC e coordenador do estudo.
Confirmou-se assim que a morte dos recifes na Grande Barreira de Coral está altamente relacionada com o branqueamento e a exposição à onda de calor de 2016. Afinal, embora muitos corais tivessem morrido logo devido ao stress causado pelo aquecimento da água num período de duas a três semanas em Março de 2016, outros morreram mais lentamente.
Limitar a temperatura
“A principal mensagem [deste estudo] é que um único acontecimento arrasou um terço da Grande Barreira de Coral e mudou a composição da comunidade de corais”, refere Gergely Torda, acrescentando que os corais ficaram ainda mais sensíveis a novos branqueamentos.
Os cientistas alertam também para a degradação deste ecossistema e para as mudanças das suas funções ecológicas. Por exemplo, ainda este mês, foi publicado na revista científica Global Change Biology um estudo sobre o impacto da onda de calor de 2016 na diversidade de espécies de peixes que vivem na Grande Barreira de Coral.
“As comunidades de peixes são significativamente afectadas pela perda dos corais como resultado dos fenómenos de branqueamento, e alguns peixes são mais sensíveis do que outros”, diz Nicholas Graham, da Universidade de Lancaster (Reino Unido) e um dos autores do estudo na Global Change Biology. E Andrew Hoey, do ARC e coordenador do trabalho, acrescenta num comunicado desse centro: “Antes do branqueamento de 2016, observámos uma diversidade significativa no número de espécies de peixes, uma grande abundância de peixes e diversidade funcional entre as diferentes comunidades. Mas, seis meses depois do branqueamento, essa diversidade foi quase toda perdida.”
Mesmo assim, Gergely Torda diz que é difícil apontar exactamente as consequências ecológicas para a Grande Barreira de Coral. “O recife é um sistema ecológico complexo com muitas interacções entre corais, peixes, algas e invertebrados. Nem todos os corais têm de desaparecer para o ecossistema entrar em colapso”, explica, acrescentando que a pesca e o turismo serão muito prejudicados.
Será possível recuperar os recifes que já branquearam? “A probabilidade de uma recuperação total das comunidades de corais que já sofreram com o branqueamento é escassa”, respondem os cientistas no artigo. E enumeram algumas razões. Por exemplo, indicam que muitas colónias de corais continuam a morrer lentamente e que a reposição dos corais mortos levará, pelo menos, uma década ou mais mesmo nas espécies que crescem mais depressa.
“Não penso que a Grande Barreira de Coral desapareça completamente, mas será muito diferente do que estamos acostumados”, salienta Gergely Torda. “As alterações climáticas são a ameaça número 1 no recife. O aumento da frequência de ondas de calor e de ciclones irá continuar a matar os corais. Se não pararmos agora com as emissões de gases com efeito de estufa, as próximas duas décadas serão bastante assustadoras para os recifes.”
Já outro grupo de cientistas fez um exercício de projecção para saber até quando pode sobreviver a Grande Barreira de Coral com as condições actuais (aquecimento global, acidificação do oceano e destruição dos habitats de corais). Talvez nem tudo seja mau.
Num artigo publicado esta quinta-feira na revista científica Plos Genetics concluiu-se que uma das espécies de coral desse ecossistema tem uma diversidade genética suficiente para sobreviver, pelo menos, mais 100 anos. A equipa usou amostras e simulações computacionais da espécie de coral Acropora millepora para chegar a este resultado mais “optimista”, como assumem os próprios cientistas. Mesmo assim, Mikhail Matz, da Universidade do Texas (EUA) e principal autor deste estudo, diz em comunicado: “Isto não significa que estes corais não se extinguirão se não fizermos nada.”
E, no final do artigo da Nature, lança-se um apelo: se não se limitar a subida da temperatura entre 1,5 graus Celsius e dois graus Celsius (como estabelecido no Acordo de Paris de 2015), a Grande Barreira de Coral corre mesmo o risco de desaparecer tal como a conhecemos.