Veterinários querem integrar Protecção Civil

Objectivo é ter mecanismo preparado para socorrer animais em situação de catástrofe natural. Milhares de animais domésticos e selvagens morreram nos incêndios do ano passado.

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A integração dos veterinários na protecção civil e os animais exóticos vão ser temas em discussão no congresso dos veterinários FERNANDO VELUDO

Os médicos veterinários querem integrar a Protecção Civil para actuarem de forma coordenada e integrada com as autoridades nacionais em situações de catástrofe, sejam incêndios, sismos ou cheias.

Em vésperas de um congresso que juntará em Lisboa 1500 veterinários, o bastonário da Ordem desta classe profissional, Jorge Cid, disse à agência Lusa que a proposta chegou a ser apresentada à anterior ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, e ao Ministério da Agricultura, depois dos incêndios de Pedrógão Grande, em Junho de 2017.

Entretanto a ministra saiu, sob fortes críticas, o país voltou a arder e não houve mais reuniões sobre a matéria, afirmou o bastonário, que tenciona insistir na questão e defende a criação de um grupo de trabalho.

O tema da medicina veterinária de catástrofes será pela primeira vez abordado nos congressos destes clínicos, de acordo com Jorge Cid. "Não havia nada preparado para fazer face a uma catástrofe. No caso do ano passado, foi um incêndio, mas podia ser um tremor de terra, uma inundação, um tsunami", exemplificou.

Os veterinários organizaram-se para salvar animais que tinham sobrevivido, ao nível de cuidados médicos e de alimentação, mas também para enterrar os que morreram. "O Governo não tinha condições porque também não tinha nada preparado em Junho para fazer face a uma situação de catástrofe. Infelizmente, quando o país voltou a arder, em Outubro, continuava a não ter nada preparado", criticou, frisando que a alimentação para os animais só ao fim de mais de uma semana começou a ser disponibilizada pelo Estado.

As populações pediam ajuda: "Os animais berravam com fome porque não tinham um grama para comer, houve sítios onde ardeu tudo, não havia uma erva". Se não fosse o trabalho de coordenação da Ordem e a actuação pro bono dos veterinários, os animais que sobreviveram estavam "todos mortos", considerou o bastonário.

Milhares de animais domésticos morreram nos incêndios do ano passado. O número de animais selvagens é impossível contabilizar, garantiu o veterinário. Para citar apenas alguns números, referiu que morreram 5000 ovelhas só na região da Serra da Estrela. "Para não falar em aves, são dezenas de milhares de aves, o maior centro de incubação de ovos do país ardeu. Se formos a falar de ovos e pintos, enfim... estamos a falar de 500.000 ou mais, uma coisa brutal", sublinhou.

"Oxalá nunca mais haja uma catástrofe deste género, mas, se houver, não pode ficar outra vez na boa vontade dos médicos veterinários ajudar toda a gente e mais alguém porque isto é uma missão do Governo", disse o bastonário, acrescentando: "Estamos sempre dispostos a ajudar, mas de uma maneira coordenada, integrada, com alguma lógica e consciência".

O Encontro Formação da Ordem dos Médicos Veterinários, que vai decorrer sábado e domingo, no Centro de Congressos de Lisboa, vai estar em discussão este tema, bem como questões relacionadas com a inspecção e segurança alimentar e o bem-estar na profissão, entre outras, a abordar em conferências e palestras.

Veterinários tratam cada vez mais animais exóticos

Cada vez há mais médicos veterinários a especializarem-se em animais exóticos e fazer uma TAC a um rato ou a uma tartaruga ou uma cesariana a uma iguana já não é invulgar, segundo o bastonário desta ordem profissional. Os novos animais de companhia são um dos temas que os veterinários vão discutir no congresso que realizam em Lisboa durante o próximo fim-de-semana.

"Embora em medicina veterinária consideremos exóticos tudo o que não é cão nem gato — enfim pássaros, coelhos, hamsters —, depois aparecem aqueles mais exóticos, tipo serpentes e aranhas", contou à agência Lusa o bastonário da Ordem dos Veterinários, Jorge Cid.

Nas clínicas e consultórios "aparece tudo": muitas iguanas e outros répteis, dragões barbudos [uma espécie de lagarto], serpentes, escorpiões e aranhas. Estes animais foram "estrelas" numa feira realizada em Fevereiro em Lisboa (PET Fest), onde lhes estava destinada uma boa parte da área. "Havia lá isso tudo para vender", lembrou o veterinário.

A posse destes animais é permitida desde que devidamente documentados. Não podem ser retirados da natureza, mas existe criação. A Ordem não interfere com as escolhas dos consumidores, mas defende que é preciso ter consciência do risco que podem representar para a saúde pública. "Há que ter um bocadinho de consciência e de cuidado na posse destes animais, que deve ser mais ou menos controlada", afirmou o bastonário, referindo que podem provocar algum pânico e colocar em causa a saúde pública.

Nunca se sabe qual será o efeito na natureza da introdução de espécies oriundas de países tropicais. "No estado selvagem, há sempre doenças que podem ser transmitidas, portanto há que ter um controlo grande de novas espécies que não são indígenas", disse. Abandonar uma cobra pode ser perigoso, exemplificou, recordando casos de crocodilos e outros répteis que têm surgido em jardins noutros países, depois de serem abandonados por quem os adoptou como animais de companhia. "Em Portugal isso ainda não se passa, ainda é residual. Acho que as pessoas podem ter tudo o que quiserem, desde que tratem bem e não ponha em causa nem a integridade das outras pessoas, nem a saúde pública", declarou Jorge Cid.

O bastonário reconheceu que cada vez mais as pessoas querem coisas diferentes e que há modas também nesta área. Há vários médicos veterinários que são especializados em animais exóticos. "Fazer uma cesariana a uma iguana é uma coisa que não é nada invulgar, é normal, há várias clínicas que já têm dentro da sua estrutura médicos veterinários dedicados a estes animais e também há clínicas que só tratam esses animais cá em Portugal", revelou.

Uma catatua ou um ovo pode custar 50.000 euros, o mesmo se passando com as araras que atingem milhares de euros: "Há pássaros desses que consideramos exóticos que podem valer fortuna, daí haver pessoas também muito especializadas no tratamento deles". Nos congressos, observou, surgem também cada vez mais pessoas interessadas nesta área. Se uma iguana não consegue "ter os ovos", os veterinários prosseguem a operação, como de outra mãe se tratasse: "Praticamente tudo o que se faz nas pessoas, fazemos nos animais". As aves de rapina são "outro nicho de mercado". É preciso saber como se tratam estes animais e esta é também uma área de especialização entre os veterinários.

Além das novas espécies de animais de companhia, estarão em análise no Centro de Congressos de Lisboa temas como a intervenção em catástrofe, a legislação, o bem-estar na profissão e a inspecção e segurança alimentar.