Carta a uma Nova Iorque desaparecida
Foi uma cidade de desesperados em fuga, agora é um produto a consumir. O que é feito da rebeldia? A pergunta é de Jeremiah Moss. Em Vanishing New York alerta para um fenómeno global: a gentrificação das metrópoles. Uma viagem pelas “ruínas” de uma urbe. Os guias são os seus protagonistas.
Num domingo do final de Janeiro, Jeremiah Moss atravessou a Rua 23, em East Village, Nova Iorque, entrou na Primeira Avenida e sentou-se na barbearia do costume. Cortou o cabelo ruivo e fez a barba. Na rádio tocava Frank Sinatra. “Em momentos assim sinto-me muito ligado à cidade”, diz. Mas de cada vez que cruza a Rua 23 até à Primeira Avenida teme encontrar fechada a sua barbearia do costume; corre o risco de fazer parte de uma estatística que, para Jeremiah, simboliza o estertor da alma de Nova Iorque: todos os meses desaparecem mil pequenas lojas numa cidade que descreve como tendo sido construída por desesperados em fuga de um lugar que os desalentou e que agora é apenas a cidade dos que procuram a experiência urbana e o dinheiro que ela pode gerar.
Jeremiah não se chama assim. Ele é Griffin Hansbury, tem 46 anos, mas foi o pseudónimo Jeremiah Moss que lhe deu a liberdade para criar um blogue onde alertou, denunciou, fez campanhas solidárias, chamou a atenção para a mudança que estava a esvaziar Nova Iorque da sua essência. “Jeremiah era a personagem de um romance que escrevi. O romance foi um meio de expressar o que estava a sentir ao observar a cidade. Achei essa persona muito útil por me dar um lugar, quase um abrigo, onde guardar sentimentos e observações. Mas quando criei o blogue não estava a pensar num grande projecto. Queria apenas fazer qualquer coisa, mas cresceu muito depressa e ganhou vida própria”, conta, sem parecer querer livrar-se, para já, dessa identidade: a de alguém que recusa calar a sua zanga e quer fazer dela um motor de mudança.
Passaram-se seis anos desde o dia em que Griffin tomou o nome de uma das suas personagens de ficção. Criado em 2007, o blogue chama-se Vanishing New York, justamente o título do livro onde este psicanalista, transgénero, que chegou a Manhattan em 1993 para tirar um mestrado em Escrita Criativa na New York University, a NYU, faz a sua declaração de amor a uma Nova Iorque em vias de extinção, cuja alma define assim: “Vem da diversidade de pessoas, de uma diversidade de classe, de culturas, de muita gente que chega, pessoas vindas da América ou imigrantes de outros países. E chegam porque precisam de Nova Iorque. Deixam sempre qualquer coisa para trás; qualquer coisa que, para elas, não está a resultar. Isso fez da cidade esta espécie de bulício criativo, um tipo de lugar culturalmente rico. Não sei se essa é a alma, mas é assim que penso nela. Acontece que agora muitas das pessoas que chegam a Nova Iorque não precisam de Nova Iorque; não precisam de deixar os lugares de onde vêm. Não saem por causa de repressão política, nem por censura criativa ou perseguição sexual. Poderiam muito confortavelmente ter ficado na América suburbana. Não são desesperados.”
Jeremiah ou Griffin? “Chame-me Jeremiah”, pede. É dessa forma que assina o livro; foi assim que fez o blogue e também se deu a conhecer publicamente antes de deixar cair o segredo da sua verdadeira identidade em meados de 2017. Também ele chegou a Nova Iorque por sentir que não pertencia ao seu lugar de origem, uma pequena cidade do estado do Massachusetts que olhava de lado a sua sexualidade e lhe bloqueava a criatividade. “Uma das grandes tragédias da minha vida foi ter a infelicidade de chegar a Nova Iorque no princípio do seu fim. Era 1993, eu tinha vinte e dois anos e já era demasiado tarde”, conta no início do livro onde narra a história recente da cidade para denunciar o que diagnostica como tendência global: o desrespeito pela diferença, a normalização, a hipergentrificação. No lamento pessoal que antecede a crónica da morte que tem vindo a ser anunciada, e que Jeremiah quer ajudar a entender numa crónica que também é de costumes e de muitos contágios, continua. “Perdi o apogeu da cidade – os agitados anos do punk das décadas de 1970 e 80, os dias do beatnik de 1950 e 60, os gloriosos tempos de guerra de quarenta, os radicais esquerdistas de trinta, os boémios de 1920 e 1910, todo o percurso até à era da contracultura de Walt Whitman…”
É quase o choro de um homem perante o facto de ter nascido fora do tempo que considera ter sido o seu num lugar que foi construindo como referência. “Foi como apaixonar-me por uma mulher de 93 anos demasiado cega para ver o seu declínio. Eu era Harold e ela Maude”, escreve, numa alusão ao filme de 1971 de Hal Ashby, Ensina-me a Viver, em que um rapaz se apaixona por uma mulher de 79 anos. Mas Vanishing New York está longe da lamúria. Resulta da zanga, contém fúria, paixão, desalento e o activismo de alguém inconformado com o destino de uma cidade e que faz o que puder para evitar o que aparenta ser inevitável.
“O livro foi um modo de contar a história de como Nova Iorque chegou ao estado em que está hoje e que forças estão por trás das mudanças tremendas que aconteceram, sobretudo no início deste século”, afirma, apontando uma data charneira para o movimento que designa de hiper-gentrificação da cidade: 11 de Setembro de 2001. A partir daí foi um caminho de não retorno. Explica: “Foi aí que comecei a notar que qualquer coisa muito drástica estava a acontecer à cidade. Durante os anos 90, as coisas estavam a mudar, mas Nova Iorque continuava a ter a personalidade que a caracterizou durante décadas. O início de 2000, e até 2005, foi o momento em que a mudança radical se tornou visível e isso teve muito a ver com [Rudolph] Giuliani [mayor entre 1994 e 2002]; mas foi [Michael] Bloomberg [mayor de 2002 a 2104] quem limpou muito a cidade. Isso abriu caminho aos especuladores imobiliários e tudo mudou”.
Quando a cidade foi limpa
Limpeza do crime que levou à limpeza de fachadas, das ruas e ao expulsar dos que vivem na margem. “Nada contra a baixa de criminalidade”, adianta, “mas tudo contra o facto de isso mandar os mais desfavorecidos embora e só permitir a entrada a ricos.” Uma cidade não é um gueto social, quer dizer. O espírito que fez Nova Iorque, muito menos.
Numa consulta rápida, online, aos índices de criminalidade, a primeira informação que aparece é dada por sites de agências imobiliárias. Mais adiante na pesquisa conclui-se que Nova Iorque, a dos gangues do início do século, do crack do anos 80, é agora a décima cidade mais segura dos Estados Unidos e a primeira entre as grandes cidades. A nível mundial está em 28º lugar. Qualquer coisa inimaginável há 30 ou 40 anos. Num artigo do New York Times citado por Moss, lê-se: “Ironicamente, a diversidade étnica que motivou o regresso da burguesia à cidade, a heterogeneidade que sempre foi a fonte de grande parte do carácter e da energia de Nova Iorque, talvez se tenha perdido numa floresta de arranha-céus homogeneizados e nas filas de brownstones renovadas.”
Já não era a cidade suja e obsessiva que aparecia nos filmes de Martin Scorsese, sobretudo em Taxi Driver; a cidade neurótica de Roman Polanski, em Rosemary’s Baby, a nostálgica, e não menos neurasténica, de Woody Allen; a cidade a arder de Dog Day Afternoon de Sidney Lumet. Este é o tempo da Nova Iorque pós-O Sexo e a Cidade. A Nova Iorque limpa que perdeu a rebeldia que a formou. “Séries e filmes como O Sexo e a Cidade mostraram Nova Iorque como produto para consumir. A maior parte das pessoas que chegam são consumidores; querem fazer compras e consumir uma ideia de Nova Iorque. Não sei até que ponto se querem tornar nova-iorquinos e contribuir para Nova Iorque. A maior parte vem para ganhar dinheiro e pretendem ir embora. Planeiam ficar talvez uns cinco anos e depois regressar ao lugar de origem. Ouvi isso de inúmeras pessoas. Ou seja, não chegam para fazer as suas vidas, mas para ganhar dinheiro e ir embora.”
O tom de voz de Jeremiah Moss é calmo, mas agita-se quando enumera sítios que já não existem devido à tal hiper-gentrificação, a palavra mais repetida deste livro e que Moss define assim: “…é o termo que uso para designar a força que está a desmanchar a cidade – a gentrificação agressiva, que disparou com o capitalismo de mercado livre – é uma pandemia global, um vírus aparentemente imparável a atacar grande parte do mundo. São Francisco está a morrer talvez ainda mais depressa do que Nova Iorque. Vemos isso em Portland e Seattle. Austin e Boston. Paris, Londres, Barcelona e Berlim, todos foram infectados. O vírus espalha-se a lugares tão distantes quanto Tel Aviv, Beirute, Seul ou Shangai.”
“E em Lisboa?”, pergunta Moss, antecipando uma resposta e remetendo logo depois para aquela que é o alvo do seu estudo: Nova Iorque, numa “jornada através das ruínas, uma viagem distópica através das partes da cidade mais duramente atingidas pelos anos de Bloomberg”.
Dividido em três blocos, Vanishing New York percorre uma geografia mítica – East Village, Bowery, Little Italy, Greenwich Village, Chelsea. Aperta o ângulo para se deter em Bleeker Street, uma das ruas onde foi mais rápida a transformação do pequeno negócio local para as grandes marcas globais. E convoca protagonistas. Actores, músicos, artistas plásticos, poetas, escritores, bares e restaurantes, lojas de fotografia, o submundo, os filmes, as bandas sonoras. É um mapa que alonga, se estende a Norte, a Leste. Times Square, o Harlem, East e West, o Bronx, atravessa-se o East River. E lá está Queens, Brooklyn, Coney Island. Evoca memórias, fala do novo circuito, outras centralidades: o Highline, no Meatpacking District, um dos bairros mais in desta nova metrópole onde já não há registo, a não ser simbólico e para “turista ver”, das carcaças de animais penduradas antes de seguir para os talhos. É agora um reduto de boutiques de luxo, galerias e restaurantes caros com o Whitney Museum no topo do bolo. “As cidades mudam. É a sua natureza. Aquelas que deixam de mudar deixam de ser cidades. No entanto, cidades que mudam totalmente deixam de ser elas”, afirmou Adam Gopnick nas páginas da New Yorker. Moss lembra a afirmação.
E com Moss, num livro que teve direito a recensões, entrevistas ao autor, que foi citado e deu origem a artigos de fundo, estamos na cidade real e na metafórica. “Nova Iorque tem cinco bairros, mas penso na cidade mítica que são as áreas centrais de Manhattan”. É nela que o livro de centra. É ainda nela que detecta a “suburbanização da cidade”, a limpeza que não permite a diferença, a homogeneização. A começar pelo bairro onde vive e sempre viveu desde que chegou, o East Village. “Um bairro é um ecossistema emocional e quando é destruído pela gentrificação é um trauma”, escreve.
As razões da zanga
Ele tem sido um espectador com um papel nada passivo e a zanga alastra-se e pode chegar à tristeza profunda. Quando viu fechar o Ray’s Candy e os seus cachorros quentes e egg creams, a St. Mark’s Bookstore na Terceira Rua, East; a Love Saves the Day, onde Madonna comprou umas botas brilhantes no filme Desesperadamente Procurando Susana; a Variety Photoplays, mais tarde o XXX, onde se estreou Taxi Driver; o Holiday Cocktail Lounge, em St Mark’s Place, “onde W.H. Auden transformou o fígado em pickle enquanto rabiscava poemas” ou depara com as grades grafitadas do lendário CBGB, o clube na Bowery, entretanto transformado numa boutique da marca de roupa masculina John Varvatos. A Bowery, “território decadente” desde o início de 1800, sempre habitada por outsiders: punks, artistas, mendigos, gays, estudantes que abandonavam as escolas, drag queens, charlatães, viciados em droga, bêbados e ladrões; bairro sombrio de assassinos e prostitutas, andróginos e ilegais, gente à margem. Conta que no início do século XX viviam na Bowery mais de 25 mil sem-abrigo. Isso vem retratado no filme de 1956, On the Bowery. Foi para lá que se mudaram muitos artistas quando as rendas aumentaram em East Village nos anos 60. Ficou famosa uma reportagem publicada no Times, em 1965. Com o título, The Bowery: Arty and Avant-Garde, era o relato de uma festa memorável. Lá estavam Andy Warhol, Larry Rivers, Diane Arbus, Frank O’Hara, Ted Berrigan ou Bervely Grant. Foi lá que moraram nos anos 70 Robert Mapplethorpe, Jean-Michel Basquiat ou Keith Haring. Que lugar melhor para o CBGB?
O CBGB fechou em 2009, “depois de mais de três décadas em que incubou e viu nascer lendas do punk rock, desde Ramones a Blondie e Talking Heads”. Moss conta a história no livro. “O proprietário, Hilly Kristal, perdeu a guerra contra o senhorio, o Bowery Resident’s Comittee (BRC), uma organização multimilionária que ajuda os sem-abrigo. O novo responsável pelo BRC, Muzzy Rosenblatt, quis cobrar a dívida do CBGB, acumulada depois de anos de aumento de renda que Kristal assegura que o BRC nunca facturou. Rosenbalt quis ainda duplicar a renda, de 20 mil dólares para 40 mil por mês – Kristal e outros especularam acerca da intenção dele em encerrar o CBGB e assim poder cobrar ao novo inquilino uma renda de 65 mil dólares. ‘Adoraria preservar a história’, disse Rosenblatt ao Villager. ‘Tenho as minhas próprias memórias afectivas e os meus momentos felizes no CBGB. Mas todos temos as nossas responsabilidades na vida’.”
Moss conta isto como exemplo da especulação imobiliária. Não serviram de nada os protestos e abaixo-assinados de celebridades, as doações, um concerto de apoio em Washington Square Park, as T-shirts com a frase Save CBGB. O senhorio rejeitou todas as negociações, e Kristal morreu dez meses depois de as portas fecharem “e de Patti Smith ter cantado lá a última canção”.
Não foi o golpe mais duro para Moss. Esse aconteceu com o encerramento do De Robertis, pastelaria italiana inaugurada em 1914 incapaz de competir com o vizinho Starbucks. Motivo do fecho? Aumento exponencial de renda.
Saímos do livro para a conversa. “Os negócios são uma competição e nem todos sobrevivem, já se sabe, mas os números não param de aumentar e em alguns casos não fecham por serem maus negócios, mas porque os senhorios recusam renovar os contratos, ou duplicam e triplicam as rendas. O que acontece é que os negócios fecham e as frentes de lojas ficam vazias; há blocos e blocos com frentes de loja vazias. Também vê isso em Portugal?” Não espera resposta. “É incrível como é que muitas cidades do mundo estão a replicar este modelo. Aqui chamamos-lhe high rent blight. Ando a tentar perceber como lhe chamam noutros lugares do mundo.”
Aponta o dedo a Bill de Blasio, o mayor que prometeu devolver Nova Iorque aos nova-iorquinos. “Até agora falhou”. E cita um escritor, o também nova-iorquino Colson Whitehead, vencedor do Pulitzer e do National Book Award com A Estrada Subterrânea (Alfaguarad, 2017). “Somos nova-iorquinos quando sentimos que o que estava lá antes era mais real e mais sólido do que está lá agora.” Já num artigo, recuperado por Moss, na Harper’s se dizia que Nova Iorque “nunca é a mesma cidade durante uma dúzia de anos seguidos. Um homem que nasceu em Nova Iorque há quarenta anos não encontra nada, absolutamente nada, da Nova Iorque que conheceu.” Moss escreve contudo que Nova Iorque continua lá, em frestas escondidas. É essa certeza que o mantém na cidade, apesar da zanga actual.
“Estou zangado. Zangado com o que está a acontecer à cidade, com o que se está a fazer às pessoas. As vidas das pessoas estão a ser destruídas por esta voragem... Sim, estou zangado por se estar a perder a cultura, por ver as pessoas perderem os seus negócios. Fiquei furioso quando vi investidores imobiliários comprarem um edifício do século XVII e expulsarem 400 de nós, nova-iorquinos…” Enumera os “frutos de uma reviravolta neoliberal”, palavra que, diz, os americanos entendem mal; confundem-na com ser politicamente liberal. “Os europeus sabem o que é. Aqui pensa-se que tem qualquer coisa a ver com o Partido Democrata.”
As razões para ficar
Moss fala pouco de política, apesar de este livro e o seu blogue serem uma declaração política. De política urbana. “O problema da hipergentrificação é o de um capitalismo em estado avançado e que se pode chamar de neoliberalismo. Isso significa que precisamos de regulação. Costumávamos ter uma economia mais regulada e temos de voltar a regular”, defende. “Por exemplo, regular as rendas, haver um controlo como existia em Madrid, capaz de proteger os pequenos negócios.” Foi esse o primeiro objectivo do seu blogue: evitar o encerramento do pequeno comércio que mantém vivos os bairros. Sabe que não será fácil e, não sendo um optimista, nota “qualquer coisa a mudar politicamente no Ocidente”. Essa mudança é contraditória. “Há uma frustração com o capitalismo neoliberal que se está a tornar fascismo em alguns casos, ou nacionalismo. As pessoas estão a começar a ver que não está a funcionar e é preciso um sistema mais equitativo. Acho que precisamos de uma alteração de mentalidade. O mercado livre não é de facto livre e não podemos simplesmente deixar que faça o que entender.”
Moss vive no mesmo apartamento em East Village desde que chegou em 1993. Tem a renda controlada .- “de outra forma já não estaria a viver aqui”, afirma, referindo-se à cidade e não apenas ao bairro onde se sente um alienado. “Sinto muita alienação, e sinto-me roubado, como se tivesse encontrado o meu sítio e ele tivesse sido tirado de mim. Tenho falado com muita gente que sente o mesmo. São 11 anos a ouvir testemunhos, a ver sair pessoas que não querem sair. Não é sustentável”. A envolvência foi mudando. As frentes de loja mudaram, as pessoas mudaram. Havia mais operários, mais artistas. Mais gays, lésbicas, mais escritores, poetas. Era uma vizinhança mais boémia. Agora está a tornar-se um lugar de jovens ricos do mainstream e isso não é muito interessante.”
A conversar Moss é sempre mais calmo do que no livro. É no livro que sublinha que Nova Iorque está a ser destruída pelo seu sucesso. E que as cidades precisam de ser rebeldes, espaços de agitação e arte. E têm de acomodar a falha, ser humanas. “É preciso ser-se capaz de sobreviver na cidade correndo riscos; riscos criativos, por exemplo, riscos profissionais, sexuais. No passado podíamos ter um pequeno biscate e em paralelo desenvolver projectos criativos; podíamos ser despedidos e arranjar novo emprego, porque as rendas eram mais baixas. Se se perdesse um apartamento conseguia-se arranjar outro. Agora é terrível.”
Mesmo assim fica. Porquê? “Muita gente pensa que esta mudança é natural e que tem a ver com o mercado, que nada pode ser feio. Mas a mudança é muito construída e se a mudança é construída podemos desconstruí-la. Isso pode ser feito através de legislação de controlo de rendas. Isso pode resolver o problema dos negócios. Pode haver impostos, por exemplo, sobre estas frentes de loja fechadas há muito tempo…” Em Vanishing New York aponta outras razões para ficar, enquanto puder. “Fico para ouvir músicos de jazz nos parques e para navegar nas bancas de livros usados nas ruas. Fico para um copo num bar sossegado iluminado pela luz de Outono e para ver sessões duplas de filmes a preto e branco no Film Forum. Fico pelos egg creams. Pelos cantores de ópera amadores a praticarem com as janelas abertas de modo a que os possamos ouvir. Palas avós chinesas a dançar junto ao East River, abandando leques vermelhos. Pela música dos lojistas a abrir as portadas. Fico pelo espectáculo inesperado e pela oportunidade do encontro. E também por aquelas gaivotas a voar para terra em dias de chuva lembrando-nos de que Manhattan é uma ilha, um lugar que ao mesmo tempo separa e liga. Acima de tudo, fico porque preciso de Nova Iorque. Não conseguiria viver noutro lugar. Por isso agarro-me ao que se mantém. Perdemos bastante, mas há muita coisa que sobra e pela qual devemos lutar. E enquanto ficar, lutarei.”