Presidente vai promulgar lei quase igual à que vetou

O Parlamento aprovou, por mais de dois terços, um diploma sobre financiamento dos partidos em que apenas recua na isenção ao IVA das campanhas eleitorais. BE juntou-se à direita para evitar confirmação total.

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Marcelo está satisfeito com a forma como o parlamento resolveu a lei do financiamento partidário LUSA/MARIO CRUZ

O pior dos cenários para Belém foi evitado – a confirmação da lei do financiamento dos partidos, passando por cima do veto presidencial -, e isso satisfaz Marcelo Rebelo de Sousa, que desta forma pode alegar uma meia-vitória. A promulgação do novo diploma, que apenas recua no alargamento da isenção do IVA a todas as despesas dos partidos (incluindo campanhas eleitorais), está assim praticamente garantida.

O Presidente da República estava disposto a promulgar a lei desde que houvesse “publicidade e transparência”, ponto essencial para o seu veto, e “explicações aos portugueses” sobre o porquê das alterações propostas, como dizia esta sexta-feira de manhã, no Porto, enquanto o Parlamento discutia o assunto.

Já depois de votada a nova lei, ao fim de mais de hora e meia de debate e apenas com uma alteração ao diploma original, Marcelo revelava a sua satisfação: “O simples facto de ter existido uma discussão alargada e uma explicação satisfaz-me muito. A minha recomendação era muito simples: têm de discutir e explicar aos portugueses aquilo que querem aprovar. Fizeram isso”.

Mas fizeram mais, sublinhou: “Verifico que, para além de terem feito o que eu tinha pretendido [um “amplo debate”], ainda foram mais longe um bocadinho - como tem acontecido em todos os vetos -, porque fizeram um esforço para ir ao encontro de algumas preocupações que eu também tinha”, frisou, citado pela Lusa.

Por outras palavras, a sua satisfação é também pelo facto de os partidos não terem afrontado o Presidente: todos, à excepção do PCP, apresentaram propostas de alteração. E bastava ser aprovada uma, como aconteceu, para ser considerada uma nova lei e devolver ao chefe de Estado o seu poder de promulgação ou veto.

Isto não significa que Marcelo Rebelo de Sousa esteja de acordo com as soluções aprovadas. No veto, o também constitucionalista (e deputado constituinte) alertava para duas alterações “especialmente relevantes” que representavam, “no seu todo, uma mudança significativa” ao actual regime de financiamento dos partidos: “o fim de qualquer limite global ao financiamento privado e, em simultâneo, a não redução do financiamento público, traduzida no regime de isenção do IVA. Tudo numa linha de abertura à subida das receitas, e, portanto, das despesas dos partidos.”

Ora, a única alteração aprovada esta sexta-feira, por proposta do CDS – e com os votos a favor do PSD, BE e PAN -, foi precisamente para evitar o alargamento do regime de isenção do IVA a todas as actividades partidárias, incluindo campanhas eleitorais. Em Belém, esta alteração é vista como “um bónus”, pois bastaria o debate alargado para satisfazer o Presidente.

Mas, tal como fez no veto, Marcelo volta a assinalar que as soluções aprovadas não seriam as suas. “O Presidente da República quando veta não está a vetar por posição pessoal. Quando veta é por razões objectivas. Eu não quero impor a minha posição pessoal. Quero olhar para a sociedade portuguesa e ver qual é o estado de espírito da sociedade portuguesa", justificou. “A sociedade portuguesa queria uma explicação e houve essa explicação”, frisou.

Certo é que, nesta matéria, há muito que o Presidente da República percebeu que havia no Parlamento uma maioria muito qualificada para impor uma alteração de fundo ao regime de financiamento dos partidos. O diploma agora aprovado obteve 192 votos a favor em votação final, muito mais do que os dois terços (163) necessários para ultrapassar o veto e até mesmo uma declaração de inconstitucionalidade, caso existisse.

Bloco tramou PS

A alteração cirúrgica à isenção do IVA não teria sido aprovada sem os votos a favor do BE, que reservou o sentido de voto até ao fim. O Bloco resolveu juntar-se à direita, porque sabia que a sua proposta seria chumbada. Os bloquistas propunham que, além das despesas para a difusão da mensagem do partido, também as obras de “construção, manutenção e conservação” dos edifícios das sedes dos partidos pudessem ser alvo de isenção do IVA. O PSD já tinha avisado que rejeitava este alargamento da benesse fiscal às obras e o PS, no outro extremo, queria que a isenção fosse para toda a actividade dos partidos, admitindo apenas deixar de fora as campanhas eleitorais.

Das dez propostas de alteração que estavam para votação, apenas quatro acabaram por ser votadas e o PSD deixou cair uma das suas, relativa à clarificação da polémica norma transitória. Os sociais-democratas queriam a lei especificasse que as novas regras se aplicavam apenas aos processos pendentes no Tribunal Constitucional para evitar a sua extensão a outros processos judiciais.

Mas como não se alargou a isenção do IVA a todas as despesas dos partidos, o PSD considerou que não fazia sentido tal clarificação - e assim o PS vai continuar a braços com os vários processos que tem contra a Autoridade Tributária pela devolução de IVA das campanhas eleitorais.

A discussão ficou marcada pelas duras críticas de PSD, PS, PCP, BE e PEV aos centristas e ao deputado do PAN, André Silva, que foi mesmo vaiado durante a sua intervenção.

E mais para o final do debate foi também notório o desconforto entre PS e PSD quando os socialistas perceberam que a isenção total do IVA para as suas despesas ia ficar pelo caminho. Deputados como Ana Catarina Mendes ou Jorge Lacão (PS) tentaram apertar José Silvano e Carlos Peixoto (PSD) para que estes justificassem a sua opção por voltar atrás no que aprovaram em Dezembro e dessem pelo menos um exemplo de uma despesa que passaria a estar isenta de IVA.

Silvano deu como exemplos a "exploração de um bar na sede de um partido, um jogo de damas ou torneio de futebol organizado por um partido" como actividades que passariam a estar isentas de IVA com a versão aprovada em Dezembro.

No debate, os partidos repetiram os argumentos dados em Janeiro quando foi conhecido o veto do Presidente. Jorge Lacão (PS) insistiu que as alterações das competências da Entidade das Contas e da norma transitória foram propostas tal e qual estão na lei pelo próprio Tribunal Constitucional que até, vincou, conheceu "todo, todo" o texto do diploma - incluindo as questões do IVA e da angariação de fundos - e concordou com ele.

Os comunistas insurgiram-se contra a "discricionariedade" da Entidade das Contas e da Autoridade Tributária, que aceitam a uns partidos despesas da mesma natureza que não permitem a outros, e contra o policiamento da vida financeira dos partidos políticos.

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