Exportações portuguesas para Luanda caíram 11% desde eleições em Angola

Venda de bens a Luanda tinha invertido tendência de queda no final de 2016, mas voltou a descer a partir de Agosto, mês das eleições presidenciais e no meio de um clima de arrefecimento das relações institucionais.

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Angola já foi o quarto maior cliente de Portugal, hoje é o oitavo REUTERS/Herculano Coroado
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João Lourenço ganhou as eleições em Agosto de 2017, sucedendo a José Eduardo dos Santos REUTERS/Stephen Eisenhammer

As exportações de bens para Angola voltaram a cair depois de um curto ciclo de recuperação, com o valor a encolher 11% desde Agosto, o mês em que se realizaram as eleições que colocaram João Lourenço na liderança deste país africano em substituição de José Eduardo dos Santos.

De acordo com os dados do INE, em Setembro do ano passado houve uma variação homóloga negativa de 5%, o que representou um ponto final na tendência de recuperação que se verificava desde Novembro de 2016 – isto após quase dois anos de quebra de exportações.

O caso de Setembro até podia ser um caso isolado, mas não foi. Desde essa data, só em Outubro é que houve um mês positivo, com os últimos cinco meses a representarem a referida queda de 11%, equivalente a 93 milhões de euros (os dados de Janeiro foram divulgados na semana passada, confirmando o ciclo negativo). 

Além da coincidência temporal, não é possível fazer uma relação de causa e efeito entre a chegada de João Lourenço ao poder, num clima de arrefecimento das ligações institucionais, e a queda das exportações portuguesas para este país. Mas a descida das vendas mostra certamente que as ligações económicas já foram mais fortes, numa fase em que as relações entre Luanda e Lisboa vivem um momento de tensão.

No seu discurso de tomada de posse, a 26 de Setembro, João Lourenço não mencionou Portugal, ao contrário de outros parceiros menos expressivos, como Espanha. E, depois, disso, foi muito claro ao afirmar que Manuel Vicente, ex-presidente da petrolífera Sonangol e número dois de Eduardo dos Santos, não devia estar a ser julgado pelas autoridades portuguesas por suspeita de corrupção no âmbito da Operação Fizz, cabendo esse papel a Luanda. No início de Janeiro, afirmou mesmo que via esta situação como “uma ofensa”.

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Dificuldades e concorrência

Questionado pelo PÚBLICO sobre se haveria uma relação entre o mau clima diplomático e mau clima comercial, o economista angolano Alves da Rocha sublinha que “ligar o ciclo político (relações tensas com Portugal) com o ciclo das importações angolanas provenientes de Portugal pode ser um bocado arriscado”. “É verdade”, diz, “que as exportações portuguesas para Angola têm diminuído”, mas isso “também aconteceu no passado em determinadas épocas (trimestres ou semestres)”.

"Apesar de Eduardo dos Santos ter denunciado a parceria estratégica Angola/Portugal e de João Lourenço nem sequer ter mencionado Portugal na sua tomada de posse - sem dúvida duas posições políticas relevantes, com eventuais efeitos perversos sobre as exportações portuguesas para Angola -, penso que as relações comerciais de Angola, com todos os países com quem se relaciona, são comandadas pelos atributos do mercado em economia livre e de mercado, ou seja, qualidade e preços”, destaca.

Este economista, director do centro de estudos e investigação científica da Universidade Católica de Luanda, refere que as dificuldades financeiras do país, ao nível das receitas fiscais e de divisas, ainda “são enormes”. “Embora desconheça qual o peso dos transportes das importações provenientes de Portugal, o mercado interno começa a ter muita mercadoria oriunda da África do Sul (mais perto), da China (relações políticas privilegiadas) e do Brasil (novas linhas de crédito para importação de bens e serviços). Mas será bom que as autoridades portuguesas e os seus empresários se cuidem”, diz Alves da Rocha.

Já João Traça, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola, afirma que “a variação que se regista nas exportações é uma consequência directa da actual crise da economia angolana”. “As exportações provenientes de Portugal”, defende, “continuam a ser muito bem aceites no mercado angolano”. Enquanto exportador, Portugal compete com a China pelo lugar de maior fornecedor de Angola.

De acordo os dados do INE, os sectores mais afectados em 2017 pelo novo arrefecimento comercial foram os produtos alimentares e as pastas celulósicas e papel. No primeiro semestre, a exportação de alimentos (o quarto maior grupo em valor) estava a crescer 34% mas acabou por fechar o ano com uma queda de 1,3%. Já pasta e papel passou de +20,8% para -10,6%.

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Em termos globais, se no final de Junho havia um crescimento de 47% nas exportações para Luanda, o ano de 2017 fechou ao fim com uma subida de 19% (avaliada em 283 milhões de euros), após o impacto negativo dos últimos meses. E, se em 2014 Angola era o quarto maior mercado para os produtos portugueses, agora está na oitava posição, depois de países como os EUA, Holanda e Itália.

Em relação a este ano, e com o barril de petróleo a subir para um nível mais confortável, a rondar os 65 dólares, o FMI prevê que a economia angolana cresça 2,2%, uma aceleração face aos 1% de 2017. Este país africano “está a observar uma ligeira recuperação económica”, afirmou a instituição num comunicado divulgado sexta-feira.

Cimeira em Lisboa sem data

Para ajudar a normalizar as relações institucionais entre os dois países, estava prevista para o próximo dia 27 uma cimeira entre empresários portugueses e angolanos, em Lisboa, organizada pela Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola. A cimeira conta com o apoio do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e, segundo o Expresso, teria a presença de responsáveis políticos dos dois países.

No entanto, conforme noticiou o Jornal de Negócios, o evento acabou por ser adiado, sem que haja uma nova data. “Estamos a trabalhar com todas as partes envolvidas para que o evento se realize o mais cedo possível. Infelizmente ainda não temos nova data para anunciar”, afirmou ao PÚBLICO João Traça.

O adiamento foi justificado pelo facto de, no dia 27, haver também o África CEO Fórum, em Abidjan, Costa do Marfim, onde vão estar responsáveis de empresas angolanas. "Sem empresários angolanos a cimeira não fazia sentido", defendeu João Traça ao Negócios. Na véspera, entre 25 e 26 de Março, João Lourenço vai receber o chefe do Governo espanhol, Mariano Rajoy.

A visita oficial surge a convite do presidente angolano, e visa, diz a agência espanhola Efe, “fortalecer as relações políticas e económicas”, que têm “um enorme potencial”. A agenda de Rajoy envolve também encontros com empresários dos dois países. Nada do mesmo género, ou que envolva ministros portugueses, está previsto neste momento.

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