Televisão quer 40% dos apoios para o sector, uma proposta “difícil mas não impossível” para o presidente do ICA

Estudo apresentado no quarto encontro da Associação de Produtores Independentes de Televisão defende crescimento das verbas públicas para o audiovisual, em detrimento do cinema.

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Madre Paula é um dos recentes casos de sucesso na exportação da ficção audiovisual nacional DR

Numa altura em que os agentes do cinema lutam semanalmente em torno dos júris que decidem os apoios públicos à produção e do peso que neles têm os operadores televisivos, um estudo da Associação de Produtores Independentes de Televisão (APIT) recomenda que o sector beneficie de 40% das verbas que o Estado destina ao cinema e ao audiovisual – actualmente, a proporção ronda os 20%. Para o presidente do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), Luís Chaby Vaz, é uma proposta “razoável, de difícil concretização mas não impossível”, porque, disse ao PÚBLICO, “a evolução do próprio audiovisual está a justificar uma maior atenção por parte do ICA”.

O Plano Legislativo e Regulatório Português para o Audiovisual, um estudo da Ernst&Young, da sociedade de advogados Gama Glória e de Catarina Burnay, da Universidade Católica, foi apresentado esta quinta-feira no quarto Encontro da APIT, quando está a ser revista a directiva comunitária sobre o audiovisual e também na sequência do estudo de 2017 de Augusto Mateus sobre a consolidação da indústria audiovisual portuguesa. Parte do “reposicionamento” do audiovisual “na cadeia de valor das indústrias culturais – com a televisão a ganhar, paulatinamente, ‘espaço’ e ‘tempo’ em relação ao cinema”, descreve o novo documento.

Uma das suas propostas mais concretas é o “aumento para nível superior a 30% da proporção dos apoios concedidos pelos ICA ao audiovisual e multimédia”, “com base nas suas receitas próprias provenientes das taxas de exibição e de subscrição previstas na Lei do Cinema”. O documento sugere que essa proporção ascenda a 40%. Questionado pelo PÚBLICO no final da apresentação do estudo, Luís Chaby Vaz recordou que “o que a lei prevê é progressivamente haver um aumento da quota gasta com o audiovisual”. A presidente da APIT, Susana Gato, admitiu que a partilha do financiamento com o cinema “é uma guerra antiga”, mas que ainda assim o sector está disposto a “lutar para que o audiovisual mereça mais apoios” nos próximos anos, prometendo levar as conclusões dos estudos ao poder político.

O presidente do ICA reconheceu na sua apresentação aos produtores do novo programa de incentivo de produção nacional e estrangeira que o instituto tem falhado na atenção ao audiovisual, mas acrescentou que é preciso que este consiga demonstrar "um salto qualitativo". Ao PÚBLICO, diria ainda que “o sector do audiovisual tem "desafiar o ICA", fornecendo-lhe argumentos capazes de "sustentar que o apoio público seja revisto”. Há concursos do audiovisual (três no conjunto dos 25 anuais) em que “não se gastam todas as verbas porque existem dificuldades de concretização de projecto”, lembrou. “Há um caminho a fazer de parte a parte."

Chaby Vaz considerou o estudo “uma ajuda preciosa" para a redefinição do sector e o desenho "de medidas concretas, quantificadas" que permitam medir "o sucesso das políticas públicas”.

As propostas do estudo incluem ainda o aumento das quotas de emissão e da obrigação de investimento de todos os operadores, streaming e vídeo on-demand incluídos, em “obras europeias, obras de produção independente e obras originalmente em língua portuguesa”. Passam também por regimes de incentivos “que combinem incentivos financeiros com incentivos fiscais”.

No país que exibe e exporta novelas consolidadas e cuja estação pública produziu 20 séries nos últimos três anos, os produtores independentes reunidos no Centro Cultural de Belém ouviram Hermano Rodrigues, da E&Y, frisar que o estudo visa responder com propostas legislativas à necessidade “fundamental de alargar o mercado, interna e internacionalmente”. “O desafio muito claro para todos nós é crescer”, enfatizaria Luís Nascimento, da Nos.

Antes, durante a manhã, o encontro debruçou-se sobre a produção americana e internacional e a vontade de exportar a televisão portuguesa; a tarde terminou com uma revisão dos constrangimentos que são matéria dada como adquirida no sector. Os directores de programas dos canais generalistas e da Nos e PT/Altice reviram o panorama: “Estagnámos”, resumiu o representante da SIC, Luís Proença. O desafio da língua, os baixos orçamentos de produção, a concorrência do streaming e dos canais estrangeiros que não contribuem fiscalmente em Portugal contrastam com o sucesso da exportação de novelas como A Última Mulher ou Rosa Sangue e de séries e filmes como Jacinta ou Madre Paula, e com o orgulho de Bruno Santos, director de programas da TVI, na genialidade da novela nacional – mesmo quando em contraciclo com as novelas mundiais, porque tal como em relação às séries, o mercado quer histórias mais curtas, com 80 episódios e não 300.

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