Os dois vencedores das eleições italianas dividem as presidências no Parlamento
Ninguém admite que o acordo alcançado para eleger uma candidata da direita para presidir o Senado e um deputado do M5S para a Câmara seja o prenúncio de um pacto de governo. Mas talvez não haja mesmo alternativa.
Não foi ao primeiro, tinha de ser ao segundo dia, com uma quantidade razoável de drama, ou não estivéssemos a falar de Itália. Depois da inauguração oficial da legislatura, na sexta-feira, marcada por votos em branco e fumo negro nas votações para as presidências das duas câmaras do Parlamento, a coligação de direita, liderada pela Liga, de Matteo Salvini, e o Movimento 5 Estrelas, chefiado por Luigi di Maio, lá conseguiram entender-se.
Na verdade, Salvini (o seu partido obteve 17%, a coligação em que foi o mais votado 37%) e Di Maio (o M5S aproximou-se dos 33%) tinham chegado a acordo há alguns dias, o problema foi mesmo Silvio Berlusconi. O antigo primeiro-ministro, ainda a aprender a viver na realidade pós-4 de Março, um mundo novo em que ele já não é o líder da aliança de direita, insistiu que queria a presidir o Senado Paolo Romani, um candidato vetado pela formação de Di Maio por ter no currículo uma condenação por corrupção.
Durante a tarde de sexta-feira, Salvini ordenou aos seus deputados que votassem noutro nome da Força Itália, de Berlusconi. Foi o suficiente para Berlusconi gritar “traição” e o “fim da unidade da direita”, denunciando o “projecto para um governo Liga-M5S”. Nada que uma noite de sono e mais algumas conversas com Salvini não curassem.
Mais um pormenor: para não parecer que só Berlusconi e a direita estavam a recuar, Salvini teve de convencer Di Maio a deixar cair a sua primeira escolha, Ricardo Fraccaro, apontado como candidato à presidência da Câmara desde sexta-feira. E assim foi possível alcançar uma trégua que alguns comentadores já antecipavam impossível, depois da explosão de Berlusconi.
“É um óptimo resultado para nós”, afirmou o ex-chefe de governo depois da eleição de Maria Elisabetta Alberti Casellati para a presidência da câmara alta.
Afinal, Casellati não é só senadora da bancada do seu partido como é desde sempre umas das suas mais leais seguidoras. Advogada e docente universitária, duas vezes secretária de Estado adjunta (Saúde e Justiça) nos seus governos e, acima de tudo, uma das autoras e defensoras de um conjunto de legislação votada pela direita para salvar Berlusconi, tanto dos seus conflitos de interesses como dos processos em que era acusado – as chamadas leggi ad personam.
Primeira mulher
Casellati é também a primeira mulher de sempre a presidir ao Senado italiano, razão pela qual teve direito a um aplauso de pé de todas as bancadas, incluindo a do centro-esquerda do Partido Democrático (grande derrotado nas eleições de 4 de Março, com menos de 19% e o pior resultado da sua história).
Na Câmara dos Deputados, sai uma mulher, Laura Boldrini (ex-porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, eleita em 2013 como independente nas listas do entretanto desaparecido SEL – Esquerda, Ecologia e Liberdade), e entra um dos peso-pesados do M5S, Roberto Fico.
Membro da ala mais à esquerda do movimento fundado por Beppe Grillo, Fico costuma ser descrito como mais “grillista que Grillo” e chegou a ter divergências com o actual líder, Di Maio. Problemas que se terão resolvido nos últimos meses, com a intensa e bem-sucedida campanha eleitoral, culminando no abraço apertado que se seguiu à sua eleição.
“Agradeço-vos a confiança, vou honrar o meu cargo com a máxima imparcialidade e o máximo rigor”, prometeu o napolitano. Na primeira intervenção no palácio de Montecitorio, Fico afirmou que a sua prioridade será cortar os custos da política. “Não permitirei atalhos nem ataques no debate parlamentar”, acrescentou ainda.