O Grande Lebowski faz 20 anos: o que dizem agora os críticos que o arrasaram
O Washington Post recupera as críticas de 1998 sobre o filme de culto dos irmãos Coen e pede aos autores para reavaliarem a obra.
É demasiado fácil verter tinta sobre como O Grande Lebowski, dos irmãos Coen, se implantou de várias formas na nossa cultura. O filme, que se estreou há 20 anos, não é um filme de culto qualquer.
Embora não tenha sido um enorme êxito de bilheteira, desde então originou uma pseudo-religião, o dudeismo, com mais de 450 mil “sacerdotes ordenados”, festivais anuais nos EUA em que milhares de fãs mascarados se juntam para celebrar o filme e todos os seus momentos mais obscuros, livros e análises académicas, concursos de White Russians e legiões de fãs tão fervorosos que inspiraram o seu próprio filme, o documentário The Achievers.
Mas há um pequeno grupo de pessoas que não ficaram bem impressionadas pelo filme, pelo menos quando se estreou. Muitos críticos descartaram-no rapidamente, considerando-o comodista e caótico.
Reunimos algumas das críticas mais negativas do filme, escritas após o seu lançamento, a 6 de Março de 1998, e contactámos os críticos que as escreveram com duas simples perguntas: “Faria a crítica de O Grande Lebowski da mesma maneira hoje? Ou a sua opinião sobre o filme mudou, beneficiando destas duas décadas?”
— Alex Ross, na Slate
Crítica de 1998: “Os problemas começam na intriga”, escrevia Ross, que agora é crítico de música na New Yorker. “O grande defeito na maior parte do trabalho dos Coen é, surpreendentemente, a incapacidade de sustentar um enredo ao longo de duas horas. Em [O Grande] Lebowski perdemos de vista não só os instrumentos da narrativa, mas personagens inteiras, que vão e vêm sem encontrar uma razão de ser. [John] Turturro é desperdiçado como um jogador de bowling chamado Jesus, um pedófilo condenado de lycra. É uma espantosa criação, mas não tem qualquer função.”
A revisão de 2018: “Eu temia que alguém desenterrasse isto! Honestamente, não sei se tenho muito a dizer. Houve um breve período em que queria tornar-me crítico de cinema, mas este texto e umas outras tentativas para a Slate mostraram uma falta de aptidão para o género. Tenho-me saído melhor cingindo-me à música. Quanto a O Grande Lebowski, Blood Simple ainda é o meu filme favorito dos irmãos Coen e ainda tenho algumas questões quanto ao trabalho deles, mas basicamente falhei em perceber bem o que estava em causa.”
— David Denby, revista New York
Crítica de 1998: “O Grande Lebowski é um thriller excêntrico com um herói inapto e tristonho”, escreveu Denby, que agora é crítico na New Yorker, numa curta crítica na New York. “O Dude arrasta-se vida fora numa nuvem fumarenta de um ganzado; tem um cérebro tão fundido que não consegue acabar uma frase… [Jeff] Bridges e [John] Goodman andam juntos aos tropeções em demasiadas aventuras supérfluas. Só quando o Dude se perde pela primneira vez na sua própria história é que tem piada – uma história tão incoerente que ele não consegue explicá-la a ninguém. Qual é o objectivo de nos vangloriarmos à custa de idiotas que pensam que são cool? Jeff Bridges tem tanta dedicação enquanto actor que se sacrifica à criação contraproducente dos irmãos Coen. Nem Bridges consegue soltar uma personagem que permanece inconsciente.”
A revisão de 2018: Denby disse que a sua opinião sobre o filme tinha mudado, dirigindo-nos para um texto que escreveu sobre os Coen para a New Yorker em 2008. “O Grande Lebowski teve críticas medíocres e fez pouco dinheiro inicialmente, mas ao longo dos anos criou um culto, um séquito efervescente”, escreveu Denby no artigo. “A devoção é inteiramente merecida. No que toca aos filmes de culto, O Grande Lebowski é muito mais espirituoso do que A República dos Cucos, Hairspray e isento da estupidez de Festival Rocky de Terror ou das pretensões místicas de El Topo. O Grande Lebowski é um tributo ao inofensivo, à amizade e ao bowling de equipas. Apresenta um ‘não’ persistente ao intenso ‘sim’ americano. Tal como Arizona Junior, é uma balada consolidada pela ternura.”
— Kenneth Turan, Los Angeles Times
Crítica de 1998: “Os irmãos Coen não são gémeos, mas mais valia serem”, escreveu Turan, que ainda é crítico de cinema do Los Angeles Times e da rádio NPR. “Os filmes que fazem juntos são universos alternativos independentes, quase herméticos, mundos que divertem sem fim os irmãos, mas que não oferecem garantias de estabelecer ligações com mais ninguém… Embora o filme tenha tanto enredo que os Coen consideram Lebowski como uma versão anos 1990 de um romance de detectives de Raymond Chandler, a linha narrativa é desconjuntada, incoerente e até irritante. Aquilo que recordará e de que gostará neste filme (se se lembrar dele ou sequer gostar dele) não é da floresta, mas as árvores individualmente, os tiques cativantes como só os Coen sabem congeminar, que divertem e entretêm, embora não se relacionem com mais nada no filme.”
A revisão de 2018: “A verdade é que não voltei a ver O Grande Lebowski desde que saiu. Estou ciente da sua reputação de culto e questiono-me se o veria de forma diferente hoje, mas simplesmente não sei.”
— Daphne Merkin, The New Yorker
Crítica de 1998: “O filme está polvilhado com referências a rituais judaicos – como a pimenta no gefilte fish – que, por si só, é suposto serem hilariantes”, escreveu Merkin, crítica e romancista que já não trabalha com a New Yorker. “Embora não tenha nada contra pessoas que gozam com as religiões dos outros, há algo demasiado fácil – já para não dizer condescendente – na forma como isso aqui é feito. O Grande Lebowski está tão ensopado em conhecimento – homenageia toda a gente, de John Lennon a Theodor Herzl – que na verdade nada está em causa. (Se o filme é sobre alguma coisa, é sobre a ligação entre o bowling e o judaísmo.)
“O único gesto do filme na direcção de uma estrutura narrativa, para aqueles que ainda achem que isso é necessário, é o seu uso brincalhão da voz off… Falta a O Grande Lebowski o que mesmo as comédias mais loucas devem ter para funcionar: o reconhecimento de que lá fora, para além das gaffes e das piadas, a escuridão nos espera… Os Coen não querem saber de estabelecer uma ligação entre o que está no interior das suas cabeças de espertalhões e o mundo pesado e por vezes doloroso em que o resto das pessoas vivem quando não estamos no cinema – ou talvez não saibam como fazê-lo.”
A revisão de 2018: “Acho que é o filme exemplar de insiders, que fala de um modo muito astuto àqueles que já estão predispostos a gostar dele. Ou estamos dentro, ou não estamos dentro”, disse Merkin ao telefone. “Quando o voltei a ver, houve coisas que me chamaram mais a atenção. Em primeiro lugar, é bonito de ver, graças à fotografia. A sequência Busby Berkeley. Fiquei impressionada com tudo isso. E acho que me diverti mais com a intensa descontracção que o filme corporiza. Em alguns aspectos, o Dude e a sua dudeness desligada têm agora um certo apelo, talvez porque o mundo se tornou mais horrendo ou porque a realidade é menos suportável do que quando o filme foi feito. Ainda acho que é basicamente mais um filme de gajos do que de mulheres. E provavelmente ajuda estar com a moca, o que não é a minha droga de eleição. Mas vejo que tinha as suas virtudes.”
Merkin revisitou as suas críticas ao filme no posfácio de um dos principais guias para fãs, I'm a Lebowski, You're a Lebowski.
— Edward Guthmann, San Francisco Chronicle
Crítica de 1998: “Embora algumas das suas partes sejam brilhantes na execução e seja interpretado por um elenco magnífico, o resultado é disperso, exaustivo e decepcionante”, escreveu Guthmann, jornalista e autor que passou cerca de 20 anos a fazer crítica de cinema no Chronicle. “Os Coen divertem-se a estabelecer a personagem de Bridges, e as cenas do bowling que escreveram para o Dude e seus amigos – um veterano do Vietname intempestivo interpretado por Goodman e um tonto quase mudo interpretado por Buscemi – são ouro puro. Ficaria mais feliz, se tivesse passado todo o filme no salão de bowling. No fim de contas, O Grande Lebowski é demasiado inteligente para o seu próprio bem. Há lá mais ideias, mais personagens laterais excêntricas e mais contorções da intriga do que o filme consegue suportar e, inevitavelmente, o filme esvazia-se por ter de lidar com demasiadas coisas.”
A revisão de 2018: “Acho que provavelmente gostaria mais do filme. Habituei-me mais ao estilo dos irmãos Coen. Há algo de muito maníaco e muito cartoon, não em tudo o que eles fazem, como em Este País não É para Velhos, mas as comédias que eles fazem muitas vezes parecem insanas. Não é bem o meu estilo… Gosto muito da prestação de Jeff Bridges, mas o que disse sobre o filme ter de lidar com demasiadas coisas, acho que há um excesso de personagens e de ingredientes na intriga… É o mesmo ao ler um livro ou ao ver um filme – eu mudo e muitas vezes revisitar algo é uma nova experiência.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post