Universidade de Évora rejeita "falseamento" de análises à água no Porto de Sines

Vice-reitora diz que houve um "rigor imenso" na análise que foi feita. Porto de Sines diz que amostras recolhidas não podem "ser comparáveis".

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Miguel Manso

A Universidade de Évora negou nesta quinta-feira qualquer "falseamento" nas análises efectuadas à água, após um derrame de fuelóleo no Porto de Sines em Outubro de 2016, frisando que os procedimentos cumpriram "todas as regras".

"As análises foram feitas com a metodologia habitual e cumprindo com todas as regras e, portanto, não houve aqui falseamento de nada, de análise nenhuma", disse aos jornalistas a vice-reitora da academia alentejana Ausenda Balbino.

Segundo a vice-reitora, em conferência de imprensa realizada no Colégio do Espírito Santo, em Évora, o Laboratório de Ciências do Mar (CIEMAR) da Universidade de Évora (UE) recolheu "amostras à superfície" da água, no Porto de Sines após o derrame, como é habitual.

"É essa a metodologia seguida em vários pontos. Portanto, não houve aqui falseamento de nada, houve um rigor imenso na recolha que foi feita e na análise que foi feita."

A análise feita pelo CIEMAR foi pedida logo após o derrame de fuelóleo e destinava-se a avaliar os impactos imediatos do incidente. O estudo destinava-se a avaliar o nível de concentração do produto derramado na água do mar. Esta é uma análise de superfície, feita até 50 centímetros.

O estudo pedido posteriormente pelo Ministério Público ao Instituto Hidrográfico de Lisboa destinava-se a verificar a presença de fuelóleo derramado na zona do incidente e usa uma metodologia diferente. “Estão a comprar-se coisas incomparáveis”, sublinha a vice-reitora ao PÚBLICO.

Em Dezembro de 2016, dois meses depois do incidente, o CIEMAR apresentou o relatório “Estudo do impacte, na água do mar superficial, de um derrame acidente de hidrocarbonetos ocorrido no terminal de contentores de Sines”. Nesse documento, os investigadores ligados à Universidade de Évora propõem que sejam feitas mais análises “posteriores” e “em ambientes diferentes” para aferir da dimensão dos impactos do derrame, informa também Ausenda Balbino.

Na conferência de imprensa, a vice-reitora reagiu a uma notícia do Jornal de Notícias, que titula "Universidade suspeita de falsear análise ambiental", num artigo referente à UE.

Segundo o jornal, "o Ministério Público (MP) de Setúbal está a investigar" o CIEMAR "por causa de um estudo à qualidade da água, após um derrame de fuelóleo no Porto de Sines em Outubro de 2016".

O jornal refere que o CIEMAR é "financiado pela Administração do Porto de Sines" e que os resultados das análises "ilibavam a empresa" responsável pelo derrame e "viriam a ser refutados por outro estudo, que apurou a existência inequívoca de poluição".

A vice-reitora da Universidade de Évora diz que essa informação “é falsa”. O CIEMAR é uma unidade de investigação independente, que pertence àquela universidade. Tem um contrato de prestação de serviços com a autoridade portuária, que tem por base um concurso público, desde Dezembro de 2009. Esse contrato foi renovado duas vezes, em 2014 e, mais recentemente, em Fevereiro do ano passado. A análise feita pelo CIAMAR foi feita “no âmbito dessa prestação de serviços”.

"A empresa responsável pelo derrame (MSC) foi acusada de crime ambiental e o laboratório está agora na mira da Justiça", acrescentou o Jornal de Notícias.

As análises do CIEMAR à qualidade de água superficial, para verificar se tinha havido deterioração da qualidade, pode ler-se, apontaram para "níveis de poluição dentro da lei". Mas, acrescenta o jornal, a análise posterior solicitada pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Setúbal ao Instituto Hidrográfico de Lisboa obteve resultados que "não podiam ser mais diferentes" e comprova "a contaminação da água", tendo detectado "2453 miligramas de naftaleno por litro de água", ou seja, "mais de duas mil vezes superior ao estabelecido pela Norma de Qualidade Ambiental".

Dados "não são comparáveis"

Segundo Ausenda Balbino, não se podem "comparar coisas que não são comparáveis", porque o MP "tinha que pedir o mesmo tipo de análise no mesmo sítio".

"A universidade fez aquilo que devia fazer e que tinha que fazer, com rigor e independência", insistiu, esclarecendo que o CIEMAR "não tem qualquer financiamento do Porto de Sines", mas sim "uma prestação de serviços", como tem com "outras entidades".

A vice-reitora frisou ainda que nem a universidade, nem o CIEMAR foram "notificados de nada" pelo MP, o qual "não está a investigar o laboratório".

O papel do laboratório e da UE, afiançou, é o de "testemunhas" no processo judicial, no âmbito do qual o MP anunciou, a 19 de Maio de 2017, ter deduzido acusação contra o armador, o comandante, o chefe de máquinas e o imediato do navio "MSC Patrícia", responsável pelo derrame de combustível no mar, junto ao Porto de Sines.

O CIEMAR, explicou ainda a vice-reitora, além das análises efectuadas na altura do derrame, propôs ao Porto de Sines a realização, "posteriormente, de outras análises para perceber, após um determinado tempo, em outros ambientes, se havia impacto do ponto de vista ambiental".

"O Porto de Sines disse que sim" a esta proposta e, "neste momento, está em curso esse processo", disse, assinalando que a UE "é uma universidade pública" e com "um compromisso para com os cidadãos e com o país e pauta-se por valores muito determinados e específicos, onde impera o rigor e a independência".

Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior diz ter “pedido explicações” à reitora da Universidade de Évora. “Antes das notícias, não tínhamos tido conhecimento da situação”, acrescenta a mesa fonte do gabinete de Manuel Heitor. Já o Ministério do Mar, que tem a tutela dos portos, não respondeu até ao momento às questões colocadas.

Também a Administração dos Portos de Sines e do Algarve (APS) afirmou nesta quinta-feira que "não poderão ser comparáveis" as amostras recolhidas pela Universidade de Évora e pelo Instituto Hidrográfico. O CIEMAR e o Instituto Hidrográfico (IH) "efectuaram a recolha de amostras que não poderão ser comparáveis", disse a APS, em comunicado enviado à agência Lusa.

Segundo a APS, o laboratório da academia alentejana analisou amostras de água, enquanto o IH realizou análises com base em amostras de fuelóleo derramado no mar a partir de um navio. As amostras "tiveram objetivos distintos", pelo que, "inevitavelmente, resultariam em valores de referência díspares", frisou a autoridade portuária.