Comissão quer mais acção do Facebook no combate ao ódio
Organismo que recebe queixas de discriminação racial registou mais 60 participações em 2017 do que no ano anterior.
A Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) registou 179 participações no ano passado, o que significa um aumento de cerca de 50% em relação ao ano anterior. Os conselheiros querem agora sensibilizar o Facebook para a necessidade de aumentar e afinar o combate ao discurso de ódio.
O número de participações, queixas e denúncias – consoante tenham sido remetidas por outras entidades, pelas vítimas, ou por terceiros – oscilou ao longo de uma década (andava pelos 85 em 2005/2006, caiu de 78 para 60 entre 2012 e 2013, subiu de 60 para 84 entre 2014 e 2015) e iniciou uma tendência de crescimento nos últimos anos. Registaram-se 119 em 2016 e 179 em 2017.
O alto comissário das Migrações, Pedro Calado, escusou-se a explicar o que pensa sobre este assunto. Por email, o seu gabinete relacionou o aumento de ocorrências registadas pela CICDR com a “maior consciencialização para a problemática da discriminação racial e étnica. E com “o reconhecimento, por parte dos interessados, dos recursos ao seu dispor” para se queixarem de tais práticas.
Há episódios que deram origem a várias queixas. É o caso das declarações de André Ventura, enquanto candidato do PSD à Câmara de Loures, ao jornal online Notícias ao Minuto e ao jornal i. E das do eurodeputado do PS Manuel dos Santos no Twitter, referindo-se a Luísa Salgueiro, deputada do PS e então candidata à Câmara de Matosinhos, de forma pejorativa como “a cigana, e não é só pelo aspecto”.
“A ciganofobia é transversal na sociedade portuguesa”, comenta Mamadu Ba, representante do Bloco de Esquerda na CICDR. “Está presente em todas as faixas etárias e em todas as classes sociais. Não é apenas uma questão de ideologia, já se tornou numa cultura”, salienta. Mesmo entre pessoas que se situam no espectro político progressista, ouve “declarações vergonhosas sobre ciganos”. E isto, em seu entender, só se resolve com uma lei dissuasora e com políticas públicas.
A quantidade de queixas motivadas por discriminação através da Internet está a crescer desde 2012. E isso inquieta os conselheiros.
“Nesta comissão, presidida pelo alto comissário, com representantes dos vários grupos parlamentares e da sociedade civil, estamos muito preocupados, muito preocupados mesmo”, afiança Olga Mariano, representante das comunidades ciganas. “Isto tem de ser trabalhado a nível de cargos superiores. Isto tem de ser debatido a nível da Assembleia da República, a nível do Alto Comissariado para as Migrações (ACM), a nível da Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade.”
Na última reunião, que decorreu a 12 de Março, os conselheiros mandataram o presidente para contactar o Facebook em Portugal. Não por acaso. Esta é rede social mais utilizada em Portugal.
Código de conduta
Incentivados pela Comissão Europeia, no dia 31 de Maio de 2016, o Facebook, o Twitter, o Youtube e a Microsoft assinaram um código de conduta. Comprometeram-se a rever em menos de 24 horas a maior parte das notificações relativas a discurso de ódio e a retirar ou a impossibilitar o acesso a tais conteúdos.
“O Facebook elimina discurso que incentiva o ódio, o que inclui conteúdo que ataca directamente as pessoas com base nos seguintes aspectos: raça, etnia, nacionalidade, religião, orientação sexual, sexo ou identidade sexual, ou deficiências ou doenças graves”, lê-se na área reservada aos “padrões da comunidade”. O que não quer dizer que o humor ou a sátira estejam banidos.
Havendo uma denúncia, não basta atender ao conteúdo. Há que avaliar também o contexto e a intenção, o que implica ter em conta a geopolítica, interpretar os aspectos linguísticos e culturais. Já por isso, a empresa tem estado a aumentar o número de operadores de comunidades. E os conselheiros acham importante aumentar e afinar a resposta.
Dentro de dias, dever-se-á saber quantas queixas envolvem esta rede social. Neste momento, a CICDR está a acabar o relatório anual, que deverá ser remetido à Assembleia da República até ao final do primeiro trimestre. Por isso, o ACM não adianta dados sobre caracterização e desfecho.
A experiência mostra que muito do que chega à CICDR se perde na categoria “incompleto, incorrecto, infundado”. E outro tanto é encaminhado para outras instâncias como a Autoridade para as Condições do Trabalho, a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, o Instituto Português do Desporto e Juventude, a Entidade Reguladora para a Comunicação, ou, em caso de crime, o Ministério Público (MP). O caso mais mediático do ano passado, que envolveu André Ventura, foi reencaminhado para o MP e acabou por ser arquivado.