Rússia acusada de usar bombas menos precisas para ocultar crimes de guerra na Síria
ONU acusa Rússia e EUA de violarem lei internacional. Relatório de investigadores independentes diz que bombardeamentos russos e da coligação internacional vitimaram centenas de civis – e pode haver crimes de guerra.
A Rússia tem utilizado armas menos precisas e menos evoluídas nos bombardeamentos que realiza na Síria, suspeita-se que com o objectivo de ocultar a sua responsabilidade na morte de civis e em possíveis crimes de guerra, transferindo-a para o Governo de Bashar al-Assad. Esta é a conclusão de algumas das fontes das Nações Unidas ouvidas nesta terça-feira pelo Guardian.
Estas informações surgem no mesmo dia em que foi divulgado um relatório de uma comissão de inquérito da ONU sobre a guerra síria, que responsabiliza a Rússia e a coligação internacional liderada pelos Estados Unidos pela morte de centenas de civis no ano passado. No documento, confirma-se também a utilização de armas químicas por parte de Damasco contra os rebeldes e levanta-se a possibilidade de a Força Aérea de Moscovo ter estado envolvida em crimes de guerra.
O relatório, a que a Reuters teve acesso, concluiu que, em Novembro do ano passado, um avião russo atingiu um mercado, em Atareb, junto à cidade de Alepo, vitimando pelo menos 84 pessoas e utilizando armas não guiadas. Esta era uma das chamadas “zonas de desanuviamento” (áreas onde se deveria colocar um ponto final na violência de forma faseada) acordadas pela Rússia, Irão e Turquia.
Os investigadores da ONU não encontraram provas de que o ataque russo ao mercado tenha sido deliberado, mas esta acção pode “constituir o crime de guerra de lançar ataques indiscriminados resultando na morte e ferimentos de civis”.
A descrição das armas utilizadas pela Rússia feita no documento apresentado nesta terça-feira é semelhante à das fontes ouvidas pelo Guardian e que acusam Moscovo de querer dissimular a sua responsabilidade na morte de civis. De acordo com estas fontes, a intenção era utilizar armamento semelhante ao usado pela Força Aérea de Damasco, de forma a dificultar a missão dos investigadores na hora de atribuir responsabilidades.
Porém, outras fontes da ONU na Síria dizem que o recurso a este tipo de bombas por parte da Força Aérea russa tinha apenas como objectivo assustar civis para que os grupos rebeldes fossem pressionados a apresentar a sua rendição.
Por outro lado, o relatório da ONU afirma que os ataques aéreos realizados pela coligação internacional em Al-Badiya, junto a Raqqa, em Março de 2017, mataram 150 residentes. Esta conclusão desmente as afirmações do Pentágono à época, que alegava que o bombardeamento tinha vitimado apenas algumas dezenas de militantes jihadistas. Os bombardeamentos atingiram uma escola que albergava pessoas deslocadas. De acordo com as entrevistas realizadas pelos investigadores, estavam no local mais de 200 pessoas.
O relatório realça que não encontrou provas sobre a presença de militantes do Daesh nessa zona aquando dos bombardeamentos e que a coligação internacional violou a lei internacional ao não ter protegido a população civil.
Os investigadores independentes responsáveis pelo documento notam que o inquérito foi realizado com base em 500 entrevistas confidenciais a vítimas e testemunhas através das redes sociais. A sua presença na Síria foi barrada pelo Governo de Damasco.
Desta forma, os autores do relatório dizem que não têm condições para ir mais longe na investigação e instam a Rússia e os EUA a conduzirem as suas próprias investigações às situações relatadas.
Neste documento, o Governo sírio é acusado de crimes de guerra pela utilização de armas químicas contra os rebeldes – nomeadamente, em Julho do ano passado, terão sido utilizadas bombas de cloro sobre a população de Ghouta por três ocasiões. Em Novembro, a arma foi novamente usada mas desta vez em Harasta, a nordeste de Damasco.
“O uso de armas químicas é proibido pela lei internacional humanitária independentemente da presença de alvos militares válidos, incluindo quando usadas contra combatentes inimigos”, lê-se no relatório, citado pela Reuters.