Rede europeia contra racismo retrata discriminação no emprego em Portugal
No Dia Mundial contra o Racismo, rede europeia sublinha que afrodescendentes e ciganos em Portugal são excluídos e têm menos oportunidades. Investigadora portuguesa queixa-se de ausência de dados que permitam traçar retrato mais pormenorizado.
Insegurança no trabalho, sobre-representação em profissões de baixas qualificações, salários mais baixos, menos oportunidades de ser promovido no emprego e de estar protegido pela Segurança Social. Em traços largos, estas são as características de desigualdade no emprego que afectam a população afrodescendente em Portugal, segundo um relatório publicado nesta quarta-feira, no Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, pela European Network Against Racism (ENAR). A ENAR é uma rede pan-europeia de advocacia pela igualdade racial e facilitação de cooperação dos vários actores anti-racismo na sociedade civil.
Em foco está também a comunidade cigana que, segundo dados da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas citados pela ENAR, continua a ser alvo de racismo individual e institucional e a ser excluída do mercado por “não ter as qualificações académicas ou laborais necessárias”: “E mesmo quando encaixam nas qualificações requeridas há um preconceito generalizado sobre a sua suposta capacidade de trabalho e compromisso”, escrevem no documento.
A ENAR traça um retrato da discriminação no emprego em 23 países da União Europeia nos últimos cinco anos, incluindo Portugal. Nele acrescenta-se que num país como Portugal, em que o desemprego afecta mais os jovens, essa situação é particularmente preocupante no caso dos imigrantes, grupo populacional que tende a ter mais pessoas jovens do que a generalidade da população portuguesa.
O retrato sobre Portugal, elaborado por Iolanda Évora, investigadora no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), recorda que em 2016 os estrangeiros representavam 3,8% dos desempregados, ou seja, um total de quase 22 mil pessoas. Desses, 53,4% eram mulheres. Sublinha que os imigrantes não-europeus são os que, de acordo com o relatório anual de estatísticas do Alto Comissariado para as Migrações, recebem salários mais baixos, e os estrangeiros dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa os que têm menos qualificações.
Ao PÚBLICO a investigadora refere ter tido "dificuldade em recolher informação" porque as instituições que lidam com questões laborais não têm dados desagregados sobre discriminação étnico-racial e para o período que o relatório cobre há falta de informação. Por isso, teve que recorrer aos casos retratados nos media. Outro exemplo que espelha as dificuldades: o facto de não se saber o número de domésticas afrodescendentes, "mas sabemos que têm uma presença significativa nesta categoria profissional". Isto é significativo porque "trata-se de uma esfera em que todas as suas questões estão invisibilizadas, mas em que a própria lei ainda acentua mais essa invisibilização: se há uma queixa, a inspecção do trabalho não pode entrar em casa das pessoas para averiguar, porque se trata de espaço privado."
Iolanda Évora sublinha que em relação à situação das mulheres ciganas e muçulmanas no mercado laboral a informação é quase nula: "Sabemos apenas de casos avulsos."
Pouco mudou desde último relatório da ENAR
A discriminação atravessa todos os países europeus analisados. O documento começa aliás por exemplificar com o resultado de alguns testes: na Bélgica os candidatos com nomes estrangeiros tinham 30% menos de hipóteses de serem entrevistados comparando com perfis idênticos mas com nomes nacionais; na Holanda, em 2015, num total de 30 agências de recrutamento três em quatro concordaram em escolher apenas empregados brancos para um festival fictício chamado Danças Holandesas.
Pouco mudou desde o último relatório da ENAR dedicado à discriminação no trabalho em 2012-2013, afirma Ojeaku Nwabuzo, coordenadora da pesquisa. “As pessoas que estão em posições de poder, e de implementar as recomendações, não estão a tornar isso numa prioridade”, comenta sobre recomendações que têm feito e não foram seguidas.
A organização faz também uma monitorização, não-oficial, da chamada Directiva Raça de 2000, que Portugal ratificou e implementa o princípio de igualdade de tratamento. Mas “é preciso mais do que apenas legislação”, afirma. “Para nós a área laboral é crucial. Depois de ingressar no mercado de trabalho, as outras desigualdades podem ser menorizadas”.
Embora os critérios usados para aferir as desigualdades e as discriminações não sejam iguais em todos os países em foco, a discriminação é transversal: “Uma vez num emprego, as minorias raciais e étnicas encontram múltiplos obstáculos incluindo incidentes racistas no local de trabalho, disparidades salariais, exploração”, refere um comunicado emitido por esta organização.
Ojeaku Nwabuzo sublinha que em relação a Portugal se a maioria das mulheres em geral já ganha menos do que os homens e está em maior desvantagem do que a média europeia, no caso das mulheres migrantes e ciganas esse fosso acentua-se. Por isso é necessário que os poderes políticos estejam atentos a estes grupos populacionais.
Deixa um olhar sobre Portugal: “À superfície, parece haver alguma vontade política de reconhecer a discriminação racial mas a discriminação no terreno, na prática, é tão significativa como em qualquer outro país.”