Salvini e Di Maio: Porque é que isto aconteceu?
Era um terramoto anunciado. Eleitores votaram no que era novo e oferecia propostas concretas.
“Como se explica isto?”, é a pergunta mais repetida nos programas de debate político das televisões italianas. Nos jornais, directores e colunistas ensaiam explicações. Os italianos não estão loucos, como sugere alguma imprensa europeia. Venceu quem falou claro e insistiu no que mais preocupa os eleitores: segurança, pobreza, desemprego, ausência de perspectivas de futuro.
Também ganhou o populismo e o soberanismo, tanto como perdeu a velha política, que é igualmente o centro, a política que se adapta ao que pensa serem as expectativas dos eleitores em vez de dizer ao que vem. Das eleições de domingo saíram dois claros vencedores, a Liga, de Matteo Salvini, com posições de extrema-direita, e o Movimento 5 Estrelas, liderado pelo jovem Luigi Di Maio, que recusa rótulos ideológicos, ambos antieuropeístas.
“Italianos primeiro”, foi o slogan de campanha de Salvini, que promete deportar centenas de milhares de imigrantes e requerentes de asilo. Foi ajudado por uma tragédia: a 3 de Fevereiro, Luca Traini (ex-candidato local nas listas da Liga) disparou sobre seis africanos de diferentes nacionalidades em Macerata, no centro do país. Para alguns, Traini “vingava” a morte de uma jovem italiana, assassinada uma semana antes, alegadamente por um nigeriano. Salvini responsabilizou os imigrantes, a “invasão” que é preciso “travar”. Em Macerata, a Liga subiu de 0,6%, em 2013, para 21%.
Di Maio quer garantir que cada italiano tem o mínimo para sobreviver e propôs a introdução de um subsídio de desemprego mínimo de 780 euros (o mesmo valor para as pensões mais baixas). E para que nasçam mais crianças, no seu programa estavam previstas ajudas para pagar creches, fraldas e amas.
O discurso xenófobo e securitário triunfou no Norte; as promessas de mais Estado social no Sul, onde a pobreza é maior e o desemprego muito superior à média nacional.
Ambos dizem ser o futuro e ambos são, de facto, a novidade – a Liga é o partido mais antigo do país, mas Salvini chegou há pouco mais de quatro anos para transformar a formação secessionista num projecto com apelo nacional. Di Maio promete fazer tudo diferente do que todos fizeram até agora; Salvini também, oferecendo um país federal que, para se salvar, terá de negociar uma nova relação com Bruxelas.
Os grandes derrotados são o centro-esquerda, que já partia moribundo para a campanha, e Silvio Berlusconi. O mesmo homem que fez renascer a direita, em 1994, depois dos processos judiciais que destroçaram o sistema partidário do país, mantém-na agora sequestrada. O seu partido não existe sem ele e os italianos já não se convencem com propostas megalómanas e enésimas reincarnações.
Dir-se-á que é um voto de protesto e isso não deixa de ser verdade. Mas é um voto que recusa conscientemente o que já conhece e aposta em quem promete mudanças e oferece clareza. O aviso vinha de 2013, quando o M5S irrompeu com quase um quarto dos votos e deixou o país bloqueado. Seguiu-se uma legislatura do PD apoiada pelo Força Itália com três primeiros-ministros diferentes. Os italianos estão mais do que prontos para experimentar algo novo.