Quatro aviões estiveram vários dias parados em plena época de incêndios
Governo e Protecção Civil têm narrativas distintas sobre os incêndios de Outubro. O PÚBLICO teve acesso a emails e ofícios trocados entre a ANPC e o executivo que revelam diferentes versões dos mesmos factos.
São centenas de emails e ofícios que nos últimos meses foram sendo trocados entre a cúpula da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) e o gabinete do secretário de Estado da Administração Interna com pedidos de reforços de meios e autorizações, ou não, por parte do executivo. Entre os documentos a que o PÚBLICO teve acesso, há de tudo, mensagens que confirmam a versão do segundo comandante nacional, Albino Tavares, à Comissão Técnica Independente (CTI) e emails que provam que o Governo deu autorizações de reforço de meios ao longo dos meses (umas a tempo, outras já no dia 16 de Outubro). Vamos por pontos.
Pedido de reforço de 105 equipas a 27 de Setembro: É verdade que a ANPC fez um pedido de reforço de meios humanos para a faseDelta (de 1 a 15 de Outubro) de 105 equipas de bombeiros e que o Governo apenas autorizou 50. Esta versão consta do relatório dos técnicos e é corroborada por documentos.
Autorização de reforço de equipas a 9 de Outubro: Nesta data, a ANPC pediu novo reforço de equipas de bombeiros e o Governo autorizou a mobilização de mais 164 equipas, versão que é corroborada por ambas as partes. No relatório da CTI está dado como autorizado o pedido de dia 9 de Outubro. No contraditório que fez aos jornalistas, Jorge Gomes juntou as duas autorizações (dia 27 e dia 9), sendo que ao primeiro pedido apenas cedeu em parte.
Pedido de 200 horas suplementares para quatro aviões anfíbios a 8 de Setembro: Este pedido foi recusado pelo Governo, de acordo com a ANPC. Contudo, o Governo tinha autorizado outros pedidos anteriores para compra de horas suplementares para aviões anfíbios. A história conta-se assim: o Estado tinha alugado seis aviões médios (Fireboss), quatro dos quais tinham contrato até 5 de Outubro e dois até 31. Contudo, dada a quantidade de incêndios ao longo do contrato de quatro anos, os aviões voaram mais do que era suposto, pelo que em Agosto foi feito um pedido — aprovado — de horas suplementares de voo.
Perante o Verão agressivo, a ANPC fez novo pedido de 200 horas para quatro aviões que tinham ainda contrato até ao dia 5 de Outubro e este já não seguiu caminho. Jorge Gomes diz desconhecer a proposta. Mais tarde, a ANPC fez novo pedido — aprovado — de 70 horas suplementares para dois destes aviões.
Contas feitas, quatro aviões esgotaram, a 23 de Setembro, as horas de voo que tinham adquirido, pelo que a ANPC apenas contava com dois Fireboss a 15 de Outubro.
Pedido de locação de quatro anfíbios médios: É sobre estes aviões que aparecem as diferentes versões entre Governo e ANPC. Parados desde 23 de Setembro, e perante a previsão de risco de incêndio, a Protecção Civil fez um pedido de reforço desta frota a 9 de Outubro, recorrendo à locação de quatro destas aeronaves para o período entre 13 e 31 de Outubro.
De acordo com o que foi dito à CTI pelo segundo comandante, este teria sido um pedido recusado. Contudo, documentos a que o PÚBLICO teve acesso provam que Jorge Gomes pedia estimativa de custos para o aluguer num email de 10 de Outubro. Mas essa estimativa só chegou ao Governo a 16 de Outubro. Este será um dos pontos que não estarão correctos no documento dos peritos, uma vez que o governante deu despacho positivo a 17 de Outubro, um dia depois de os custos lhe terem chegado da ANPC.
Prolongamento de locação de helicópteros até 31 de Outubro: Este é um exemplo de uma autorização que chegou tarde. De acordo com o relatório da CTI, o pedido de locação de oito helicópteros médios até ao final do mês de Outubro, feito no dia 9, foi aprovado. Mas não chegou a tempo. De acordo com os emails, o secretário de Estado deu despacho positivo a este pedido no dia 14 de Outubro (apesar de no email de dia 10 já dizer que concordava com o pedido da ANPC, era necessária a sua formalização), mas esta confirmação só foi dirigida à Protecção Civil dois dias depois, a 16 de Outubro, não tendo estes meios sido utilizados no ataque inicial naqueles dias.
A partir das notas dadas pelo segundo comandante Albino Tavares aos técnicos, Jorge Gomes considerou que algumas informações foram falsas. Da leitura dos documentos que o PÚBLICO fez, ambos os lados têm razão em alguns pontos. Contudo, Jorge Gomes, para se defender, referiu por vezes autorizações diferentes daquelas que eram mencionadas no relatório dos técnicos, sendo difícil provar se as informações que deu estão ou não correctas.
Um dos casos em que as versões batem certo é sobre o pedido de locação de mais quatro helicópteros.