A propósito do relatório da OCDE

É fundamental que os governos aceitem de uma vez por todas que as universidades têm características próprias.

Da leitura do draft do recente relatório da OCDE sobre o ensino superior, recorrendo à norma dos governos de se aproveitarem destes documentos para tomarem decisões, e apesar da dificuldade de leitura destes textos, retive umas frases que me recordaram escritos antigos sobre questões orçamentais e organizacionais e me sugeriram este texto.

É dito no relatório que o mecanismo do financiamento institucional deve ser reformulado, incutindo-lhe maior transparência e mais incentivos à boa prestação, faltando-lhe uma fórmula clara de financiamento como as usadas noutros países da OCDE. Aconselha-se a, por outro lado, partir da definição de uma estratégia portuguesa para o conhecimento e inovação para estabelecer um financiamento global para o sistema nacional de ensino superior, investigação e inovação. Num outro ponto, a OCDE defende a introdução de maior flexibilidade nas carreiras, permitindo, nomeadamente, diferentes perfis de docentes. Subjacente a estas referências está a recomendação de mais autonomia para as instituições, certamente associada a maior responsabilidade.

Aplaudindo esta última recomendação, não deixarei de manifestar o meu desacordo com a ideia de que as instituições deveriam optar pelo regímen fundacional como se esse fosse a única via de chegar à autonomia plena. Mesmo aceitando que as instituições que já optaram por este sistema possam estar satisfeitas com a sua decisão, continuo a considerar que ela não traduz correctamente a natureza do serviço público das universidades. Para mim são fugas para tentar resolver problemas, nomeadamente com o Ministério das Finanças. É uma história de alguma forma idêntica à que levou à criação de muitas associações privadas sem fins lucrativos. O que é fundamental é que de uma vez por todas os governos aceitem que as universidades têm características próprias com inputs financeiros de vária ordem, a ela chegados em momentos não necessariamente pré-definidos, e consequentes despesas cujo ritmo não obedece ao calendário das contas públicas. Impõe-se, por isso, definir para elas regras diferenciadas das da função pública, deixando às instituições a responsabilidade de, seguindo-as, se gerirem com rigor.

A questão dos vários perfis de docentes e as declarações do senhor ministro no sentido de dever ser acrescido o número dos lugares de professores associados e de catedráticos, entendidas como não correspondendo a uma diminuição do número de professores auxiliares, leva-me a voltar à ideia que em tempos propus de, ao longo, por exemplo, de cinco anos, dotar cada instituição de mais docentes até um valor máximo definido em função da avaliação das suas prestações em I&D. Nestas circunstâncias, a distribuição do serviço pelos docentes poderia ser de forma a permitir que durante um dado período alguns tivessem mais actividade em I&D e outros no ensino, conforme regras estabelecidas por cada universidade.

A recomendação da OCDE respeitante ao “financiamento global para o sistema nacional de ensino superior, investigação e inovação” levou-me também a recordar uma proposta do Conselho de Reitores em 2006 no sentido de ressarcir as universidades da fracção significativa do seu OE de funcionamento correspondente a encargos com actividades de I&D, necessariamente em função da quantidade e da qualidade do trabalho que desenvolvem. Encontrar-se-ia, desta forma, uma solução compensatória através de uma redistribuição das verbas da Ciência, tendo em conta aquilo que o OE consigna para este efeito. Na verdade, é nas universidades que, no país, se concentra a maioria das actividades de investigação e desenvolvimento, justificando que o actual financiamento da Ciência deveria incluir uma parcela que contemple nomeadamente os seus recursos humanos e, em particular, o tempo que os docentes dedicam às actividades de investigação.

Em 1998 representei a Universidade Técnica na reunião habitual do Conselho de Reitores para receber e analisar o plafond orçamental para 1999. Foi nessa reunião que as universidades foram confrontadas com os primeiros cortes orçamentais, numa percentagem correspondente à parcela da fórmula de financiamento em vigor para actividades de I&D. Acontece que, segundo os actuais reitores, os cortes têm-se acentuado, motivando-me a redigir este artigo. Para o efeito, recorri a textos de ofícios que enviei em 2006 ao ministro da tutela, por me parecerem actuais. Fi-lo e faço-o agora, partindo do pressuposto de que o mérito deve ser reconhecido, potenciando os efeitos positivos do financiamento e dando um sinal inequívoco às instituições e à sociedade de que é necessário apostar na excelência.

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