Anacom recomenda que factura em papel seja grátis
Envios vão começar a custar um euro aos clientes da Meo a partir de Abril. Deco já recebeu 150 reclamações, mas prevê que número cresça a partir do próximo mês.
A Anacom recomenda aos operadores de telecomunicações que “não cobrem qualquer valor pela disponibilização de facturas não detalhadas ou com um mínimo de detalhe aos seus assinantes, seja em papel ou em qualquer outro suporte”.
Como o PÚBLICO noticiou recentemente, a Meo vai começar a cobrar pelo envio de facturas em papel aos seus clientes com assinaturas de telemóvel (voz e Internet) a partir de Abril, mas prevê estender a cobrança a todos os clientes. Sem se referir a qualquer ilegalidade, a entidade liderada por João Cadete de Matos veio defender numa nota divulgada nesta terça-feira que o envio da factura seja gratuito, explicando que “na origem” da sua recomendação estão “as reclamações de consumidores e notícias dando conta” da decisão da Meo.
A Anacom diz ter apurado “que pelo menos a Nos e a Nowo prevêem, nos contratos que utilizam e na divulgação que fazem das condições de oferta dos seus serviços, que o envio de factura em papel, pelo correio, implica um encargo adicional para os seus assinantes”.
Diz o regulador que estes operadores estão assim a fazer depender o envio da factura em papel de um pagamento por parte dos clientes, algo “que se afigura particularmente gravoso para as camadas da população mais vulneráveis, nomeadamente as pessoas idosas, as pessoas com baixos rendimentos e as pessoas com baixos índices de escolaridade e literacia digital”.
A Anacom sublinha ainda que, de acordo com a legislação em vigor, os clientes têm o direito a receber facturas dos serviços que lhes são prestados, “devendo as facturas não detalhadas ou com o nível mínimo de detalhe fixado pela Anacom ser disponibilizadas sem quaisquer encargos”. É isso que resulta da Lei dos Serviços Públicos Essenciais (LSPE), da Lei das Comunicações Electrónicas (LCE) e da Lei relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas, refere a entidade reguladora.
"Tratando-se de uma obrigação de natureza fiscal, a Anacom não considera legítimo que os operadores repercutam sobre os seus clientes os encargos que têm para cumprir aquela obrigação", explica ainda a entidade, acrescentando que a Direcção-Geral dos Consumidores, a DECO e a União Geral de Consumidores já lhe transmitiram preocupações idênticas.
Em declarações anteriores ao PÚBLICO, a Vodafone Portugal explicou que o envio da factura em papel “é gratuito para todos os clientes”. Contudo, se o cliente quiser saber algo mais que o valor total que tem a pagar em determinado período (para confirmar, por exemplo, se aquilo que lhe está a ser facturado corresponde às chamadas que efectivamente fez), o envio dessa informação em papel passa a ser um “serviço” e, como tal, tem um custo de 0,88 euros + IVA (1,08 euros).
Considerando que a cobrança pelo envio da factura em papel "é ilegal", a Deco revelou ao PÚBLICO que já recebeu “cerca de 150 reclamações” de clientes da Meo (Altice Portugal), mas “está certa que [o número] crescerá no final do mês quando os consumidores começarem a receber a cobrança”.
Assegurando que "cumpre escrupulosamente a lei", a Meo veio, numa resposta enviada ao PÚBLICO ao final da tarde, acusar a Deco de ter promovido "um grave equívoco, faltando à verdade" e penalizando "de forma grave e injustificada a reputação da Altice Portugal".
Sublinhando que quer a LCE, quer a LSPE prevêem "a gratuitidade da emissão da factura" e que "existe obrigação [das empresas] de fazer chegar ao cliente" esse documento, o jurista da Deco Luís Pires adiantou ao PÚBLICO que o cumprimento da obrigação legal só se verifica se efectivamente “se o cliente tiver acesso à factura”. Uma vez que nem todas as pessoas têm acesso a meios digitais, os operadores devem garantir que a factura em papel chega, de forma gratuita, à casa das pessoas, afirmou o jurista.
Todos os clientes são livres de decidir se preferem a factura electrónica, mas “essa liberdade de escolha tem de ser sempre por opção do consumidor e não pela imposição de um pagamento”, frisou Luís Pires.
Há várias peças legislativas que abordam o tema da facturação. O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) diz que se a emissão de factura é obrigatória para o prestador de serviço, já a sua aceitação na versão electrónica depende do consumidor. “As facturas podem, sob reserva de aceitação pelo destinatário, ser emitidas por via electrónica desde que seja garantida a autenticidade da sua origem, a integridade do seu conteúdo e a sua legibilidade através de quaisquer controlos de gestão que criem uma pista de auditoria fiável”, lê-se no número 10, do artigo 36, do código do IVA.
A LPSE determina, no seu artigo 9º, que os clientes ou utentes dos serviços têm direito a uma factura “que especifique devidamente os valores que apresenta” e que esta, além de uma periodicidade mensal, deve “discriminar os serviços prestados e as correspondentes tarifas”, mas nada diz quanto ao suporte (papel ou electrónico) em que esta factura deve ser emitida.
A lei que visa proteger os consumidores de serviços essenciais, diz ainda, e especificamente a propósito dos serviços de comunicações electrónicas, que “a pedido do interessado, a factura deve traduzir com o maior pormenor possível os serviços prestados”. No entanto, a LSPE é omissa quanto à possibilidade de o envio desta factura com mais detalhe poder ser cobrada pelas empresas.
O diploma de 1996, actualizado em 2013, apenas refere especificamente que o detalhe da factura não pode “constituir um acréscimo do valor da factura” no caso dos fornecimentos de energia eléctrica. Nestas exige-se que sejam discriminados individualmente “o montante referente aos bens fornecidos ou serviços prestados, bem como cada custo referente a medidas de política energética, de sustentabilidade ou de interesse económico geral (geralmente denominado de custo de interesse económico geral), e outras taxas e contribuições previstas na lei”.
A LCE nota (no artigo 39º, sob os direitos dos utilizadores) que os clientes dos serviços têm direito a “obter facturação detalhada, quando solicitada” e que os contratos com os operadores de telecomunicações devem especificar as “condições em que é disponibilizada a facturação detalhada”, ou seja, admite que este envio possa representar um encargo.
A lei refere, porém, que a entidade reguladora “pode definir o nível mínimo de detalhe e informação que, sem quaisquer encargos, as empresas devem assegurar aos assinantes que solicitem facturação detalhada”.