Até a rainha de Inglaterra ganhava menos do que o príncipe em The Crown
“Doravante, ninguém ganha mais do que a rainha”, garante produtora da série milionária do Netflix numa altura em que o efeito Frances McDormand começa a fazer-se sentir em Hollywood.
É uma das séries mais caras da actualidade e tem o protagonismo feminino no título: The Crown, a megaprodução Netflix sobre o longo reinado de Isabel II em Inglaterra, pagou até agora mais ao príncipe Filipe, ou seja ao actor Matt Smith, do que à própria rainha, ou seja à protagonista Claire Foy. Os produtores da série revelaram agora esta disparidade salarial e também a decisão de a corrigir. A notícia surge numa altura em que o efeito do Óscar de Frances McDormand se começa a fazer-se sentir nas produtoras americanas.
O momento MeToo originou o movimento Time’s Up, colocando com mais ênfase em cima da mesa as exigências de paridade salarial entre homens e mulheres em Hollywood que eram, aliás, uma das queixas públicas de actrizes como Patricia Arquette, Meryl Streep ou Cate Blanchett nos anos anteriores ao escândalo Weinstein. É neste contexto que a produtora executiva de The Crown, Suzanne Mackie, vem agora admitir que nas primeiras duas temporadas Matt Smith, o co-protagonista de Foy, foi mais bem pago do que a actriz que se tornou uma estrela graças à série do Netflix. A notoriedade prévia de Smith, que vinha do fenómeno Dr. Who, seria a justificação para o seu salário mais elevado. Segundo a imprensa britânica, Foy terá recebido 31.500 euros por episódio nas duas temporadas que protagonizou; não é conhecido o valor do ordenado de Matt Smith.
“Doravante, ninguém ganha mais do que a rainha”, garantiu esta terça-feira, numa conferência do mercado televisivo em Israel, a directora da produtora Left Bank, co-responsável por esta série britânica que o Netflix estreou em 2016 e que vai para a sua terceira temporada — aquela em que Foy passará a coroa à actriz Olivia Colman. O futuro Filipe ainda não é ainda conhecido.
As declarações de Suzanne Mackie foram proferidas na INTV Conference, em Jerusalém, e têm particular impacto sabendo-se que a série, uma das mais prestigiadas do Netflix, realizada por Stephen Daldry e escrita por Peter Morgan, deu precisamente a Foy o principal reconhecimento — foi nomeada para um Emmy, para um Globo de Ouro e para o prémio do Sindicato dos Actores nos EUA. E também porque a série contará com um orçamento por temporada de 100 milhões de libras (112 milhões de euros).
O tema da paridade salarial é apenas uma das alíneas da renegociação das condições de trabalho no tempo pós-Weinstein, um escândalo de assédio e violência sexual laboral que teve réplicas em todo o mundo. No discurso com que aceitou o Óscar de Melhor Actriz há pouco mais de uma semana, Frances McDormand terminou a sua mensagem com “duas palavras: inclusion rider”. Palavras que primeiro intrigaram e depois influenciaram a indústria. O termo diz respeito ao peso decisivo que uma estrela, seja ela um actor ou um realizador ou produtor, por exemplo, pode ter na inclusão de cláusulas contratuais que garantam a diversidade num dado projecto. Ou, no fundo, à necessidade de tornar a diversidade uma questão formal e contratual ao invés de casual ou filosófica.
Nos últimos dias, as produtoras de Matt Damon e Ben Affleck (Pearl Street), mas também de Paul Feig (Feigco Entertainment) e de Michael B. Jordan (Outlier Society) anunciaram que vão adoptar esse modelo de trabalho para aumentar a diversidade nos filmes e séries que produzam.
A expressão teve de ser explicada na madrugada do domingo de Óscares porque remonta a uma ideia propalada em 2014 por Stacy Smith, apresentada como “uma cláusula de equidade” num texto de opinião na revista especializada The Hollywood Reporter. Smith é directora da Annenberg’s Media, Diversity & Social Change Initiative da Universidade da Califórnia Sul, de onde provêm vários estudos sobre a falta de igualdade à frente e atrás das câmaras em Hollywood.