Serviços coreográficos, materialidades instáveis
A sensualidade e artificialidade deste Service No. 5, de Adam Linder, destabiliza a neutralidade do espaço branco da galeria, contaminando-o com teatralidade, ornamentação e virtuosismo.
Oito situações “antinaturalistas” compõem o Service No. 5: Dare to Keep Kids off Naturalism (2017), de Adam Linder, uma performance provocadora, intrigante e absolutamente sedutora que, muito embora tenha sido apresentada no Museu de Serralves durante cinco dias, cinco horas por dia, foi capaz de mobilizar o espectador. Coreógrafo sediado em Los Angeles e Berlim, premiado com o Mohn Award Winner: Made in L.A. 2016 (Hammer Museum, Los Angeles), o australiano Adam Linder divide a sua prática artística entre propostas coreográficas para o dispositivo da “black box” do teatro e coreografias expandidas que diluem os limites disciplinares da dança, da performance e da instalação para o “white cube” do espaço museológico e galerístico.
Interessado na potencialidade da linguagem em estruturar sistemas, Linder nomeia as suas coreografias apresentadas fora do protocolo teatral de “services” (serviços), conferindo-lhe um formato económico que difere das restantes obras de arte, já que estes não podem ser adquiridos, mas somente exibidos por um período temporal pré-acordado. O contrato de Service No. 5, exibido à entrada da performance, explicita as condições laborais, o valor de transacção (quanto pagou Serralves pelas 25 horas de performance), compromete os intérpretes Leah Katz, Noha Ramadan, Stephen Thompson, Justin F. Kennedy a “ensinar o museu a receber teatralidade”, assim como elenca as oito situações antinaturalistas propostas: Imprinting, Hustling, Fundamental Choices, Neutral Analysis, Crying Landscape, Lubrication, Animatronics and Carpeteering. Trata-se de um objecto artístico que assume relevo, cuja função linguística, jurídica e económica activa politicamente a performance.
Muito embora possua uma estrutura pré-definida, Service No. 5 permite aos performers negociarem a ordem das situações apresentadas, conferindo uma instabilidade profícua à materialidade do evento. As referidas “situações” propõem estranhos e híbridos tableau vivants que se organizam em diversas camadas de fluidez: fluidez de media, entre os protocolos teatrais e os expositivos, quando as imagens pictóricas criadas são destabilizadas pela performance e pela relação directa com o espectador; fluidez de género e da singularidade dos performers, que ora surgem com uma identidade singular que responde a questões fundamentais (Fundamental Choices), ora se fundem em paisagens híbridas comuns (Crying Landscapes).
A paisagem sonora densa e imersiva, com uma composição musical de Linder e Stephen Martin, surge como um quinto elemento performativo que figura no espaço através de uma monolítica e volumosa coluna de som, pintada a vermelho escuro e colocada em oposição à entrada da sala. Um objecto misterioso que interage com a mutabilidade das “situações” e respectivos figurinos e adereços, objectos protésicos criados por Linder, desde lanças prateadas e almofadas insufláveis, bombas de insuflar, tecidos impressos com ornamentos persas, entre outros.
A sensualidade e artificialidade deste Service No. 5 destabiliza a neutralidade do espaço branco da galeria, contaminando-o com teatralidade, ornamentação e virtuosismo, através de estratégias de jogo, manipulação e afecto, hibridez e ironia, resultando em encenações vivas antinaturalistas que não receiam instrumentos como a alegoria ou a ficção. Na sua “criticalidade” (conceito de Irit Rogoff que apela a uma crítica incorporada), Linder distancia-se não somente dos questionamentos ontológicos da dança da década de 90 (crítica de representação, autoria e identidade), como de tendências actuais de práticas coreográficas europeias onde prevalecem metodologias não virtuosas, a recusa à ornamentação e a procura de uma suposta autenticidade de movimento e de relação com o espectador. Em alternativa, Linder oferece situações coreográficas que usam a linguagem e o desafio (Fundamental Choices), a hibridez de formas (Crying Landscapes), a crítica ao humanismo ocidental (Neutral Analysis), ou uma apologia da teatralidade e da suprema ornamentação (Imprinting).
Na sua estranheza destabilizadora, Service No. 5: Dare to Keep Kids off Naturalism capta e afecta o espectador numa espécie de transe ritualístico de corpos instáveis, figuras fluidas e paisagens híbridas, capaz que deslocar politicamente não só a imparcialidade do “white cube”, como as presunções naturalistas do real. Uma obra a destacar.