“Há um problema de transparência” e outro de falta de meios para fiscalizar políticos
Tribunal Constitucional alerta para dificuldades em verificar declarações de rendimentos. Criação de uma entidade para gerir essa informação é uma solução, mas no Parlamento ninguém quer uma estrutura que possa ser vista como uma “polícia” dos políticos.
A única decisão consensual que os partidos já tomaram sobre a criação da Entidade da Transparência é que só vão decidir sobre ela no fim dos trabalhos da comissão da transparência. Mas isso não impediu que a reunião desta terça-feira fosse marcada por essa discussão, mesmo depois de terem decidido não decidir já. E se há conclusão a tirar é que há pelo menos tantas dúvidas como certezas, tão bons argumentos contra como a favor e tudo pode ainda acontecer.
Em causa está a criação de uma estrutura a criar no âmbito do Tribunal Constitucional (TC) que centralize, fiscalize (pelo menos a nível formal) e publicite na Internet as declarações de rendimento e património dos políticos e altos cargos públicos. Hoje o universo das pessoas obrigadas a tais declarações ronda as 17 mil, mas as propostas dos vários partidos vão no sentido do seu alargamento a magistrados, autarcas de freguesias com mais de dez mil eleitores, gestores de entidades intermunicipais ou entidades públicas independentes, dirigentes de segundo grau da função pública, gestores de sociedades anónimas de capitais públicos ou ainda membros de gabinetes governamentais. Ou seja, aquele número deverá aumentar, e muito, se estas propostas forem aprovadas.
Por isso o Bloco de Esquerda, o primeiro a propor a criação de uma estrutura idêntica à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, considerou que esta decisão é um "pilar” da sua proposta. “Há um problema de transparência” na verificação dos rendimentos e património dos políticos, afirmou o líder parlamentar, Pedro Filipe Soares, considerando que o actual sistema “não responde às exigências da lei”.
E isso acontece pelos motivos invocados pelo TC num parecer enviado à comissão: a falta de meios humanos e logísticos para fiscalizar todas as declarações, quanto mais gerir uma base de dados electrónica e instalar uma nova estrutura. “Mesmo sem alterar o universo e a forma das declarações, já se justificava a existência desta entidade”, concluiu o bloquista.
A questão mais fracturante é o poder que esse organismo terá, se será uma “polícia” dos políticos com poder punitivo – o que exige a presença do poder judicial, em particular do Ministério Público (MP), como propõe o BE – ou um mero organismo administrativo que depois envia para o MP os processos em que possa haver ilícitos.
A proposta do PS vai neste sentido: “Seria apenas um centro de competências a exemplo da entidade francesa, para recolha, tratamento e sistematização da informação”, explicou Pedro Delgado Alves. Mas “não pode substituir-se a outros órgãos na aplicação de sanções e na sua execução”, frisou.
Nem assim é consensual. O PSD preferia que estas novas funções fossem absorvidas pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que passaria a ter duas secções. Se a opção for criar uma nova, “nunca poderia ser uma entidade fiscalizadora tipo polícia, pois essas funções estão reservadas ao poder judicial”, defendeu José Silvano.
“A Entidade da Transparência não pode absorver os poderes nem do TC nem da Procuradoria-Geral da República”, concordou o centrista António Carlos Monteiro, cujo partido ainda não tem uma posição fechada sobre a matéria. Ao contrário do PCP, que é frontalmente contra.
“Não concordamos com este debate que alimenta discursos populistas e coloca os políticos e os altos cargos públicos todos sob suspeita, enquanto deixa de fora os grandes interesses privados”, argumentou o comunista João Oliveira. Que foi directo a uma proposta do PSD: “Coloca sob suspeita os juízes e magistrados e deixa de fora [pessoas como] Ricardo Salgado. Para o PCP, “melhor seria resolver primeiro os problemas já existentes”.
“Estamos disponíveis para fazer esse reforço [de meios para o TC], seria um investimento na qualidade da democracia”, concordou Pedro Filipe Soares - como aliás todos os intervenientes. Já quanto à Entidade, o BE insiste na sua necessidade e até está disponível para rever a sua proposta, de modo a que não seja considerada uma “polícia dos políticos”.
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