Prazo de Barreiras Duarte esgota-se: ou sai por si ou Rio desiste dele
Uma semana era o prazo “razoável” para o secretário-geral apresentar demissão. Depois do currículo corrigido, ontem soube-se que declarou uma morada no Bombarral, quando vivia em Lisboa, e recebeu subsídio de deslocação da AR. Dentro do PSD receia-se que os alvos não fiquem por aqui.
Não pode durar mais o impasse na cúpula do PSD: ou Feliciano Barreiras Duarte apresenta este domingo a sua demissão de secretário-geral do partido ou é Rui Rio quem lhe indica o caminho de saída. A mensagem diplomática deixada no sábado por Manuel Castro Almeida, numa entrevista à Antena 1, dificilmente podia ser mais clara: o caso sobre o currículo corrigido e a sequente investigação aberta pelo Ministério Público envolvendo Feliciano “não pode durar muito” e “já está a durar algum tempo”. O vice-presidente social-democrata acrescentou que o secretário-geral devia ponderar se tinha "ou não condições" para se manter no cargo, e disse ter a certeza de que ele estaria "a avaliar" se as tinha.
O antigo autarca, que é amigo pessoal de Rui Rio, gravara a entrevista na sexta-feira, antes de se conhecer também o caso dos subsídios de deslocação que Feliciano recebeu durante nove anos do Parlamento, por declarar uma morada no Bombarral, a mais de 80 quilómetros de Lisboa onde, de facto, residia. Questionado sobre o que faria se o caso do currículo se passasse consigo, Castro Almeida respondeu, categórico: “Isto não aconteceria comigo.”
O PÚBLICO apurou que, quando o caso do currículo estalou, dentro da equipa da direcção de Rui Rio se considerou que uma semana seria o prazo “razoável” para que o assunto de Feliciano se resolvesse. Essa semana terminou neste sábado e, até à hora de fecho desta edição, não havia qualquer decisão.
Há o entendimento generalizado de que uma decisão, seja do próprio Feliciano ou, na sua ausência, do presidente do PSD dificilmente passará deste domingo. Mas Feliciano tem procurado evitá-la, a ponto de não atender o telefone a diversos dirigentes próximos de Rio e nem mesmo ao presidente do partido.
Apesar dessa condescendência de uma semana, para que Feliciano resolvesse o assunto, o passar dos dias não trouxe acalmia nem explicações sobre as polémicas envolvendo o antigo secretário de Estado de Passos Coelho, de Santana Lopes e de Durão Barroso. Pelo contrário: depois do currículo com declarações erradas noticiado pelo semanário Sol no dia 10, o jornal digital Observador revelou neste sábado o caso das ajudas de custo e subsídio de deslocação que o deputado recebeu da Assembleia da República por declarar a morada fiscal no Bombarral, quando na verdade residia com a família em Lisboa, como declarou ao Tribunal Constitucional, assinalando um imóvel da Avenida de Roma como residência permanente.
Feliciano explicou ao jornal, com simulações de valores, que por ser eleito pelo círculo de Leiria teria sempre direito a esses valores para as deslocações de contacto com o eleitorado, ao passo que a soma das deslocações e presenças no Parlamento declarando a morada em Lisboa teriam uma diferença de apenas 10 euros por mês.
A somar aos dois casos, há ainda o anúncio de a Procuradoria-Geral da República ter remetido para inquérito no Departamento de Investigação e Acção Penal o caso do currículo, e o pedido da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) ao seu Conselho Científico para analisar se o estatuto errado de visiting scholar (investigador visitante) em Berkeley foi essencial para o dispensar das aulas do doutoramento e se este terá que que as frequentar. Foi na UAL que Feliciano defendeu a tese de mestrado que já fazia referência à sua pretensa passagem pela universidade californiana.
Para além de algumas explicações contraditórias que deu e que foram desmentidas pela Universidade da Califórnia, Feliciano disse a meio da semana que a direcção do PSD lhe manifestou “confiança”, “reforçada” nestes dias complicados, quando na verdade Rui Rio, nas aparições públicas e numa entrevista à RTP2, se limitou a dizer que Feliciano já dera explicações sobre o assunto ou preferiu recusar-se liminarmente a comentar o caso do currículo.
O deputado foi sendo pressionado durante a semana por dirigentes do PSD e amigos a demitir-se, por bom senso e respeito para com Rio, o resto da equipa e o partido. A sua situação começou a ficar insustentável também dentro da bancada parlamentar. Depois de dois anos e meio em que tinha apenas duas faltas justificadas aos plenários com trabalho político (uma delas na véspera do último congresso do partido), Feliciano Barreiras Duarte faltou nesta semana tanto na quarta-feira – ao plenário e à Comissão de Trabalho e Segurança Social, a que preside e que nesse dia recebeu o ministro das Finanças - como na sexta-feira e no site do Parlamento não está identificada ainda qualquer justificação para ambas as faltas.
Este sábado, apesar de recusar comentar os casos do currículo e dos subsídios do Parlamento a Feliciano e de ter dito que não se pronunciava sobre a vida partidária, o Presidente da República, líder do PSD entre 1996 e 1999, questionado pelos jornalistas durante uma visita à Futurália, sublinhou ser “muito importante que haja partidos fortes (…) quer da área do Governo quer os da oposição”, sobretudo “a um ano e um mês das primeiras eleições” de 2019, as europeias.
Quem será o próximo?
Em comunicado, há dias, Feliciano Barreiras Duarte queixava-se que o caso estava a afectar a sua vida pessoal e familiar e que estava a ser alvo de uma “campanha ignominiosa” que pretendia também atacar a direcção do PSD, em particular Rui Rio.
E é nisso que se acredita nas equipas de topo do partido quando olham para o último mês – que os “incidentes”, como lhes chama Castro Almeida, são uma acção concertada e sistemática. O que deixa os dirigentes do PSD preocupados é o modus operandi - os casos chegam a público e às instâncias judiciais através de denúncias anónimas – e a suspeita de que isto pode não ficar por aqui, acreditando-se que todas as vidas estarão a ser “vasculhadas”.
O secretário-geral Feliciano Barreiras Duarte foi o terceiro alvo do novo núcleo duro da Comissão Política Nacional de Rui Rio. Os primeiros foram os vice-presidentes Elina Fraga e Salvador Malheiro. Ambos estão a ser investigados pelo Ministério Público: a primeira pela gestão financeira da Ordem dos Advogados, quando era bastonária; o segundo por adjudicações no valor de 2,2 milhões de euros relativas à instalação de relvados sintéticos em clubes de Ovar, a cuja câmara preside, à empresa de um militante do PSD que entretanto se tornou vereador.
Os outros vice-presidentes da Comissão Política Nacional presidida por Rui Rio são o antigo ministro David Justino, Isabel Meirelles (professora universitária e jurista, foi candidata à Câmara de Oeiras em 2009), o ex-autarca e antigo secretário de Estado Manuel Castro Almeida, e o ministro de Durão Barroso e de Pedro Santana Lopes, Nuno Morais Sarmento.
“Eu assumo que as coisas não estão a correr bem. (...) Este período de adaptação tem tido alguns incidentes dispensáveis. Alguns são naturais, próprios de um período de arranque, outros eram dispensáveis”, dizia Manuel Castro Almeida à Antena 1.
Com a saída de Feliciano, a direcção terá que propor um novo secretário-geral ao conselho nacional, o órgão máximo do PSD entre congressos, que convocará uma reunião para a votação secreta.