Uma torre na Estação de São Bento para mirar os Clérigos

Eduardo Souto de Moura mostrou e explicou na Câmara do Porto o seu projecto para a Time Out, que tem motivado polémica. Deputados mostraram-se convencidos.

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Projecto de Souto de Moura para a ala sul da Estação de São Bento 1825 Architectural Visualization
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Souto Moura e a maquete do projecto Joana Gonçalves
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A torre é uma estrutura em ferro com um restaurante no topo Joana Gonçalves
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Maqueta do projecto Atelier Eduardo Souto de Moura
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Maqueta do projecto Atelier Eduardo Souto de Moura
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Atelier Eduardo Souto de Moura
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Projecto de Souto de Moura para a ala sul da Estação de São Bento Atelier Eduardo Souto de Moura

A torre que Eduardo Souto de Moura desenhou para o projecto que a empresa Time Out quer instalar na ala sul da Estação de São Bento não terá, afinal, 18 metros de altura, mas um pouco mais de 20 para ser alinhada e equilibrada com a cornija da estação projectada, há já mais de um século, pelo arquitecto José Marques da Silva. Mas nem essa diferença impediu a boa recepção da proposta e da maqueta de Souto de Moura por parte dos vereadores da Câmara do Porto, que esta terça-feira a puderam ficar a conhecer de perto, por iniciativa de Rui Moreira, que convidou o arquitecto a mostrá-la e explicá-la antes de o executivo entrar na ordem do dia.

A construção da referida torre, parte mais visível da intervenção que o arquitecto portuense foi convidado a desenhar para o programa de transformação de uma ala da estação ferroviária num mercado idêntico ao da Ribeira, em Lisboa, tem sido acompanhada de alguma polémica, que chegou mesmo já à Assembleia da República. Tanto o Bloco de Esquerda como o PCP questionaram a dimensão da obra, e também o facto de ela, eventualmente, vir a afectar a integridade não só de um edifício que está classificado como Imóvel de Interesse Público (1997), mas também um lugar que está abrangido pela classificação do Porto histórico como Património da Humanidade (1996). E a própria comissão nacional do Icomos - Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios exigiu que o processo fosse analisado pelo comité da UNESCO – o mesmo tendo sido feito pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC).

Afinal, a torre que Eduardo Souto de Moura mostrou esta terça-feira na Câmara do Porto não só não parece interferir, na sua volumetria, no equilíbrio do sítio para que está pensada, como o resto da intervenção promete recuperar um lugar que “tem estado abandonado, e que se mostra até perigoso”, como notou o arquitecto.

A estrutura em causa, apesar da sua altura, não tem os temidos seis pisos, mas apenas um, à cota alta, que acolherá o restaurante e café. Sobe-se através de escadas e/ou elevador – passando por uma plataforma ao ar livre, que pode funcionar como palco amovível para a realização de concertos ou outras iniciativas – e, no cimo, está-se, se não “num miradouro, pelo menos num mira-Clérigos”, como lhe chamou Souto de Moura, referindo-se à vista que daí se pode ter sobre o monumento mais icónico da Baixa da cidade.

“A torre foi pensada a partir da tipologia dos antigos depósitos de água das estações de caminho-de-ferro, numa estrutura e com a linguagem do ferro, normal nas construções industriais do género”, disse Souto de Moura.

No resto, a sua intervenção cuidará de modernizar, e abrir para o largo exterior, os velhos armazéns da estação, onde serão instalados restaurantes, bares, cafetaria, lojas e uma galeria de arte.

Críticas à Infraestruturas de Portugal

No final da apresentação da maqueta e dos desenhos do projecto, apenas os vereadores da esquerda se pronunciaram. Manuel Pizarro (PS), líder da oposição autárquica, realçou “a forma engenhosa” como o arquitecto mostrou poder “resolver um problema difícil”. E realçou que as dúvidas a que ele próprio tinha dado eco diziam sobretudo respeito ao facto de a Infraestruturas de Portugal (IP) não ter informado previamente a Câmara do Porto do projecto para a Estação de São Bento.

Já Ilda Figueiredo (CDU) lamentou apenas que o projecto da Time Out não contemplasse mais a cultura. “Tenho pena de que a utilização não seja principalmente em áreas culturais, com livrarias, teatro, galerias..., a entremear a vocação da restauração”.

Em jeito de síntese, Rui Moreira secundou a posição dos vereadores que exigiram que a câmara seja ouvida quando estão em causa assuntos de interesse da autarquia, mesmo se esta “não se quer substituir ao DGPC, à UNESCO e outros organismos”. Mas pronunciou-se “inteiramente favorável” ao projecto de Souto de Moura. “Seria pena que, daqui a 50 ou 100 anos, os nossos sucessores lamentassem que nós não tivéssemos deixado obra na cidade destes arquitectos” tão reputados e respeitados tanto nacional como internacionalmente. “Façam os privados aquilo que a burocracia não deixa que seja o poder público a fazer”, acrescentou o presidente da Câmara do Porto, criticando também o “excesso de conservadorismo” que muitas vezes impede a renovação das cidades.

No final da sessão, João Cepeda, responsável pelo projecto da Time Out para o Porto, disse ao PÚBLICO que a empresa está agora à espera do parecer do Icomos relativamente ao projecto de Souto de Moura, cujo calendário desconhece. Se ele passar no crivo deste organismo da UNESCO, o Pedido de Informação Prévia (PIP) seguirá depois os seus trâmites normais junto da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU), a quem compete a decisão final sobre o projecto. Parece, contudo, pouco provável que o novo “mercado” da Time Out no Porto, com vista para a Torre dos Clérigos, posso ficar concluído ainda este ano.

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