Um mapa 3D que nos mostra a infância do Universo
Equipa internacional de cientistas – incluindo cinco portugueses – construiu um dos maiores mapas a três dimensões da infância do Universo. Nele, há cerca de quatro mil galáxias.
Cartografar o Universo é uma verdadeira viagem no tempo. E os astrofísicos têm sido autênticos “geógrafos” nesse mapeamento. Desta vez, uma equipa internacional de cientistas – que conta com a participação de cinco portugueses – elaborou um dos maiores mapas a três dimensões da infância do Universo, entre há 11.000 e 13.000 milhões de anos. Este mapa é apresentado esta quarta-feira na Semana Europeia de Astronomia e Ciências Espaciais, em Liverpool, Inglaterra. Os resultados de todo o trabalho também são divulgados agora em dois artigos científicos na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
O mapeamento do Universo faz-se cada vez com mais precisão. Há mapas com a matéria escura do Universo e com galáxias. Por exemplo, em 2012, o projecto astronómico Sloan Digital Sky Survey III divulgou um mapa tridimensional de 540 mil galáxias de quando o Universo tinha metade da sua idade actual – agora o Universo tem cerca de 13.800 milhões de anos. Já em 2013 foi apresentado um mapa pormenorizado de como era o Universo quando tinha apenas 380 mil anos baseado em observações do telescópio europeu Planck. E em 2017 publicou-se um outro onde se analisavam 90 mil galáxias e se recuava no tempo 9000 milhões de anos.
Agora uma equipa de cientistas apresenta um dos maiores mapas da infância do Universo. Esta equipa é liderada por David Sobral, da Universidade de Lancaster (Reino Unido), e tem a participação de mais quatro portugueses: Ana Afonso, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) da Universidade de Lisboa; Bruno Ribeiro, do Centro de Computação Gráfica de Guimarães; e Sérgio Santos e João Calhau, ambos também da Universidade de Lancaster. E como fizeram os investigadores para “recuar” até à infância do Universo?
Sabe-se que a luz das galáxias mais distantes leva milhões de anos até nos alcançar. Usando os telescópios Subaru (no Havai) e Isaac Newton (nas ilhas Canárias), viajou-se no tempo e obtiveram-se imagens do passado do Universo em diferentes comprimentos de onda, para calcular o “desvio para o vermelho”. “A luz vinda dessas galáxias também é prolongada pela expansão do Universo, aumentando o seu comprimento de onda tornando-o mais vermelho. Chama-se desvio para o vermelho e está relacionado com a distância da galáxia”, explica-se no comunicado da Royal Astronomical Society. Assim, ao medirem o desvio para o vermelho das galáxias, os astrofísicos calcularam o tempo em que a luz demora a chegar até nós, ou seja, a sua idade.
A infância da Via Láctea
Conseguiu-se então recuar a 16 diferentes períodos da história do Universo, entre há 11.000 milhões e 13.000 milhões de anos. Ou seja, quando tinha entre 7% e 20% da idade actual. “Este período é caracterizado por ser uma época de formação e crescimento da maior parte das galáxias que podemos observar hoje. É uma altura do Universo em que podemos observar as galáxias nas suas fases mais jovens”, explica-nos Ana Afonso.
E descobriram-se cerca de quatro mil galáxias jovens. “Nos artigos reportamos a descoberta de cerca de 90% das galáxias [do recente trabalho], às quais juntamos 10% já conhecidas e caracterizadas de forma igual ou muito semelhante à restante amostra”, indica-nos. Todas estas galáxias foram encontradas numa das zonas do céu mais estudadas – o campo do cosmos, como se designa, que está na direcção da constelação de Sextante.
A partir dessas cerca de quatro mil galáxias distribuídas por 16 períodos da história do Universo, os cientistas conseguiram então construir o mapa tridimensional que abrange cerca de três mil milhões de anos de evolução do Universo.
“Estas primeiras galáxias parecem ter sofrido uma série de surtos de formação de estrelas, em vez de as terem formado a um ritmo constante, como acontece na nossa galáxia. Além disso, parecem ter uma população de estrelas jovens que são mais quentes, azuis e pobres em metais do que as que observamos hoje”, afirma David Sobral num comunicado do IA.
“A maioria das galáxias distantes que descobrimos só tem cerca de três mil anos-luz de diâmetro, enquanto a Via Láctea é 30 vezes maior. O facto de serem tão compactas provavelmente explica algumas das propriedades físicas que eram comuns quando o Universo era jovem”, considera por sua vez Ana Afonso. “Algumas destas galáxias devem ter evoluído até se terem tornado parecidas com a nossa própria galáxia e, por isso, estamos basicamente a ver como era a nossa galáxias entre há 11.000 e 13.000 anos”, destaca no comunicado do IA. Sobre este estudo salienta ainda ao PÚBLICO: “Dá-nos a entender que estas galáxias são as progenitoras da nossa própria galáxia. E tenta entender de forma mais clara como a nossa galáxia chegou até aos dias de hoje.”
O mapa em 3D vai permitir o estudo das primeiras fases de evolução das galáxias, como elas interagem entre si, assim como a caracterização das suas propriedades físicas e, consequentemente, perceber de forma mais detalhada a história da formação de galáxias no Universo e da nossa própria galáxia. “Isto é, compreender melhor o nosso lugar no cosmos”, frisa Ana Afonso.
Algumas destas galáxias serão objecto de estudo mais detalhado com o MOONS (Multi-Object Optical and Near-infrared Spectrograph), um novo instrumento em construção para o Very Large Telescope (VLT), do Observatório Europeu do Sul (Chile), e que deverá começar a funcionar em 2019, segundo o IA. “Será sem dúvida um dos instrumentos que teremos em consideração para avançar com os nossos estudos para tentar compreender mais e melhor a formação e evolução das galáxias”, acrescenta Ana Afonso.
Para já, os dados deste trabalho ficam disponíveis para toda a comunidade científica. Num futuro próximo, tal como frisa a cientista, outros mapas da história do Universo surgirão.