Políticos podem vir a responder criminalmente pelos incêndios de Outubro
Investigações ainda sem arguidos. Relatório da Comissão Técnica Independente será determinante para o desenrolar dos inquéritos em investigação.
Ainda é uma hipótese que terá que ser devidamente analisada e avaliada, mas que não está excluída. Tanto responsáveis operacionais como responsáveis políticos podem vir a responder criminalmente pelos incêndios que devastaram essencialmente a zona Centro entre 14 e 16 de Outubro de 2017 e que resultaram na morte de 48 pessoas. A hipótese é admitida por uma fonte ligada às investigações, que sublinha a importância da análise detalhada do relatório da Comissão Técnica Independente para o desenrolar dos inquéritos.
Neste momento, os vários inquéritos existentes não têm arguidos constituídos, confirma a Procuradoria-Geral da República, que reconhece igualmente que o relatório dos peritos "será considerado no âmbito das investigações em curso, sem prejuízo de outros procedimentos".
Em causa poderá estar, por exemplo, o crime de homicídio por negligência devido à recusa de reforço de meios de combate ou à omissão em pré-posicionar recursos humanos e materiais, medidas que poderiam ter minimizado o impacto dos incêndios.
Recorde-se que os peritos defendem que deveria ter sido "estabelecido o Estado de Calamidade Preventiva" tal como foi declarado em Agosto, e que os meios de combate deveriam ter sido pré-posicionados nas zonas de maior risco. Os técnicos criticam igualmente a desmobilização de meios, dando conta que houve vários pedidos de reforço feitos por responsáveis da Autoridade Nacional de Protecção Civil que foram negados por parte do Ministério da Administração Interna.
"Perante as condições meteorológicas de Outubro poderia (deveria) ter-se antecipado o aumento do número de ignições e, por isso, poderia ter-se actuado, com medidas robustas de pré-posicionamento e de pré-supressão, de forma a prevenir o que era esperado", dizem os técnicos.
Vários inquéritos-crime
Os cerca de dez inquéritos-crime estão dispersos por diferentes departamentos do Ministério Público, já que houve incêndios com início em oito distritos diferentes (Viana do Castelo, Braga, Aveiro, Leiria, Viseu, Guarda e Castelo Branco), apesar de a parte principal da investigação estar concentrada na Polícia Judiciária de Coimbra. O Ministério Público pondera, no entanto, juntar alguns dos inquéritos, já que em diversas situações os fogos acabaram por se juntar.
Logo após os incêndios foram realizadas algumas diligências, nomeadamente, para apurar o ponto de ignição dos fogos, mas as investigações ficaram depois a aguardar pelo trabalho da Comissão Técnica Independente que analisou em detalhe a progressão de cada um dos fogos e a forma como morreram as vítimas. Esse trabalho pericial, entregue esta terça-feira pelo presidente da comissão de peritos no Parlamento, deverá agora acelerar as investigações em curso.
O próprio relatório dá conta que em dois dos dez casos avaliados a causa do incêndio foi considerada negligente, em quatro intencional e outros quatro resultaram de reacendimentos. Avança-se que o fogo da Lousã, o maior de todos, terá sido provocado pela queda de uma árvore sobre uma linha de média tensão e refere-se que tal pode “resultar do não cumprimento do regulamento de segurança das linhas eléctricas pela entidade gestora, a EDP, em particular da distância mínima de segurança dos condutores às árvores”. A EDP Distribuição rejeita essa possibilidade, garantindo que os sistemas de monitorização de que dispõe lhe permitem “afirmar inequivocamente que não ocorreu qualquer incêndio associado a queda de árvores sobre a rede na zona da Lousã”.