É desta que Portugal vai ter as suas primeiras “salas de chuto”
Equipamentos, que deverão arrancar “em finais de 2018, início de 2019”, no Lumiar e em Alcântara, em Lisboa, garantirão apoio médico e psicológico, e espaço para cuidados de higiene, além de acesso a alimentação e roupa. Objectivo é apoiar uma população superior a 1400 consumidores de risco.
Ao fim de 17 anos, as salas de consumo assistido vão finalmente arrancar. A Câmara de Lisboa apresenta hoje os projectos de criação de duas salas de consumo fixas, no Alto do Lumiar, perto do Bairro da Cruz Vermelha, e nas traseiras da estação de tratamento de águas residuais na Avenida de Ceuta, além de uma móvel, que procurará dar resposta aos consumos dispersos nas zonas oriental e histórica da cidade.
Não se tratará apenas de garantir aos toxicodependentes um local para consumir em condições assépticas e protegidos dos olhos de todos. Os novos espaços, segundo adiantou ao PÚBLICO o vereador dos Direitos Sociais da Câmara de Lisboa, Ricardo Robles, garantirão respostas multidisciplinares e proporcionarão aos utentes apoio médico e psicológico e acesso a cuidados de higiene e a medidas de empregabilidade.
“Além de responder à preocupação das comunidades que não querem o consumo na via pública, à porta das escolas, dentro dos bairros ou junto a parques infantis, estes equipamentos proporcionarão apoio na alimentação, um espaço onde seja possível fazer a higiene e ter acesso a roupas, bem como respostas de empregabilidade e de habitação e até às vezes de regularização documental, porque muitos destes consumidores não têm sequer um Cartão de Cidadão, número de contribuinte ou de beneficiário da Segurança Social”, concretizou Ricardo Robles.
Previstas na legislação desde 2001, as salas de consumo assistido perseguem o duplo objectivo de ajudar a reduzir a propagação de doenças infecto-contagiosas entre os toxicodependentes e a conflitualidade social associada ao tráfico e consumo a céu aberto. Mas, apesar das experiências bem-sucedidas em vários países dentro e fora da Europa, volvidos que estão mais de 30 anos desde a criação das primeiras salas, na Suíça, o avanço de um espaço deste tipo em Portugal pressupunha a existência de um acordo entre o poder central e o autárquico, tal como o definido no Decreto-Lei 183/2001, que regula e implementa os serviços de redução de riscos e minimização de danos.
E, apesar de o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Adictivos e nas Dependências (SICAD), que tutela a área das drogas e a quem cabe autorizar um projecto deste tipo, vir desde há alguns anos a defender que estas salas de consumo assistido seriam importantes como forma de proporcionar uma aproximação ao sistema de saúde das franjas mais desorganizadas da população toxicodependente, sobretudo desde que a crise resultou num recrudescimento dos consumos entre os velhos heroinómanos, as salas de consumo assistido ou vigiado continuaram a “marinar”. Pelo menos no Porto, já que em Lisboa, segundo Ricardo Robles, a ideia é ter estes espaços a funcionar “em finais de 2018, início de 2019”.
Envelhecidos, pobres e a viver na rua
A escolha dos locais para criar estas salas sustenta-se nos diagnósticos sobre consumo de substâncias psicoactivas na cidade de Lisboa que são apresentados nesta quinta-feira, numa sessão que conta com a presença do presidente da câmara, Fernando Medina, do director do SICAD, João Goulão, e do secretário de Estado adjunto e da Saúde, Fernando Araújo. As equipas no terreno estimam que existam cerca de 1400 consumidores de risco, segundo fonte da autarquia. Na realidade, serão muitos mais, segundo Robles.
Trata-se de uma população “envelhecida, a larga maioria com idade superior a 40 anos, e que apresenta, do ponto de vista social, um perfil de pobreza e exclusão social”, como se lê no diagnóstico a que o PÚBLICO teve acesso. Vivem na rua, em instituições de acolhimento ou em condições habitacionais muito precárias. A maioria consome a um ritmo diário e são muitos os que declaram partilhar material de consumo como seringas ou “canecos” – cachimbo artesanal para fumar crack. E quase todos o fazem “na rua, casas de banho públicas, descampados, prédios abandonados”.
É, sem surpresas, uma população com elevadas prevalências para hepatite C e B e VIH, além de outras complicações associadas ao consumo. Nos questionários, a maioria mostrou-se interessada em recorrer a uma sala de consumo vigiado, por razões de higiene e privacidade, mas também de segurança, dada a previsível diminuição do risco de ocorrerem overdoses, partilha de material ou a violência por vezes associada aos contextos de consumo.
Ao PÚBLICO, Ricardo Robles disse-se incapaz de estimar o custo de instalação e manutenção destes equipamentos, salvaguardando, porém, que a despesa será, numa fase inicial, suportada pela câmara e, mais tarde, com recurso “às respostas de financiamento da administração central”.