Resgate ao Deutsche Bank?

O BCE revela uma preferência por destruir bancos pequenos, mesmo que eficientes, ao mesmo tempo que protege bancos grandes ineficientes.

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Fonte: BCE

Um dos argumentos utilizados pelos defensores da União Bancária foi que o Mecanismo Único de Supervisão (MUS, que é parte do BCE) saberia “mostrar os dentes”. Num vídeo promocional, disponível no seu site, os “dentes” foram substituídos por uns mais aceitáveis “músculos”, mas a mensagem é a mesma.

Da analogia, um tanto ou quanto deselegante, fica implícito que os antigos supervisores nacionais não mostravam suficientemente “os dentes” aos seus bancos nacionais, depreende-se por negligência, por incompetência, porque os “campeões” nacionais teriam demasiada força política ou por motivo ainda pior.

Com o supervisor único, sob a alçada do BCE, a relação de poder entre banca e supervisor seria outra, nomeadamente porque o BCE poderia cortar o acesso desses bancos à liquidez do Eurosistema, precipitando o seu colapso. E, por outro lado, os padrões europeus de competência e de exigência seriam superiores aos dos supervisores nacionais. Teríamos “super-supervisores europeus” — em média, sete super-supervisores por grande banco da zona euro —, que saberiam manter esses bancos na linha.

É evidente que esta é uma concepção simplista e errada. Os músculos não são bons substitutos nem do mérito nem da competência. Os supervisores do BCE mantêm-se ocupados com as “telenovelas” das aprovações/vetos das nomeações para o conselho de administração dos bancos (mais de 6000 desde Novembro de 2014), com bancos a ficarem meses à espera dessa aprovação. Relembre-se que um dos direitos fundamentais da zona euro seria a liberdade de escolher ou aceitar um trabalho... e outro o direito à livre iniciativa. Mas os supervisores do BCE parecem não ter ouvido falar desses direitos.

Acresce que as autoridades europeias souberam, no passado, alterar pontualmente as regras para que, por exemplo, os rácios de capital de grandes bancos, como Santander e Deutsche Bank, melhorassem. Ou seja, quase parece que os “dentes” do BCE só se mostram aos pequenos bancos. Parece até que, melhor que mostrar os dentes, é dar mesmo uma “grande dentada” e acabar com a “miséria” (vida?) de alguns desses bancos. O último exemplo, em 24 de Fevereiro de 2018, terá sido o 3.º maior banco da Letónia. Cinco dias após ter imposto uma moratória ao levantamento de depósitos, o BCE decidiu pôr um ponto final na sua existência, determinando o seu encerramento.

Incomoda esta “mostra de dentes” selectiva. Porque parece uma escolha de “campeões” da zona euro, em que os maiores bancos têm merecido o favor continuado do supervisor único. Com efeito, este parece revelar uma preferência por destruir bancos pequenos, mesmo que eficientes, ao mesmo tempo que protege bancos grandes ineficientes.

Os rácios de capital CET1 dos maiores bancos europeus, em que os activos do denominador são ponderados pelo risco, são excelentes. Contudo, o rácio de alavancagem em que se divide o nível de capital pelo volume global de activos, não ponderado pelo risco, revela a verdadeira cor daquela roupagem fabulosa dos grandes bancos da zona euro: quase transparente, com níveis de capital diminutos. É como aquela fábula do “rei vai nu”.

Ora, a fábula dos magníficos e robustos trajes dos grandes bancos da zona euro, poderia continuar durante muito tempo. Contudo, afigura-se, as boas graças das autoridades e do supervisor único poderão ser testadas num futuro breve.

O Deutsche Bank (DB), há uma semana, decidiu pagar um bónus de 2,3 mil milhões de euros aos seus banqueiros porque, segundo o CEO John Cryan, teria receio de os perder. De notar que este bónus é quatro vezes maior do que o pago no ano anterior, apesar de o banco continuar a registar elevados prejuízos; que o banco “somente” pagou dividendos de 230 milhões de euros aos accionistas (1/10 do valor do bónus); e que apresenta baixos rácios de capital. Quase parece que o DB pediu mais capital aos accionistas (realizou um aumento de capital de oito mil milhões de euros em 2017) para agora poder pagar um bónus mais elevado a alguns dos seus banqueiros.

Um supervisor que “mostrasse os dentes” teria proibido os bónus e obrigado o DB a reforçar os seus rácios de capital. Mas não, os bónus foram pagos e o supervisor único não tugiu nem mugiu...

Contudo, agora as acções do DB tombam nos mercados. Caíram quase 80% nos últimos dez anos e 32% nos últimos três meses.

Os políticos alemães do SPD e da CDU pareceram bastante “corajosos” dando a entender que estariam preparados para deixar o DB colapsar e, aliás, têm criticado os seus colegas de Itália por alegada falta de firmeza. Será interessante observar decisores alemães e do BCE a fazer uma meia pirueta em relação ao DB.

A propósito: a saga à volta do Montepio

O Montepio (Caixa Económica Montepio Geral), um dos poucos bancos ainda sob controlo nacional, já conseguiu um feito de que poucos bancos seriam capazes. Aguentou uma pressão mediática sem precedentes ao longo de mais de três anos que, sem dúvida, resultou na saída de depósitos e afectou negativamente a actividade do banco. O principal factor de instabilidade é, afigura-se, de índole regulatória. O Banco de Portugal (e o BCE nos bastidores, certamente) tem vindo a exigir rácios de capital crescentes, a redução da dependência da liquidez do Eurosistema, a diminuição dos níveis de crédito malparado e a separação de águas (“ring-fencing”) entre o banco e o seu proprietário, a Associação Mutualista Montepio (AMM). 

Há muita polémica no momento acerca da injecção de capital no Montepio pela Santa Casa da Misericórdia e sobre o valor do banco. O banco Montepio tem cerca de 19,5 mil milhões de euros de activos líquidos e capitais próprios de 1760 milhões de euros. “Formalmente”, é um banco bem capitalizado.

A AMM, que detém o capital do Montepio, tem 630 mil associados e cerca de 44% dos seus activos (poupanças ou quotas dos seus associados) investidos no Montepio. No final de 2016, a AMM avaliava a sua participação no Montepio em 1,7 mil milhões de euros. A situação patrimonial da AMM era negativa em 2015, mas terá passado a positiva em 2017 em resultado de créditos fiscais.

O ponto crítico é quanto vale o Montepio. Se valer próximo do seu valor contabilístico, as poupanças dos associados da AMM estariam cobertas por activos financeiros. Contudo, se o valor do banco for muito inferior ou se for necessário injectar muito mais capital no banco, então o investimento da AMM no Montepio seria diluído e os 630 mil associados da AMM sofreriam perdas significativas.

Compreende-se em parte a razão pela qual o Governo parece querer socorrer-se da Santa Casa da Misericórdia. Com receio da Direcção-Geral da Concorrência (DGComp) e da directiva europeia sobre resolução bancária, a Santa Casa seria utilizada como “saco azul” para injectar capital no banco a preços próximos do valor contabilístico do Montepio que fundamentam a avaliação que a AMM faz do seu banco.

No entanto, não se pode permitir que ocorra ao Montepio o que ocorreu ao Novo Banco, Banif, BPI e Millennium BCP. Ou seja, não podem ser tolerados ataques especulativos ao Montepio, nem a venda do mesmo ao desbarato, que potenciariam a criação de 630 mil novos lesados e perdas adicionais para o erário público.

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