Para temperar o otimismo atual dos Portugueses
Os Portugueses idosos ficarão cada vez mais vulneráveis aos riscos que os ameaçam quer no plano dos rendimentos, quer no plano dos serviços coletivos
Em finais de 2017, a Comissão Europeia disponibilizou importante documentação preparatória [1] do Relatório sobre o Envelhecimento 2018, a sair ainda este ano, que vale a pena consultar desde já.
Para o conjunto da União, projeta-se um crescimento muito ligeiro da população europeia no período 2016-2070, apenas mais 1,8%. O mais interessante e, para nós, mais preocupante embora esperado é que haverá crescimento em metade dos Estados Membros acompanhado por decréscimo populacional na outra metade, sendo que, infelizmente, Portugal faz parte desta última.
Partindo dos atuais 10,3 milhões de Portugueses, iremos regredindo ao longo de todo o período para ficarmos em apenas 8,0 milhões de habitantes em 2070, a confirmar-se o cenário base das projeções. Será uma transformação com enormes consequências sobre o que é hoje o nosso país e que dificilmente podemos antecipar na totalidade!
Todas estas evoluções serão acompanhadas pela alteração acentuada da estrutura de idades das populações, pois, apesar de se prever uma recuperação da fecundidade, continuaremos muito abaixo do nível de reposição das gerações em todo o período. Os idosos de 65 e mais anos, atualmente 21 % da população total, atingirão os 35 % em 2070, no mesmo período.
Como irá impactar tudo isto?
A população potencialmente ativa, entre 20 e 64 anos, vai reduzir-se em 4% no período 2016-70, isto é, teremos menos 1,7 milhões de pessoas com essas idades. E continuará envelhecendo: os portugueses com idades entre 55 e 64 anos passarão de um quinto para um quarto da população total disponível para o mercado de trabalho. O que não augura nada de bom face à transformação digital da economia.
Diversamente, os idosos de 65 e mais anos, atualmente 2,1 milhões, chegarão aos 2,8 milhões, isto é, haverá mais 700 mil pessoas com reduzida ou nula participação na atividade económica e com grandes necessidades de proteção social. Por muito que aumente a participação dos idosos na atividade e no emprego, o panorama é sombrio. A proporção dos inativos com 65 e mais anos no total de empregados com idades entre 15 e 74 anos é, aliás, projetada em agravamento, saltando dos atuais 43% para 75% em 2070 (no conjunto da União, a evolução é bem mais contida: dos mesmos 43% para 66%). Isto apesar do previsto aumento na idade efetiva de passagem à reforma.
Entretanto, o crescimento médio do PIB potencial é projetado para uns modestos 0,9%, contra 1,3% no conjunto dos 27. Antecipam-se, assim, trajetórias demográficas e económicas diferenciadas na Europa que conduzem os seus Estados membros a situações cada vez mais contrastadas e para nós menos positivas.
Mais velhos e mais vulneráveis
Em Portugal, as assimetrias sociais e a sua expressão territorial tenderão a aumentar. As necessidades dos idosos colocados em ociosidade pelo mercado de trabalho serão mais difíceis de satisfazer. Um exemplo elucidativo: em 2016, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados assistia 43 mil idosos de 65 e mais anos, apenas 2% do total do grupo etário. Se a assistência se mantivesse na proporção atual haveria, mesmo assim, mais 35% de pessoas para atender, ou seja, mais 15 mil utentes necessitando de camas, alimentação e cuidados continuados em 2070. Mas essa seria uma situação indesejável em que o enorme défice atual de cobertura neste tipo de cuidados iria agravar-se ainda mais, implicando mais exclusão social e maiores assimetrias sociais.
A confirmarem-se estes cenários demográficos e económicos, os Portugueses idosos ficarão cada vez mais vulneráveis aos riscos que os ameaçam quer no plano dos rendimentos, quer no plano dos serviços coletivos.
O Relatório sobre o Envelhecimento, que surgirá este ano, dirá como se projeta a relação entre a pensão média paga pelos sistemas públicos e o salário médio da economia do país, o chamado rácio de benefício. Em 2015, a Comissão Europeia estimou para Portugal uma redução de 20 pontos percentuais entre 2013 e 2060. Mesmo que a projeção deste ano seja menos gravosa, não há milagres e os rendimentos dos idosos, em que as pensões públicas são determinantes, não poderão contrariar o empobrecimento anunciado há três anos.
Os idosos dependerão cada vez mais do Estado, leia-se dos contribuintes, e menos da sua capacidade aquisitiva própria para aceder aos bens e serviços de que necessitam. Em 2016, 35% dos recursos gastos em saúde saíram já diretamente dos bolsos da generalidade dos cidadãos. Só nos medicamentos, os desembolsos dos particulares ascenderam a 44% da correspondente fatura nacional. Dificilmente se pode pedir-lhes maior esforço pessoal.
Em publicação recente [2] do Banco Central Europeu, sublinha-se que, para o período 2013-2060, embora as pensões reduzam a correspondente despesa pública em meio ponto percentual, apesar da demografia desfavorável, os gastos com cuidados de saúde e de longa duração mais que compensarão tal poupança, crescendo cerca de 3%.
Há, assim, razões de sobra para temperar todo este otimismo que os Portugueses parecem estar a adoptar cada vez mais.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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