Tribunal de Contas chumba Empresa Municipal de Cultura

Acórdão do TdC aponta ilegalidades à proposta de Rui Moreira e diz que a empresa não era auto-sustentável do ponto de vista económico, ficando dependente da atribuição de subsídios. Câmara do Porto anunciou que vai recorrer da decisão.

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Rui Moreira viu sua proposta para a criação de uma empresa municipal chumbada Manuel Roberto

O Tribunal de Contas rejeitou a proposta do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, de constituir uma Empresa Municipal de Cultura do Porto (EMCP), que asseguraria a gestão e programação de diversos equipamentos culturais municipais da cidade.

O TdC aponta “várias omissões” à fundamentação apresentada pela câmara e dá nota de três ilegalidades no procedimento administrativo que culminou na deliberação da Assembleia Municipal do Porto (em Setembro), que criou a empresa municipal, designada por Cultura Porto.

O TdC é particularmente crítico quanto ao estudo de viabilidade económica e financeira (EVEF), que a autarquia encomendou à BDO Consulting, Ldª para legitimar a criação da empresa. No estudo há capítulos que se “cingem a estritas apreciações valorativas” quanto à EMCP, lê-se no acórdão do TdC.

“Segundo o EVEF, a EMCP seria uma entidade financeira e economicamente inviável dependente da atribuição de subsídios à exploração pela autarquia que, segundo o estudo, terão sempre de constituir mais de 80% das receitas totais, sendo certo que, ao nível das outras receitas (sempre inferiores a 20%), as projecções do EVEF não têm qualquer suporte empírico”, diz o órgão judicial no documento.

Tendo por base o estudo, o acórdão precisa que a empresa “vai depender da atribuição de subsídios à exploração que garantem a sua actividade e o aumento previsto das receitas próprias da empresa baseia-se em especulações sem referências ou relação com quaisquer estudos ou dados objectivos (...), o que constitui, ainda, um dos pontos críticos sobre a racionalidade acrescentada e os efeitos da actividade da empresa nas contas do município”.

“À luz dos próprios pressupostos do estudo, a EMCP seria uma empresa carecida de auto-sustentabilidade que não pretende prestar serviços ao município, estando em absoluto dependente de contratos-programa com o município (e das futuras opções nessa matéria), mesmo para suportar os custos correntes, confirmando o carácter residual da vertente mercantil, a qual quanto às receitas próprias envolve expectativas, cujas condicionantes e pressupostos são apresentadas de forma difusa e carecida de melhor fundamentação (...)”, reforça a decisão do tribunal.

Afirma ainda que a deliberação que aprovou a criação da empresa se apresenta “atingida pela mácula da nulidade prevista no artigo 20.º, n.º 6 do RJAEL [Regulamento Jurídico da Actividade Empresarial Local] (...)”.

Moreira intervém demais

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, não escapa às críticas do órgão judicial. Pelo contrário. É mesmo acusado de “intervir em múltiplas etapas” do referido procedimento administrativo, “violando” o Código do Procedimento Administrativo, bem como o Estatuto dos Eleitos Locais, o que — segundo o TdC — “determina a anulabilidade dos actos praticados”. “Nulidade por força de insuficiência do estudo sobre a viabilidade económico-financeira, na medida que o estudo de viabilidade não compreende elementos que preencham todas as exigências do disposto nos dois números do último dos aludidos preceitos”, precisa o acórdão.

Segundo a decisão, a referida mácula de que padece a deliberação que aprovou a criação da empresa “gera a possibilidade de anulação retroactiva de todo o procedimento e reporta-se a um conjunto normativo considerado em diferentes ocasiões pela jurisprudência do TdC, suficientemente poderoso para exigir a recusa do visto, por força de uma dimensão axiológica fundamental: a transparência da actuação administrativa e a confiança que deve merecer quem a representa perante os cidadãos, em particular quanto a medidas com resultado financeiro”.

Aprovada em Julho de 2017 pela câmara, a proposta de constituição da empresa municipal foi contestada pelo PS, PSD e CDU por ter sido apresentada a dois meses das eleições autárquicas, mas também pelo facto de os vereadores da oposição entenderem que a Empresa Municipal Porto Lazer, que integra o universo empresarial do município do Porto, “poderia assegurar a programação e gestão geral dos espaços e equipamentos (...) e assegurar a programação, produção e supervisão de actividades de lazer e de animação de iniciativas municipais (...)”.

A câmara assegura a gestão e a programação de vários equipamentos culturais da cidade, entre os quais o Teatro Campo Alegre, o Teatro Rivoli e a Galeria Municipal do Porto, mas Rui Moreira pretendia integrar e desenvolver, no âmbito cultural e artístico, estruturas e projectos totalmente novos, tais como o Cinema Batalha, as iniciativas Pláka e o Porto Film Commission. Todavia, era intenção do município “fomentar e dinamizar actividades de índole comercial conexas com os espaços e equipamentos culturais sob a sua gestão, tais como o Banco de Materiais, a Casa do Infante, a Casa Museu Guerra Junqueiro, a Casa Museu Marta Ortigão Sampaio, a Casa Oficina António Carneiro, o Museu do Vinho do Porto, o Museu Romântico, a Biblioteca Almeida Garrett e outros núcleos museológicos que venha a criar e/ou gerir”.

Para a autarquiao, “a prestação de um serviço público de qualidade na área artístico-cultural será mais eficiente e eficaz se for realizada através de uma entidade autónoma e independente do município, que esteja técnica e materialmente vocacionada para o efeito, designadamente através da criação de uma empresa local”.

Mas o TdC tem uma interpretação diferente. Ao longo de 52 páginas, desmontou muitas das soluções esgrimidas pela autarquia em relação “à capacidade e autonomia da empresa de gerir receitas próprias, tais como as várias bilheteiras e a dinamização de apoios obtidos, seja através de mecenato, patrocínios e outro tipo de ajudas de outras instituições culturais e empresas.

O PÚBLICO contactou a câmara que se mostrou indisponível para responder até ao momento. Mas esta quarta-feira fonte do gabinete de comunicação da autarquia disse à Lusa que a Câmara do Porto vai recorrer do chumbo do Tribunal de Contas.       

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