Cavaco, três décadas no centro do país político
Campeão de vitórias eleitorais e de anos de permanência em lugares de poder de Estado, Cavaco simboliza o desenvolvimento de Portugal com a integração europeia. Idolatrado pelo seu eleitorado, acabou em divórcio do país, quando não conseguiu perceber a radicalização política e social que a austeridade instalara
Ao longo de três décadas, Aníbal Cavaco Silva foi a figura dominante do universo político português. Mesmo quando não exerceu o poder, manteve no eleitorado a expectativa de voltar a ele. E o eleitorado brindou-o com resultados eleitorais até hoje não igualados. Das seis eleições que disputou, perdeu uma (Presidente da República em 1995), ganhou cinco, das quais quatro com mais de 50% dos votos (legislativas de 1987 e 1991 e presidenciais de 2005 e 2010). E tem um recorde de ocupação de cargos político-institucionais: ministro Finanças (1980-81), primeiro-ministro (1985-95) e Presidente da República (2006-16).
Por duas vezes construiu a conquista do poder e por duas vezes o perdeu em ruptura com o eleitorado. Primeiro, como chefe de governo em que simbolizou a construção de um modelo de crescimento do país acabado de entrar na Comunidade Económica Europeia. Protagonizou de tal forma esse modelo de desenvolvimento económico e social, a par com o estilo próprio do exercício da autoridade, que criou um sistema com o seu nome, o único "ismo" completo que existiu na democracia portuguesa: o cavaquismo. Fê-lo com a imagem de líder construtor, de homem do leme. Dez anos depois de sair, é essa imagem que o leva à Presidência durante mais uma década.
Mas a mesma razão que dita o seu sucesso dita o rompimento do país consigo. Quando estava já no seu segundo mandato e o sistema financeiro e económico entra em colapso, fruto da crise internacional das dívidas soberanas, a falência do modelo acabou por sacrificar o homem que simbolizou a modernização da economia e da sociedade. De repente, o país divorcia-se de Cavaco com a mesma força e intensidade que o idolatrara e seguira de forma quase religiosa. E ele descobre-se rejeitado pelo seu povo, que o culpa de não ter controlado a situação nem alertado para o desastre financeiro do Estado. Deixa a Presidência em ruptura com o país, a sua popularidade cai a pique. E viu-se substituído por um presidente que é a sua antítese no exercício do mandato, o interventivo e palavroso Presidente dos "afectos", Marcelo Rebelo de Sousa.
Líder providencial
Ao longo de anos foi burilando o perfil de líder providencial. Mantendo o seu alinhamento com os desejos e expectativas do eleitorado, através de um misto de conservadorismo com espírito reformista, constrói uma imagem baseada na ideia de que não era um político profissional, usando uma qualificada e eficiente máquina de propaganda. Desde que foi ministro das Finanças ganhou a fama de ascetismo e rigor – que levou alguns a ver nele um novo Salazar –, foi crescendo politicamente e mostrando um perfil frio, meticuloso, racional, determinado, disciplinado, organizado, conhecedor dos dossiers em profundidade, técnico e pragmático, mas também de um homem de convicções profundas, ideologicamente estruturado em padrões sociais-democratas. Esse traço ideológico foi visível nas preocupações sociais como primeiro-ministro, nomeadamente na política de pensões. É, aliás, como primeiro-ministro, o expoente da linha social-democrata no PSD, que tem como referência o modelo social europeu, tal como Fernando Nogueira, Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Manuela Ferreira Leite e agora Rui Rio.
É um dos mais profissionais dos políticos portugueses — sempre fingindo que lhe era estranho o jogo da política, hábil quer nos bastidores institucionais, quer no partido. O primeiro nível em que a sua autoridade se revelou foi a forma como submeteu o partido à sua vontade, como domesticou o PSD, entregando a gestão do aparelho a homens como Dias Loureiro ou Falcão e Cunha — e alterando ideias estruturantes do ideário do PSD, como quando num conselho nacional, nos início dos anos 90, meteu a regionalização na gaveta. Soube, contudo, sempre fazer cedências à máquina partidária e o próprio reconhece na sua Autobiografia Política que até fez remodelações por razões eleitorais e partidárias (Leonor Beleza, Miguel Cadilhe, Teresa Patrício Gouveia).
Com uma mestria não igualada em Portugal, geriu a imagem do antipolítico, capitalizou o descontentamento da população face aos partidos e à política. Fê-lo ao ponto de, na preparação do seu regresso, em vésperas das presidenciais de 2006, não se coibir de atacar o seu companheiro de partido e então primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, ao escrever no Expresso (27/11/2004): "Os agentes políticos incompetentes afastam os competentes. Segundo a lei de Gresham a má moeda expulsa a boa moeda."
Como todo o político providencial criou mitos. Até teve um mito fundador, o de que chegou à liderança do partido por acaso, apenas porque decidira ir à Figueira fazer a rodagem do seu novo carro. Afinal, segundo Mendes Bota confessou a Adelino Cunha (A Ascensão ao Poder de Cavaco Silva), o Citroën BX, de matrícula JB-63-45, já ultrapassara o período de rodagem. A verdade é que Cavaco chega ao Congresso da Figueira da Foz, realizado a 17, 18 e 19 de Maio de 1985, também com a rodagem como candidato à liderança já feita. Desde 1981, após a morte de Sá Carneiro, foi uma hipótese de sucessor defendida pelo então "vice-rei do Norte", Eurico de Melo, o principal padrinho político de Cavaco, com quem lidera o grupo dos "Críticos" ao primeiro-ministro da AD, Pinto Balsemão.
A Eurico junta-se uma outra figura fundamental na conquista do poder por Cavaco, Fernando Alberto Ribeiro da Silva, que é eleito presidente da distrital de Braga. Apoio vital foi também o de Mendes Bota, presidente da Câmara de Loulé, cuja moção de estratégia ao congresso foi ditada ao gravador por Cavaco. São estes três apoios, sobretudo Ribeiro da Silva, que conquistam o aparelho do PSD para Cavaco através dos líderes das distritais Ângelo Correia (Aveiro), Duarte Lima (Bragança), Marília Raimundo (Guarda), Mira Branquinho (Évora), Ilídio Peixoto (Porto), Dias Loureiro (Coimbra), Luís Martins (Viseu) e Pereira Silva (Santarém). As negociações foram hábeis e árduas. Na própria madrugada do último dia de congresso, reúne-se com Dias Loureiro e com Fernando Nogueira, o delfim de Mota Pinto. E garante que este ingresse na sua lista para a comissão política, abandonando o lugar que já tinha na de João Salgueiro.
Logo no primeiro discurso, ao defender o apoio à candidatura de Freitas do Amaral a Presidente da República e ao exigir a clarificação sobre o Bloco Central, em que o PSD governava com o PS, revela-se um líder. Chegara um novo Sá Carneiro. Cavaco começa a mostrar o seu carisma, que durante décadas causou uma reacção inédita no eleitorado, provocando um misto de electricidade e de histeria — uma reencarnação moderna do sebastianismo, que vinha para mudar o país.
Ganho o congresso – quando o poder num partido como o PSD era decidido de facto em pleno conclave em maratonas em que os barões e os homens do aparelho passavam as noites em negociações –, o Governo do Bloco Central tinha os dias contados. Durou cerca de um mês. Mário Soares o líder fundador do PS e primeiro-ministro, não acatou as 11 exigências de Cavaco e foi desapeado do poder. No dia a seguir à cerimónia de assinatura da adesão de Portugal à CEE, a 12 de Junho nos Jerónimos, os ministros do PSD demitem-se. Soares apresenta a sua demissão de primeiro-ministro ao Presidente da República, Ramalho Eanes, a 25 de Junho. As legislativas são a 19 de Julho. O PSD atingiu 29,8%, o melhor resultado até então.
Preconceito classista
Cavaco não foi levado a sério, foi mesmo olhado com desdém por muitos, a começar pelo seu principal rival, Mário Soares, com quem manteve uma relação sempre tensa e que como Presidente da República foi de facto o líder da oposição ao cavaquismo. O momento máximo dessa tensão deu-se em Maio de 1994, quando Soares, através de amigos e apoiantes, organiza o Congresso Portugal que Futuro? Cavaco reagiu sempre com frieza à oposição de Soares e é com o gozo dos cínicos que, em Beja, depois de comer caracóis, desvaloriza o conclave soarista em declarações a jornalistas, como confessa na sua Autobiografia Política: "Fiz um ar inocente e disse-lhes que tinha passado o dia no Pulo do Lobo e eu aproveitei para lhes explicar aquela beleza da natureza e no fim acrescentei que todo o meu empenho estava na cooperação profícua com o senhor Presidente da República." Essa atitude três meses antes tinha atingido o seu clímax, ao pronunciar a frase mortal para Soares: "Vamos ajudar o senhor Presidente a acabar o mandato com dignidade."
Mas não apenas Soares o subestimou. Foi olhado com desconfiança pelas elites do país. E com preconceito social. Nascido a 15 de Julho de 1939, ascende intelectualmente. Começa como aluno do Instituto Comercial de Lisboa e acaba por doutorar-se em York com uma tese sobre dívida pública. Nunca renegou as origens. Visto como alguém que vinha de baixo e como provinciano, sempre teve orgulho em ser "o filho do sr. Teodoro da bomba de gasolina de Boliqueime", como escreveu na Autobiografia Política. E nunca se confundiu sobre o classismo de que era vítima, ao ponto de dizer à Kapa (17/03/1992): "Sei o que a burguesia pensa de mim. Não venho da cultura do cocktail, como a gente sabe." As suas origens foram matéria para piadas. E até o facto de, numa campanha eleitoral, responder às perguntas dos jornalistas numa pastelaria ainda com os restos de bolo-rei na boca, foi propalado como tratando-se de alguém que mastigava de boca aberta, uma prova da sua falta de maneiras, de que não era polido. A verdade é que soube sempre gerir a sua imagem de diamante em bruto.
Bipolarizador e tecnocrata
É responsável por alterações substanciais no sistema político português. As maiorias absolutas que deu ao PSD quebraram a tese de que o sistema eleitoral não permitia que um só partido tivesse mais de metade dos deputados. É com ele que, pela primeira vez, o sistema se bipolariza em torno de dois partidos, arrasando o estatuto que o PS adquirira de que era o "partido charneira", o pivot da formação de governos. O PSD passa a ser um partido estruturante do poder.
Mas é também o construtor do pragmatismo na política e o introdutor da tecnocracia. É com Cavaco que, na democracia portuguesa, o primeiro--ministro é o chefe do governo e centraliza o poder e a autoridade pública. É ele quem primeiro vai buscar técnicos às universidades e às empresas e os senta no Conselho de Ministros. Mais, leva-os para a direcção do partido, procedendo ao que foi o começo da governamentalização dos partidos e secundarização da Assembleia da República, transformada em caixa de ressonância, modelo que foi depois seguido pelo PS.
A aposta em pessoas da sua confiança e o poder que lhes dá leva a outra inovação. Quando saem do Governo, muitos dos principais protagonistas do cavaquismo ocupam lugares de topo em empresas, incluindo em bancos — um modelo de carreira promíscua entre público e privado que hoje é questionado na sociedade portuguesa. Acabou por implodir em 2010, na campanha para a sua reeleição como Presidente, a propósito das mais-valias que obteve da venda de acções do BPN. Uma polémica que o levou a proferir a frase: "Para serem mais honestos do que eu têm de nascer duas vezes."
O céu é o limite
A marca de água de Cavaco na política ocorre também no desenvolvimento económico e social. Constrói o país na primeira década de integração europeia, beneficiando, como o próprio reconhece, dos fundos estruturais, do crescimento da economia mundial e da descida do preço do petróleo, em suma, da conjuntura favorável. O desenvolvimento parecia então imparável, tendo apenas o céu como limite.
Cria um tipo de europeísmo institucional, o do bom aluno, que cumpre os deveres e não contesta. Aliás, é apenas no seu segundo mandato como Presidente que, pela primeira e única vez, faz críticas aos caminhos da União Europeia, ao discursar em Florença a 12 de Outubro de 2011. E se Soares preparou a integração europeia, Cavaco preparou a adesão ao euro, assinando o Tratado de Maastricht. Por outro lado, criou uma exigência de rigor nas contas públicas que só nos últimos anos foi recuperada como paradigma. Fê-lo sempre sem deixar de ser um político keynesiano e reformista, mas com um forte sentido de inclusão social. As suas "reformas estruturais", expressão que copia de Mota Pinto, modernizaram o país e foram motivo para ser elogiado por Margaret Thatcher, embora Cavaco seja um social-democrata e não um liberal, nem tenha a visão tradicional da direita em Portugal.
O modelo de desenvolvimento de Cavaco estruturou-se a partir da revisão constitucional de 1989, negociada com o PS de Vítor Constâncio, a qual liberta a economia da irreversibilidade das nacionalizações, reduz o número de deputados para 130, cria a Alta Autoridade para a Comunicação Social e acaba com o Serviço Nacional de Saúde gratuito.
As mudanças introduzidas pelos seus governos são múltiplas. Autoriza os bancos comerciais a concederem crédito à habitação e criarem a poupança-habitação. Altera o contrato individual de trabalho. Liberaliza a comunicação social. Aprova a Lei da Gestão Hospitalar e a Lei de Bases da Saúde, com abertura ao sector privado — assim como a Lei de Bases do Sistema Educativo, aumentando a escolaridade obrigatória de seis para nove anos, e faz a reforma das propinas do ensino superior. Aprova o Programa Específico de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa (PEDIP) e o Plano de Desenvolvimento Regional. Estabiliza a posse da terra no Alentejo.
Mudando um sistema que vinha de 1963, faz a primeira (e única até hoje) grande reforma fiscal, criando o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC). Privatiza empresas públicas, mas mantém 50% no Estado. Só com o primeiro-ministro seguinte, António Guterres, haverá privatizações totais. E fará também a primeira grande reforma das carreiras da função pública e a sua revisão salarial, acabando com um modelo que vinha de 1935, e criando outro, cujos desenvolvimentos subsequentes virá a criticar, em 2000, num artigo publicado no Diário de Notícias, em que fala sobre "o monstro".
Outro vector do desenvolvimento cavaquista foi o crescimento das exportações e a captação de investimento internacional, de que é exemplo a assinatura do acordo com a Ford-Volkswagen para a instalação em Portugal da Autoeuropa. Este modelo seria alterado por Guterres, apostando os socialistas no consumo interno. Sem mecanismos de defesa da economia, quando se deu o embate da adesão ao euro, a dívida disparou.
Ao nível do investimento público, Cavaco inaugurou aquilo que ficou logo conhecido como a "política do betão", a aposta nas obras públicas, com o lançamento de infra-estruturas como auto-estradas, a Expo-98, a Ponte Vasco da Gama (primeira parceria público-privada), o comboio na ponte sobre o Tejo, a Barragem do Alqueva, a rede de gás natural e o novo aeroporto da Madeira. Foi uma política de investimentos públicos que atingiu o clímax com os governos de José Sócrates.
A modernização da economia do cavaquismo teve o seu correspondente social. É durante a década de poder executivo de Cavaco que na sociedade portuguesa se instala a cultura do sucesso individual e de construção de carreira profissionais em novos moldes, mas também a sociedade de consumo de massas.
Como nas histórias de amor, na política a intensidade com que se gosta é proporcional à com que se vivem as rupturas. E o fim da década de poder executivo de Cavaco foi de imensa erosão e acrimónia entre o primeiro-ministro e a sociedade. Um final que teve o seu começo pela mão de Soares, com a Presidência Aberta de Lisboa (Janeiro-Fevereiro de 1993), atingindo o seu expoente máximo na luta contra as portagens com o bloqueio da Ponte 25 de Abril, no Tejo, no Verão de 1994.
A azia contra Cavaco era imensa no final do cavaquismo e transpareceu nas presidenciais de 1996, em que foi derrotado por Jorge Sampaio, a quem derrotara nas legislativas de 1991. Mas em política o tempo tem efeitos regeneradores e relativiza a memória da sociedade. Dez anos depois, em 2005, Cavaco voltava a ser eleito, agora para o seu consulado de dez anos como Presidente da República.
Divórcio do país
E se o seu passado de primeiro-ministro foi decisivo para ser escolhido pelo eleitorado, esse passado foi-o também para o exercício do seu mandato em Belém. Profundamente institucional e dono de uma visão do semipresidencialismo português assente na premissa de que o poder executivo é do governo e ao Presidente cabe o papel de árbitro, Cavaco nunca esqueceu o trauma que lhe causou a forma como, enquanto esteve à frente do Governo, foi vítima da interferência e da oposição activa de Soares. Daí ter exercido a magistratura de influência através da convergência estratégica com os primeiros-ministros José Sócrates e Passos Coelho. Desempenhou os seus mandatos em silêncio institucional, de que resultou o seu esvaziamento.
Sendo o ocupante do primeiro órgão de soberania e eleito de forma personalizada, o Presidente é sempre olhado como o guardião máximo do regime — só que sem poderes de intervenção executiva. E, ao longo dos anos em Belém, Cavaco vai perdendo autoridade, sobretudo quando rebenta a crise económica. A população olha para Cavaco e não percebe por que deixou aquilo acontecer, porque não interveio, porque não alertou o país. O divórcio entre o Presidente e a população é simbolizado por uma desastrosa declaração de Cavaco sobre a sua pensão, comentando as medidas de austeridade, a 20 de Janeiro de 2012, no Porto. Disse então que o que recebia de reforma não chegava para pagar as despesas, mas que as poupanças ajudariam a fazer face às necessidades.
Acaba criticado por todos — pela direita, por ter dado posse a José Sócrates em governo de minoria; depois, pela esquerda, ao não se opor à austeridade que Passos implantou, para cumprir o programa de intervenção da troika da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional que deram a Portugal um empréstimo de 78 mil milhões de euros para evitar a bancarrota do Estado.
Só em dois momentos expressa publicamente críticas — perante Sócrates, levando à demissão deste pelo chumbo do PEC IV, no discurso que profere na Assembleia quando toma posse do segundo mandato como Presidente a 9 de Março de 2011: "Há limites para os sacrifícios que se podem pedir ao comum dos cidadãos." E na mensagem de Ano Novo de 2013, em que alerta o país para o risco da "espiral recessiva" em que a governação de Passos podia afundar o país. Acaba a ser responsabilizado por todos pelo seu silêncio e de só ter criticado Sócrates em privado, primeiro-ministro que não ligava nenhuma aos seus conselhos, de acordo com o que o próprio Cavaco escreveu no livro autojustificativo que lançou já depois de deixar Belém, Quinta-Feira e Outros Dias.
Foi a sua cultura política anti-radical e a sua visão institucional e legalista do mandato de Presidente que fizeram com que durante uma década procurasse uma cultura de compromissos políticos de Estado. Essa atitude teve o momento alto no início de Julho de 2013, após a saída de Vítor Gaspar de ministro das Finanças e da demissão "irrevogável" de Paulo Portas como ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. Procura então um acordo de regime de longo prazo, para a viabilização da economia portuguesa, entre o PSD o CDS e o PS, prometendo antecipar as legislativas para 2014, assim que se cumprisse a intervenção da troika, a 17 de Maio. Mas o líder do PS, António José Seguro, recusou o compromisso e Cavaco falha na sua intenção, vendo-se obrigado a aceitar a remodelação do Governo PSD-CDS, em que Passos promove Portas a vice-primeiro-ministro com a coordenação das políticas económicas.
É a mesma cultura de compromisso dos partidos do arco do poder que tentará de novo sem êxito em 2015, quando convoca as legislativas. E quando o Governo minoritário do PSD-CDS, liderado de novo por Passos, cai no Parlamento, fruto da coligação de esquerda do PS, BE, PCP e PEV, Cavaco mostra não perceber o que se está a passar. Chega ao ponto de apelar a uma sublevação dos deputados para que não cumpram a disciplina de voto e não façam cair o Governo eleito. Era já um novo modelo político a nascer, bem diferente daquele que Cavaco trouxera três décadas antes, o da bipolarização em blocos de esquerda e direita e não em partidos, assente na erosão do centro, que foi a face política da radicalização social trazida pela crise e pela austeridade.