Um em cada cinco enfermeiros diz sofrer de sintomas de depressão grave
A maioria dos profissionais tem uma percepção negativa da sua saúde mental, revela estudo do Instituto de Ciências da Saúde. Entre os enfermeiros, 12,6% dizem utilizar habitualmente ansiolíticos e 11,9% antidepressivos.
Os enfermeiros estão cansados, a maioria faz uma avaliação negativa da sua saúde mental e um em cada cinco diz sentir sintomas de depressão grave. Estas são algumas das conclusões do estudo A Saúde Mental dos Enfermeiros, que refere também que os profissionais que trabalham por turnos e os que têm menos fins-de-semana livres se sentem pior.
Os dados são apresentados nesta sexta-feira na Universidade Católica, em Lisboa, naquele que é o segundo dia de greve marcado pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses que contesta a falta de condições de trabalho e a ausência de contratações.
Os resultados têm por base um inquérito disponibilizado online, entre 27 de Maio e 31 de Julho de 2017, a que responderam 1264 enfermeiros. Número suficiente para assegurar a representatividade da classe (em 2016 estavam inscritos na Ordem 69.486 enfermeiros), diz o coordenador do estudo, desenvolvido pelo Instituto de Ciências da Saúde, feito em colaboração com mais dois investigadores.
“Não tínhamos em Portugal nenhum estudo com esta dimensão sobre a saúde mental dos enfermeiros. Sabemos que o burnout elevado, a exaustão e o sentimento de falta de realização têm uma ligação com a percepção do estado de saúde da pessoa. E que esta percepção se relaciona com a qualidade e a segurança dos cuidados de enfermagem que prestamos às populações e por isso quisemos fazer este retrato”, explica Paulo Seabra.
O também professor e enfermeiro especialista em saúde mental assume ter ficado impressionado com os resultados. “Destacaria primeiro a dimensão dos que têm uma percepção negativa da sua saúde mental, 60% é um número muito marcante”, afirma, salientando outras como os 94,1% de enfermeiros que têm a percepção de sofrer de disfunção social e os 76% que dizem sofrer de ansiedade e insónia.
Há ainda um outro valor que destaca: “22,2% têm a percepção de sofrer de sintomas de depressão grave. Estamos a falar de um instrumento que não mede só humor, mas indicadores relacionados com questões mais complexas. É um número acima da média da população em geral.” Segundo o último relatório da Direcção-Geral da Saúde, Saúde Mental em Números 2017 que se refere a dados do ano anterior à publicação, 9,3% dos utentes inscritos nos centros de saúde tinham perturbações depressivas.
Paulo Seabra não estranha por isso que 12,6% dos enfermeiros utilize habitualmente ansiolíticos, 11,9% antidepressivos e 12,3% use indutores do sono/hipnóticos. Valores que diz estarem em linha com os da população geral.
Turnos pioram saúde
Os inquiridos tinham entre os 22 e os 64 anos sendo a maioria mulheres. Estão também em maioria os que não vivem sozinhos e os que trabalham nos hospitais. O mais frequente é exercerem funções há pelo menos 11 anos. A caracterização dos participantes mostra ainda que grande parte trabalha apenas num local, 58,5% faz turnos e a maioria tem seis folgas por mês. Já a mediana de fins-de-semana livres é de um por mês.
O investigador explica a escolha da mediana em vez da média, referindo que desta forma há um ajustamento das respostas extremas, tornando o resultado mais fiável.
Quase metade dos inquiridos tem uma especialidade, mas destes 61,5% não a exerce. O que faz olhar para uma outra dimensão que o trabalho mostra. Quem trabalha por turnos e tem menos fins-de-semana livres tem pior saúde mental, os sintomas de depressão grave aumentam com a idade e com o tempo de trabalho. Quem trabalha nos hospitais tem mais sintomas negativos de saúde (como falta de energia ou dores de cabeça) e quem tem especialidade e não a exerce têm menos saúde mental. Dentro dos especialistas, são os enfermeiros obstetras que se sentem pior.
Paulo Seabra assume que o estudo tem algumas limitações como não questionar os enfermeiros sobre a dotação de profissionais dos seus serviços ou a remuneração que recebem, o que também pesa na forma como se sentem. Mas afirma que os resultados apurados são “claramente um sinal de alerta”. “Estes dados servem para os decisores pensarem na questão organizacional. Há contextos da prática que estão a influenciar o bem-estar. E para prestar bons cuidados, os profissionais têm de estar bem.”