Felipe VI despediu-se de Marcelo com um “até Maio”, de novo em Salamanca
Foi da Universidade de Salamanca que a de Coimbra adoptou o modelo e os estatutos. O símbolo de uma relação com quase 800 anos serviu de palco às últimas horas do Presidente português em Espanha, fim de uma visita “de absoluto sucesso”.
E, ao último dia, houve quebra de protocolo. O programa, muito intenso, não ajudou, mas foi a presença frequente do rei Felipe VI a limitar os movimentos do Presidente português. Pode ser que tenha sido o tempo passado com Marcelo Rebelo de Sousa a descontrair o monarca. Certo é que ao terceiro e último dia da visita do português a Espanha, espanhóis e turistas de passeio por Salamanca foram surpreendidos nesta quarta-feira com cumprimentos dos dois chefes de Estado, à saída da histórica universidade da cidade.
Não demorou mais do que alguns minutos, mas para os espanhóis foram momentos raros. Ao contrário do Presidente português, não é todos os dias que o seu rei sai à rua, muito menos assim, descontraído, a distribuir beijos e apertos de mão. “É o rei”, “Viva o rei”, exclamaram alguns.
Marcelo quis vir a Castela e Leão e visitar Salamanca. Há razões históricas e actuais, como os 250 portugueses que hoje estudam na Universidade de Salamanca, a terceira mais antiga da Europa, onde até ao século XVIII chegaram a estudar um terço de todos os universitários que havia então em Portugal. As universidades de Salamanca e Coimbra foram ambas fundadas no século XIII e a de Coimbra adoptou o modelo e os estatutos da da cidade-irmã.
O que Marcelo não sabia, ao planear esta visita, era que o rei insistiria em acompanhá-lo – aliás, é a primeira vez que Felipe VI sai de Madrid com um líder estrangeiro. Também não sabia que chegaria a Salamanca com o rei, de helicóptero, e que só abandonaria o país depois de um almoço com o monarca, quando este o levasse até ao Falcon para a prolongada despedida final.
“Ao longo de três dias afirmámos o valor da relação única que existe entre Portugal e Espanha. E tenho a felicidade de encerrar esta visita nesta universidade, grande entre as grandes, numa região de fronteira que simboliza o encontro das terras portuguesas e espanholas, que Miguel de Unamuno retratou muitas vezes e com tocante apego”, disse o Presidente português. Marcelo lembrou as “sucessivas gerações de portugueses” que aqui estudaram, incluindo, há 20 anos, uma filha sua.
A marca da visita ficará inscrita na parede da Universidade que este ano celebra oito séculos de existência. O dia em que Marcelo e Filipe VI por cá passaram foi assinalado com um Victor, a inscrição na parede de um símbolo tradicional que, durante séculos, serviu para assinalar o sucesso de cada aluno que aqui se formava. O Presidente português, por seu turno, condecorou a Universidade com a Ordem Militar de Santiago de Espada, pela primeira vez atribuída fora de Portugal.
Felipe VI recordou os tempos em que “nestas mesmas salas foram elaboradas algumas das primeiras e mais elevadas reflexões sobre o Novo Mundo e o nascimento de uma nova Era”, reflexões só possíveis pelo “contexto de extraordinária abertura das duas nações e graças aos exploradores e pensadores ibéricos”. Os mesmos que permitiram à “Europa tomar consciência do seu lugar no mundo, ao mesmo tempo que o mundo se fez, pela primeira vez, um”.
Antes da cerimónia na universidade, os dois chefes de Estado visitaram uma feira de start-ups (Startup Olé 2018), onde assistiram à apresentação de quatro inovadores projectos (dois portugueses e dois espanhóis) à procura de financiamento.
Energia e convergência na UE
Numa manhã se fazia a síntese de três dias: uma viagem feita para celebrar uma história comum, um presente de todos os dias – “pelos políticos mas principalmente pelos milhões de portugueses e espanhóis que todos os dias estão em relação”, disse Marcelo ao lado do primeiro-ministro, Mariano Rajoy – e um futuro de convergência que vai “de uma posição comum no debate sobre o próximo Quadro Financeiro Plurianual” da União à ideia de Europa cada vez mais integrada do ponto de vista da “união bancária e financeira”, mas também “nas políticas de defesa e imigração” ou no “combate pela democracia e os direitos humanos”.
De uma visita de “imenso sucesso” saiu a antecipação de uma cimeira bilateral a realizar até ao fim do ano, em Espanha, e a confirmação de um encontro sobre “interconexão energética” (mercado ibérico de energias renováveis que o Governo português tem tentado abrir a França), envolvendo também a França e “a concretizar nos próximos meses, em Portugal”.
Entretanto, rei e Presidente falaram durante horas – Felipe VI disse que esta é uma relação de “confiança pessoal”, Marcelo descreveu o monarca como “símbolo de unidade, visão, cultura e humanidade” – e o chefe de Estado português já marcou a próxima viagem a Espanha. Será no fim de Maio, “por insistência de sua majestade” e vai trazê-lo de novo à cidade de Salamanca, para as comemorações oficiais dos 800 anos da sua universidade.