Sangue, suor e inuítes – The Terror é um barco, uma série e um medo na TV

Mistério real com 170 anos, a história da maior tragédia da exploração polar recebeu um toque de sobrenatural para a nova série do AMC, com produção executiva de Ridley Scott e os actores Jared Harris (Mad Men) e Tobias Menzies (A Guerra dos Tronos). A partir desta terça-feira, às 22h10.

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Nive Nielsen interpreta Lady Silence na série AMC
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O Erebus e o Terror AMC
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Tobias Menzies AMC
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A série é um épico de aventura naval e de terror AMC
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Jared Harris AMC
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Ciarán Hinds e Menzies AMC

Ainda não se sabia, mas naquele vão de escada de um hotel de luxo, à espera de uma sessão fotográfica numa gélida manhã madrilena, estavam os futuros rei Jorge VI e príncipe Filipe de Inglaterra. Ou os passados Lane Pryce de Mad Men e Edmure Tully de A Guerra dos Tronos? Entre a ficção televisiva que hão-de fazer e a ficção televisiva que já fizeram, o PÚBLICO encontrou os actores Jared Harris e Tobias Menzies no vestíbulo das suas próximas personagens – Francis Crozier e James Fitzjames são os protagonistas do épico The Terror, a série de dez episódios em torno da maior tragédia da exploração polar, com produção executiva de Ridley Scott, à qual já há quem chame uma “quase obra-prima” ou "Alien no Ártico". Dezenas de homens presos no gelo, uma sociedade estratificada, um império guloso e, de vez em quando, um monstro.

The Terror é a grande estreia do ano do AMC, o canal que criou The Walking Dead  e Mad Men e que desta feita se lança a uma história real de aventuras navais, mas temperada com o ingrediente que carrega no título. “É uma viagem às aventuras dos primeiros tempos da era vitoriana, é sobre o Árctico”, resume Tobias Menzies em entrevista ao PÚBLICO, dias antes de se saber que o seu currículo (que já incluía Outlander  ou Roma) se engrossará em breve com a série The Crown, onde será o "novo" príncipe Filipe. “Mas também é uma meditação sobre os impérios, e o que acontece quando ficam demasiado confiantes e vão a lugares onde não deviam estar e que não compreendem.”

Em 1845, dois navios, The Terror e Erebus, partiram com “grande fanfarra”, como recorda Menzies, em busca da Passagem Noroeste entre o Atlântico e o Pacífico, através do Oceano Árctico. A expedição era liderada por Sir John Franklin (Ciarán Hinds) e pelo capitão Francis Crozier (Harris), apoiado pelo capitão James Fitzjames (Menzies). Os seus 129 homens desapareceram sem deixar rasto. Foram procurados durante 50 anos até finalmente serem encontrados alguns esqueletos – o gelo rodeou os navios e a decisão da equipa foi caminhar até ao entreposto mais próximo, mas nunca mais foram vistos. Os destroços dos navios viriam a ser localizados apenas em 2014 e 2016.

A história apaixona os britânicos: é, por exemplo, o tema do livro em que o Monty Python Michael Palin está hoje a trabalhar, uma biografia do Erebus. O livro de 2007 de Dan Simmons já lhe havia acrescentado o “género de terror sobrenatural”, elucida Jared Harris.

Um império e os seus limites

Harris era fã de Menzies e Menzies era fã de Harris. Trocam os habituais elogios, os dois homens que descrevem em Madrid uma série filmada em Budapeste (o gelo não era gelo mas poucos efeitos especiais são digitais). A claustrofobia de dois navios encalhados num mar de gelo a perder de vista é quebrada pelos flashbacks da vida em Londres do irlandês (Crozier) e do produto perfeito da sociedade vitoriana (Fitzjames), mas também pelo contacto com outros povos. Ainda assim, “são 120 personagens, sendo as 20 personagens mais centrais muito parecidas: todos homens brancos com a mesma farda azul e vários graus de pilosidade facial”, reconhece Jared Harris, sorridente. Distinguem-se no escuro e no branco infinito pelas personalidades, mas mesclam-se no terror. Uma mulher destaca-se entre a centena de marinheiros: a inuíte Lady Silence.

“O ambiente é de pavor”, explica Menzies. “A certa altura há terrores muito diferentes, e alguns deles são humanos.” O pano de fundo da História dá-lhe a cor que a série não pode ter na sua trama central. “O império britânico era então a potência dominante no mundo, [estes homens] sentem que têm direito a tudo – aquilo a que os americanos chamam o Destino Manifesto [a doutrina do século XIX de que os colonos estavam destinados a expandir-se por toda a América do Norte] – e que estão destinados a tornar-se a raça proeminente no planeta. E todos estamos familiarizados com essas ideias…”, sorri ironicamente Jared Harris. “Estavam a exportar a Grã-Bretanha para o mundo, em prol do mundo, quer o mundo o quisesse ou não.”

O líder inicial da expedição, John Franklin, “encarna a ideia de que Deus sorri sobre tudo o que é britânico e de que nada de mau alguma vez acontecerá a estes homens", explica o actor sobre o seu rival. Até que cede o seu lugar a Francis Crozier, aliás Jared Harris.

Jared Harris só aceitou fazer televisão na condição de passar a ser o protagonista. "Depois de Mad Men, discuti com os meus agentes que não queria voltar a fazer televisão a não ser que estivesse no cerne da história. Não queria estar inactivo duas semanas de vez em quando, frustra-me”. O formato de dez episódios, típico dos canais por subscrição norte-americanos, permitiu, confia, levar a cabo "uma investigação do estado de espírito psicológico e sobre as diferentes formas como experienciamos o terror”.

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O género, uma mistura de épico naval e horror, é trabalho dos showrunners David Kajganich (Mergulho Profundo) e Soo Hugh (Under the Dome), que têm “alergia ao terror escrito para o público, em que a preparação e o desenrolar de uma cena se destinam claramente a assustar o espectador". "Queríamos garantir que a fonte do horror era sempre subjectiva”, garantiu Soo Hugh à Vanity Fair.

Entre sangue, suor e inuítes, The Terror é mais uma nova série entre muitas novas e velhas séries. Mas nestes dois barcos que constituem “um mundo muito codificado e estratificado" e que de certa forma representam "sociedades completas” a crítica tem encontrado motivos para estar satisfeita. Os dois actores prometem o que lhes compete – “é uma história nova” num mundo de “reboots e remakes e sequelas e prequelas”, destaca Jared Harris; “é sobre a condição humana e o que lhe acontece nestes lugares, mas também é uma história de aventuras com um toque de horror, muito diferente de qualquer coisa que eu já tenha visto ou em que já tenha estado envolvido”, remata Tobias Menzies.

O PÚBLICO viajou a convite do AMC

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