Afinal, para que serve um MCTES
É possível garantir às instituições a manutenção das dotações atuais com uma maior liberdade de gestão de pessoal entre o ensino e a investigação.
O MCTES acaba de anunciar que as universidades e institutos politécnicos de Lisboa e do Porto irão ver o agregado dos seus numerus clausus reduzido em 5%. Como justificação, basta a ideia de que as instituições do interior irão ter mais estudantes, não sendo necessário explicar porquê. A justificação é muito frágil, como se compreende pelos dados do quadro relativo às colocações da 1.ª fase do Concurso Nacional de Acesso de 2017. A classificação do último colocado, comparada com a de outras instituições, dá uma medida da pressão da procura que resulta principalmente de fatores demográficos.
Sim, é mais difícil para um jovem do Porto encontrar lugar numa instituição pública local (seja a universidade, seja o instituto politécnico) do que em qualquer outro ponto do país. A razão é simples: os decisores políticos, ao longo de muitos anos, foram decidindo atribuir ao Porto uma menor oferta de ensino superior! O tratamento equitativo destes jovens exigiria um aumento de vagas no Porto. O MCTES decidiu o contrário! As consequências podem ser lidas no quadro. Os estudantes expulsos do Porto irão procurar lugar no Minho e em Aveiro, para além das instituições privadas. Será um bom ano para as privadas do Porto e de Lisboa.
É bem conhecida a fratura entre a faixa litoral de Braga a Lisboa e o resto do país. Estaremos quase todos de acordo que para manter a ocupação do território devemos manter a viabilidade das instituições do “interior”, criando condições para que aumente a sua procura estudantil. Mas isso deveria ser feito mais pela criação de incentivos. É sempre mais eficaz atrair jovens que até poderão vir a fixar-se nessas regiões do que expulsá-los de Lisboa e Porto de segunda a quinta-feira. O programa Mais Superior criado em 2015 foi um primeiro passo neste sentido e teria de ser reforçado, por exemplo, através da redução das propinas (compensadas por dotações orçamentais).
Todos sabemos que vai haver nos próximos anos uma forte redução do número de jovens de 18 anos. Esta redução será de cerca de 2,5% por ano, mas será parcialmente compensada pelo melhor funcionamento progressivo do ensino secundário que tem conseguido diplomar, anualmente, perto de 1,5% mais na via científico-humanística que alimenta o Concurso Nacional de Acesso. No fim do decénio, teremos uma quebra de 10 a 15% do número de jovens com uma preparação equivalente à daqueles que hoje se apresentam a concurso. Se as universidades e os institutos politécnicos não quiserem baixar os seus padrões de ensino e de exigência, terão de baixar a admissão neste mesmo número. Para isso, todas as instituições da faixa litoral de Braga a Lisboa terão de baixar o número de candidatos nacionais admitidos anualmente. O número de vagas nas universidades deste litoral terá de perder entre 2800 e 4200. É esta a realidade! O mesmo terá de ser feito nos institutos politécnicos do litoral com uma forte agravante. Por exemplo, se os numerus clausus das engenharias nas universidades de Lisboa não for comprimido, o Instituto Superior de Engenharia do Instituto Politécnico de Lisboa fechará as suas portas antes do fim do decénio. O problema não é só do remoto interior!
O problema não é intratável se for assumido com transparência e acomodado ao longo dos anos. As instituições portuguesas têm hoje um rácio docente:discente muito próximo da média da União Europeia e da OCDE. Mas têm orçamentos baixos. O custo público por estudante é baixo em comparação internacional (mesmo com correção de paridade de poder de compra ou de PIB per capita). É possível garantir às instituições a manutenção das dotações atuais com uma maior liberdade de gestão de pessoal entre o ensino e a investigação. A redução da procura estudantil (nacional) pode assim ser gerida sem uma dolorosa contração das instituições e sem uma quebra da sua eficiência abaixo dos padrões de comparação internacional. Mas tudo isto exige o planeamento a médio e a longo prazo, exige uma intervenção governamental para além do frenesim das boas notícias para todos os telejornais.
Sabemos agora que seria importante ter um ministro com a tutela exclusiva do Ensino Superior e da Ciência. E que este ministro tem de ser mais que um simples diretor-geral. As instituições de Ensino Superior gozam de grande autonomia que não deveria dar grandes preocupações à rotina diária da tutela. A FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) deveria ter autonomia, deveria receber as grandes orientações estratégicas definidas pelo governo, mas estar a salvo das instruções diárias como sabemos que acontece atualmente. A recente revisão pela OCDE regista tudo isto e, certamente, ficou surpreendida com uma dependência política que é única na Europa. Não é função de um ministro aprovar as bolsas da FCT nem sequer aprovar a abertura de um concurso de bolsas. Não é função de um ministro decidir qual das universidades ou institutos politécnicos deve ser premiado com uma nova estrutura de investigação, seja ela um “computador oferecido”, um centro estrangeiro ou um novo CoLab. O planeamento a médio prazo e a consensualização política das estratégias nacionais e do seu financiamento seriam tarefas suficientes. Só assim evitaríamos a navegação à vista e a ameaça de que todo o sistema venha a encalhar no areal. A ameaça não é já de algum rochedo submarino não mapeado (que também os há). As ameaças estão à vista de todos. Menos de quem tem a responsabilidade de segurar o leme.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico