Regime de incapacidades vai mudar, mas terão os tribunais capacidade para responder?
Proposta em debate no Parlamento prevê revisão periódica de medidas de acompanhamento. É expectável que número de casos aumente por causa do envelhecimento da população.
O Mecanismo Nacional de Monitorização da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência congratula-se com a proposta governamental de revisão do regime de incapacidades civis, que esta sexta-feira de manhã é debatida na Assembleia da República. Teme é que os tribunais não sejam capazes de responder "em tempo útil".
A proposta, aprovada há um mês em Conselho de Ministros, abrange qualquer maior de idade que se encontre diminuído nas suas capacidades. A ideia é trocar os dois institutos rígidos (um de interdição e um de inabilitação) que estão em vigor por um flexível, ajustado a cada caso concreto (o de maior acompanhado).
É expectável que o número de processos seja cada vez maior, tendo em conta o envelhecimento da população. O juiz terá de ter um contacto directo com a pessoa, que deverá ser “apoiada na formação e exteriorização da sua vontade e não substituída na sua vontade”. As medidas devem reduzir-se ao indispensável e ser revistas, no mínimo, de cinco em cinco anos.
No parecer que remeteu à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o Mecanismo Nacional manifesta preocupação com a “capacidade judicial de resposta em tempo útil aos processos interpostos e à revisão periódica das medidas de acompanhamento”. No regime actual, as interdições não são sujeitas a revisão.
Juízes sociais?
Aquela estrutura independente, criada em 2014 por resolução do Conselho de Ministros, recomenda que “o processo de implementação do apoio à tomada de decisão seja agilizado e não dependente de tribunais, recorrendo, a exemplo do que já acontece para os menores, a juízes sociais”. As decisões poderiam, depois, ser rectificadas pelos tribunais ou por mecanismos extrajudiciais próprios, defende.
A entidade, presidida por Paula Campos Pinto, professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, sugere ainda que este novo regime inclua um guião de boas práticas para orientar as autoridades judiciais. E que “seja assegurada e promovida a formação apropriada para os juízes, os auditores de justiça e demais profissionais”.
O debate parlamentar desta sexta-feira tem por base um consenso: o regime das incapacidades civis, em vigor desde 1966, precisa de ser revisto. Ainda há um mês os deputados debruçaram-se sobre uma proposta do PSD, que ajusta os institutos clássicos, isto é, a interdição e a inabilitação, que passam a chamar-se tutela e curatela, e acrescenta outros dois: o mandato e a gestão de negócios.
“O regime actual é desajustado e, por isso mesmo, ineficaz”, diz Andreia Neto, deputada do PSD. O Governo PSP-CDS chegou a aprovar uma proposta em Agosto de 2015, que acabou por ser rejeitada pela nova maioria na Assembleia da República em Dezembro de 2015. E foi uma versão melhorada que o PSD apresentou já este ano.
“Isto é só o início do processo”, sublinha Fernando Anastácio, deputado do PS. A proposta do Governo parte de um desafio lançado em 2016 às faculdades de Direito das Universidades de Lisboa e de Coimbra para colaborar na revisão do regime de incapacidades. Várias entidades foram ouvidas ainda antes de a proposta chegar ao Conselho de Ministros. E outras deverão sê-lo depois de ser discutida na generalidade e remetida à especialidade, explica.
Os deputados devem ainda debater dois projectos de lei do CDS-PP, um destinado a criar "a indignidade sucessória dos condenados por crimes de violência doméstica, maus tratos, sequestro ou de violação da obrigação de alimentos" e outro a reforçar a "protecção legal aos herdeiros interditos ou inabilitados". Será ainda discutido um projecto de resolução do Bloco de Esquerda, que recomenda ao Governo "a adopção de mecanismos de apoio à tomada de decisão em cumprimento da convenção dos direitos das pessoas com deficiência".
Na Internet corre uma petição intitulada “Solicita legislação que consagre a promoção, a protecção, o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com capacidade diminuída”. Nesta quinta-feira à tarde juntava 3446 assinaturas. Só quatro mil podem forçar a Assembleia da República a debater o tema em plenário.