Emerge coligação para responder a ataque com armas químicas em Douma
Paris, Londres, e talvez Riad podem juntar-se a Washington para retaliar — como, é o que está em aberto. É preciso ser eficaz sem entrar em confronto directo com a Rússia. Sucessão de vetos no Conselho de Segurança.
Paris e Londres aproximavam-se de Washington, e Riad admitia envolver-se numa resposta a um suspeito ataque com armas químicas em Douma, na Síria, enquanto o regime de Bashar al-Assad convidava inspectores para verificar se o ataque aconteceu mesmo. Tudo indica que está a desenhar-se uma coligação para uma acção conjunta, mas o tipo de resposta é ainda uma incógnita.
A importância da Síria para o Presidente norte-americano foi sublinhada pelo anúncio do cancelamento da visita de Donald Trump ao Peru sexta-feira e sábado, para participar na Cimeira das Américas. Trump prometeu uma resposta ao ataque de sábado, na sequência do qual o regime de Bashar al-Assad conseguiu a rendição dos combatentes da oposição na zona, numa importante vitória.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, disse nesta terça-feira que a Rússia (aliada de Assad) está a violar uma resolução do Conselho de Segurança prevendo uma trégua na Síria e que, em conjunto com os EUA e Reino Unido, será tomada uma decisão “nos próximos dias”. Mas garantiu que qualquer acção será apenas contra alvos governamentais e não contra aliados de Assad no terreno.
De Londres, a primeira-ministra Theresa May falou de contactos com Macron e Trump e da necessidade de haver uma “acção” do mundo face ao ataque. E o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, em Paris, afirmou que “se as circunstâncias o pedirem, a Arábia Saudita pode ser parte da resposta internacional”.
Paris já queria ter tido uma intervenção quando o anterior Presidente dos EUA, Barack Obama, estabeleceu a sua “linha vermelha”, para deixar que fosse atravessada depois de um acordo para a destruição de armas químicas de Assad.
A situação é hoje mais sensível pela presença do Irão e, sobretudo, da Rússia, no terreno, ambos do lado de Damasco. É preciso planear com cuidado a forma de se “ir suficientemente longe sem ir longe demais”, como disse o antigo chefe da Força Aérea francesa, Jean-Paul Paloméros.
“É preciso dissuadir, castigar e diminuir as capacidades [de Assad], mas sem atingir alvos russos ou matar russos”, resumia Aaron David Miller, vice-presidente do centro de estudos Woodrow Wilson Center.
Tentando impedir um ataque, ou ganhar tempo, Damasco convidou inspectores da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) a visitar o local do ataque que diz não ter acontecido. E a Rússia garantia que também permitiria a passagem de inspectores para uma investigação “transparente e honesta” com o envolvimento da OPAQ.
Chumbos no Conselho de Segurança
Na segunda-feira, Moscovo argumentara que não houve uso de armas químicas, mas também disse que houve um ataque com o objectivo de deitar culpas para o regime e justificar uma acção americana.
Se a investigação for levada a cabo apenas pela OPAQ, não será apurada a responsabilidade, será apenas provado que armas foram usadas (suspeita-se, pelas descrições dos serviços de emergência no local, de uma mistura de cloro e gás sarin). Outra opção era haver uma comissão conjunta, proposta feita pelos EUA no Conselho de Segurança da ONU, mas que a Rússia vetou nesta terça-feira à noite — a proposta russa para a investigação sem atribuir responsabilidades também não passou no CS.
Mal começou a sessão do Conselho de Segurança, em Nova Iorque, percebeu-se que seria muito tensa. O embaixador russo, Vassili Nebenzia, disse que o tom usado em relação a Moscovo é “inaceitável” e que nem na Guerra Fria era tão duro.
Na véspera, a embaixadora norte-americana na ONU, Nikki Haley, tinha deixado claro que a resposta americana ao ataque aconteceria independentemente do decidido. “A História vai registar este momento como aquele em que o Conselho de Segurança ou cumpre o seu dever ou demonstra o seu total falhanço para proteger o povo da Síria”, disse. “De qualquer modo, os EUA vão responder.”
Perigo de colisão directa
No ano passado, os EUA lançaram 59 mísseis contra uma base aérea síria em resposta a um ataque com gás sarin também atribuído a Assad, atingindo pistas e hangares.
Mas as pistas foram rapidamente reconstruídas e a base não demorou a voltar a estar operacional: o efeito foi simbólico.
Assim, a resposta potencial a ser discutida agora vai de um ataque deste género, atingindo apenas uma base aérea, a um ataque alargado com o objectivo de deixar em terra toda a aviação síria, diz o jornalista do Guardian especializado em diplomacia, Patrick Wintour. Já Macron falou de “atacar a capacidade governamental de armas químicas”.
A questão é também que quanto maior o ataque, mais probabilidade de reacção russa: o representante russo na União Europeia, Vladimir Chizhov, já disse que os militares irão responder a qualquer acção em que “deliberadamente ou não cidadãos russos sejam atingidos”.
No terreno, entretanto, responsáveis americanos diziam que os seus drones estavam a ser afectados por interferências russas nos seus sinais, numa aparente medida para prevenir acções ofensivas.
A Rússia já tinha reagido com desagrado na segunda-feira a um ataque atribuído a Israel contra uma base militar em que morreram 14 pessoas, dos quais sete iranianos – alertando Washington para as consequências de acções em locais onde estão militares russos. Até agora, Moscovo tinha mantido o silêncio em ataques israelitas atingindo o Hezbollah, o seu inimigo libanês, na Síria.
Da Rússia vieram sinais contraditórios: “Os EUA e a Rússia estão mais perto de uma colisão directa das suas forças militares do que em qualquer altura desde a Guerra Fria”, disse Dmitri Trenin, director do Carnegie Center de Moscovo. Já a palavra oficial, do “número dois” do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Mikhail Bogdanov, disse que apesar da ameaça de um ataque ser “extremamente perigosa”, um confronto directo entre americanos e russos não é provável: “Acho que o bom senso vai prevalecer”, declarou.