Nos Estados Unidos, o soccer está a tornar-se grande

Mais espectadores, novas equipas e uma Liga mais competitiva aproximam a MLS dos desportos de eleição na América do Norte. O perfil do jogador também está a mudar.

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O futebol conta com 23 equipas na principal liga americana Reuters/Bob DeChiara

Beisebol, basquetebol e futebol americano: os desportos que, durante séculos, foram os favoritos absolutos na América do Norte estão, lentamente, a perder fôlego e a dar espaço ao futebol. O relativo sucesso da selecção nacional americana e o crescimento sustentado da Major League Soccer (MLS) têm permitido à modalidade dar um salto em frente nos Estados Unidos.

A Liga americana de futebol, apesar de modesta quando comparada com as principais Ligas europeias, tem vindo a crescer com solidez. A MLS tem hoje 23 equipas espalhadas pelo país e o público tem marcado presença assídua nos estádios: a fase regular da época 2016-2017 teve, em média, 22 mil espectadores por jogo — no total, oito milhões de adeptos estiveram presentes nos estádios americanos no ano passado. Para se compreenderem os contornos da evolução, basta dizer que, em 2002, a MLS era uma competição que lutava contra graves adversidades: tinha apenas 10 equipas (seis controladas pelo mesmo empresário) e recintos praticamente vazios.

No topo da tabela das assistências de 2017 temos o Atlanta United FC, que cumpriu, no ano passado, a sua primeira participação no campeonato, com uma média de 48.200 espectadores. O presidente do clube, Darren Eales, falou com o PÚBLICO sobre esta entrada em grande na competição: “É uma nova equipa, talvez [as assistências] tenham algo que ver com isso”. Para Eales, que entre 2010 e 2013 foi director executivo de futebol no Tottenham, em Inglaterra, tudo se prende com a revitalização da Liga norte-americana: “Os jogadores percebem que isto não é uma Liga para passar a reforma. Vêm para cá, desenvolvem o seu jogo numa Liga competitiva e depois saem para grandes clubes”.  

Mas foi também em parte devido à contratação de nomes sonantes do futebol europeu que os holofotes mediáticos se viraram lentamente para o outro lado do Atlântico. Com a mudança para os LA Galaxy em 2007, David Beckham surpreendeu o mundo do futebol e captou a atenção de patrocinadores e adeptos para uma Liga, até então, letárgica. Kaká, Steven Gerrard e, mais recentemente, Zlatan Ibrahimovic são outros dos craques que, na fase final de carreira, fizeram a transição para os EUA.

“Cada vez mais na moda”

João Meira esteve duas épocas nos Chicago Fire e, em conversa com o PÚBLICO, não poupa elogios ao país: “A nível de condições, os estádios são espectaculares e nunca houve problemas com adeptos”, explica. Apesar de considerar os fãs tão fanáticos como os europeus, garante que “os americanos são mais respeitadores da privacidade dos jogadores”.

Meira teve, na época passada, como colega de equipa o ex-internacional alemão Bastian Schweinsteiger, que rumou a Chicago em 2016. Jogar ao lado de — e contra — lendas do futebol “é muito bom”, mas o lateral garante que, com o tempo, se torna algo normal. No que diz respeito ao crescimento da modalidade, não tem dúvidas: “O futebol está cada vez mais na moda nos Estados Unidos”, assinala, lembrando que tem havido uma aposta forte na formação. “Vemos cada vez mais miúdos a praticar futebol ao invés do beisebol”, atesta.

O presidente dos Atlanta United assinala que as boas condições que João Meira refere são um dos pontos fortes da Liga, referindo-se à recente contratação de um jogador jovem que viu, nas condições do clube, uma vantagem: “Oferecemos um novo complexo de treino que nos custou 60 milhões de dólares e uma equipa técnica que já passou pelos melhores clubes. Temos um estádio com mais de 71 mil lugares”.

Mas Darren não concorda com João Meira, no que aos adeptos diz respeito: “Acho que os nossos adeptos são tão apaixonados como os europeus”, vinca, advogando que essa paixão e esse envolvimento são os principais motores de crescimento do futebol: “Nos outros desportos americanos, o painel publicitário é que comanda os fãs. No futebol eles sentem-se parte do jogo e parte do clube”. A segurança nos estádios também é um dos aspectos positivos que a MLS oferece. Na sua passagem por Inglaterra, o presidente dos Atlanta United conheceu de perto a realidade dos hooligans e garante que esse cenário “não existe” nos EUA. “Temos a [mesma] atmosfera sem os problemas”, garante.

Um perfil mais jovem

Os dados estatísticos servem de confirmação a esta tendência ascendente do futebol nos EUA. De acordo com uma sondagem feita pela Gallup, o desporto-rei tem-se aproximado dos desportos com mais tradição na América do Norte. Esse estudo, realizado entre 4 e 11 de Dezembro de 2017, concluiu que o futebol é o desporto preferido de 7% dos americanos.

Pode parecer um número residual, mas a verdade é que o basquetebol e o beisebol recolhem 11% e 9% de preferência, respectivamente (o futebol americano destaca-se largamente da concorrência, com 37%), o que traduz uma aproximação real a modalidades há muito acarinhadas pelo adeptos americanos. Nas faixas etárias mais jovens — entre os 18 e os 34 — o futebol é mesmo o segundo desporto preferido.

Desde 1990 que a selecção nacional masculina não falhava a qualificação para o Mundial. Este ano não conseguiu um feito que, em edições passadas, teve o condão de unificar a nação e captar mais adeptos para uma modalidade que, aos poucos, parece ir mudando de paradigma. Em vez de um campeonato ancorado em antigas estrelas planetárias em fim de carreira, a MLS quer servir de trampolim para novos talentos e há sinais de que essa transição está a acontecer.

Para além de jogadores com provas dadas mas ainda longe de pendurarem as chuteiras, como o mexicano Carlos Vela (LAFC) ou o uruguaio Nicolás Lodeiro (Seattle Sounders), o campeonato vive hoje também da qualidade de promessas como o argentino Ezequiel Barco (Atlanta United) ou o paraguaio Jesús Medina (New York City). De resto, se na época passada a média de idades dos plantéis, na 1.ª jornada, rondava os 28 anos, as quase 100 contratações realizadas entretanto apontam para uma média de 25.

Para esta redução contribui também André Horta, médio que já confirmou a mudança do Benfica (embora estivesse cedido ao Sp. Braga) para o Los Angeles FC. “Estava no nosso radar há vários meses. É raro, se não sem precedentes, um jogador com a sua idade e pedigree vir para a MLS”, reconhece o manager do clube, John Thorrington. Sinal dos tempos.

Texto editado por Nuno Sousa

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