Meu querido “eyeliner”

Compramos a pasta dos dentes com as bolinhas azuis brilhantes, escovamos os dentes, bochechamos com água da torneira, deitamos os resíduos no lavatório, a canalização transporta-os para estações de tratamento de águas, de onde seguem para os oceanos. Os peixes ingerem os microplásticos e nós comemos os peixes

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Um grande número de produtos de higiene pessoal e de cosmética contém microplásticos. Ao que parece, estão por todo o lado e mais presentes no nosso dia-a-dia do que imaginamos. Falo daquelas bolinhas azuis, verdes, amarelas ou de outras cores brilhantes e atraentes que vemos nas pastas de dentes, cremes de limpeza e noutros produtos. São partículas de plástico que medem entre 0,05 e 0,5 centímetros de diâmetro.

Eyeliner, lip gloss, champô, sabão, desodorizante e protector solar também podem conter partículas de plástico. Três em cada quatro esfoliantes e 7% dos produtos de limpeza facial contêm microplásticos. Anualmente, o ambiente recebe cerca de 39 toneladas de microplásticos provenientes dos geles de banho, já que 2% destes produtos também contêm estas partículas. Em média, cada consumidor descarta 2,4 miligramas de microplásticos por dia. De forma involuntária e inconsciente estamos a contribuir para esta fonte de poluição, que tem tudo de recente como de desconhecida.

Na higiene pessoal e cosmética falamos de micro grânulos de plástico desenvolvidos intencionalmente em tamanho minúsculo, usados como ingredientes que melhoram as características esfoliantes, antioxidantes, amaciadoras, de limpeza e tantas outras. Muitos dos grânulos são usados em estado líquidos ou ceras, outros em partículas sólidas. A preocupação paira sobre as sólidas — uma vez que não se dissolvem na água, vão parar às águas residuais. Só que as actuais estações de águas residuais não foram projectadas para remover ou filtrar os microplásticos.

De forma resumida, concisa e directa: compramos a pasta dos dentes com as bolinhas azuis brilhantes, escovamos os dentes, bochechamos a pasta com água da torneira, deitamos os resíduos no lavatório, a canalização transporta-os para as estações de tratamento de águas, de onde seguem para os oceanos. Os peixes ingerem os microplásticos e nós comemos os peixes. Tão simples quanto isto. Quais os impactos desta realidade na saúde pública? Ainda não se sabe. No entanto, alguns estudos evidenciam que partículas deste tamanho minúsculo podem migrar através da parede intestinal para os gânglios linfáticos e outros órgãos humanos. Outros estudos defendem que os produtos químicos tóxicos que os microplásticos acumulam podem passar pelas membranas no intestino e entrar na corrente sanguínea.

A questão está em percebermos como podemos diminuir a nossa exposição crónica a esta realidade. Enquanto consumidores podemos exigir que os produtores dos nossos produtos de higiene pessoal e cosmética substituam os microplásticos por partículas orgânicas biodegradáveis como ceras de abelha e jojoba, farinha de farelo de arroz, amidos derivados de milho, tapioca e carnaúba, algas, sílica, argila e outros compostos naturais. Se não quisermos exigir podemos antes seleccionar produtos mais amigos do ser humano (e do ambiente). A campanha Beat the Micro Bead da Plastic Soup Foundation disponibiliza uma listagem online de produtos de higiene pessoal que contêm microplásticos de 38 países, onde se inclui Portugal. A vermelho figuram os produtos que contêm microplásticos, a laranja os produtos dos produtores que se comprometeram em substituir os microplásticos e a verde os produtos sem microplásticos. Felizmente, Portugal tem mais produtos verdes do que vermelhos. Os dados dos produtos portugueses são coordenados pela Associação Portuguesa do Lixo Marinho. Esta campanha, lançada em 2012 na Holanda, já levou 448 marcas de 119 produtores a assumir o compromisso de remover os micro grânulos dos seus produtos. Esta é a força dos consumidores. A nossa força. Meu querido esfoliante…

Meu querido eyeliner… Sim, quero remover as peles secas, desobstruir os poros para eliminar borbulhas, ter uma pele limpa e sedosa e realçar os meus olhos, mas depois de saber tudo isto, como vou conseguir usar-vos daqui para a frente? Terei que vos trocar por produtos que não comprometam a minha saúde e bem-estar.

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