Made in Portugal, but taxed in Portugal?
É urgente reconhecer que o risco legal e reputacional inerente à planificação fiscal nunca foi tão elevado.
1. Os avanços na cooperacão fiscal internacional e europeia, em especial a entrada em vigor da Multilateral BEPS Convention dia 1 de julho de 2018, ou da directiva anti-elisão fiscal, em janeiro de 2019, confirmam que o mantra de gestão de acordo com o qual minimizar o imposto significa maximizar o valor accionista perdeu licença social e já não reflecte a realidade dos nossos dias. Podendo constituir uma temeridade perante o fôlego dos novos meios legais e tecnológicos de cooperação entre autoridades que visam combater técnicas de planeamento fiscal que originam situações de tributação ou de não-tributação, que não foram intencionadas pelo país afectado, em especial as efectuadas por grupos empresariais através da interposição de veículos/operações em jurisdições de nula ou baixa tributação. A isto acresce a hostilidade inerente à escalada de guerra comercial entre blocos geopolíticos, ou à coerção social desencadeada por revelações de situações fiscais sentidas como escandalosas na comunidade posto que podem originar explosões reputacionais como as dos Panamas Papers ou dos Paradise Papers. Estas explosões encontram nas redes sociais uma oxigenação ilimitada, onde aparência, indício, suspeição, condenação ou absolvição cabem no mesmo saco, tantas vezes sem contraditório, direito de defesa ou direito ao esquecimento do visado e reduzindo a cinzas o direito de defesa ou os direitos de personalidade do visado.
2. O novo contexto que mencionei colocou no horizonte dos grupos empresariais nacionais, em especial os do PSI-20, ou dos ditos “super-ricos”, o desafio de comprovarem a legitimidade da poupança fiscal, em particular a inerente à eliminação, redução ou diferimento das retenções na fonte resultantes de operações intragrupo, em especial nos casos em que o planeamento fiscal se refere aos grupos empresariais que criam valor em Portugal em conexão com técnicas de interposição de veículos em jurisdições de nula ou baixa tributação destinados a efectuarem operações financeiras intragrupo (v.g. gestão de tesouraria ou financiamento), ou à detenção e exploração de intangíveis (v.g. marcas e patentes). Afigura-se-me assim que num aventurar de decisão em que a gestão da liberdade contratual confronta o contribuinte com o cenário “não é proibido, posso fazer?”, a reputação deve prevalecer sobre o lucro, em testemunho de uma cultura de responsabilidade social, e da afirmação de uma nova cidadania económico-financeira, inclusive empresarial. Manifestando o alinhamento da empresa com o impulso da evolução e do progresso social, que afirmou o fim do laissez-faire fiscal, ou com a natureza histórica-política do imposto. Isto é a de ser uma conquista civilizacional ao serviço da liberdade, da propriedade e da solidariedade, auto-imposto anualmente, pelos representantes do povo democraticamente por si eleitos, em ordem à viabilização da organização social da qual depende um quotidiano regido pelos valores, regras e interesses da cultura portuguesa (ou do país onde o valor económico é gerado).
3. É urgente reconhecer que o risco legal e reputacional inerente à planificação fiscal nunca foi tão elevado. E, no sentido de facilitar o reconhecimento destes novos desafios, venho formulando a pergunta: Made in Portugal, but taxed in Portugal? Tudo isto desafia a uma evolução de mentalidades e das práticas no plano do Estado e das autoridades, da comunidade empresarial e das profissões ligadas aos serviços fiscais, em especial à prática do direito fiscal. Tornando crucial a adopção de estratégias de planificação fiscal responsável, prudente e proativa que ambicionem estar à frente da curva, para não serem apanhadas na curva do perigo de severas sanções legais ou de uma explosão reputacional com efeitos imprevisíveis na cotação em bolsa, na produtividade, na rentabilidade, inclusive no fluxo continuado de clientes e investidores, e portanto nas remunerações variáveis da gestão, e que no limite pode retirar a licença social à empresa/equipa dirigente. Acresce que o potencial de criação de valor para os stakeholders desta cultura fiscal pode e deve ser aproveitado para reforçar a reputação corporativa através da articulação com uma estratégia de comunicação destinada a amplificar junto da comunidade que a empresa ao pagar os impostos portugueses aplicáveis na medida da capacidade contributiva ou onde o valor económico é gerado, visa retribuir o apoio ao made in Portugal, e contribuir para a viabilização da independência e segurança nacional, da integridade das instituições políticas, do reforço da coesão e justiça social, e para o desígnio de entreabrir um futuro em que se aspira a ir mais além a partir de Portugal.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico