Os miúdos querem fazer cinema

O realizador de Verão Danado está na fase de preparação da segunda longa. Mas isso não o impede, a ele e aos comparsas da VIDEOLOTION, produtora que fundou com colegas da Escola de Cinema, de trabalhar em inúmeros projectos.

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25 anos Cresceu no Entroncamento, estreou-se com Verão Danado, filme sobre uma Lisboa jovem e agitada que é retratada nos projectos da sua produtora VIDEOLOTION, fundada com Marta Ribeiro, Joana Peralta, Tiago Simões e Victor Ferreira Rui Gaudêncio

“Estou sempre em repérage para uma nova longa”, diz Pedro Cabeleira, via Skype, a partir do Entroncamento. Falamoscom ele a partir dos escritórios da VIDEOLOTION, a produtora que fundou com Marta Ribeiro, Joana Peralta, Tiago Simões e Victor Ferreira, na Mouraria. Quase todos nascidos nos anos 1990, trabalham nos filmes uns dos outros. Cabeleira está na cidade ribatejana que o viu nascer a preparar um teledisco de Kyme, rapper do colectivo local Entronka G’s, que vai sair em Março — o único outro teledisco que assinou na vida tinha sido para Desafios, de Asym, outro membro da crew em 2016.

A tal nova longa será a sucessora de Verão Danado, estreado no ano passado, sobre uma certa juventude lisboeta. Há muita coisa que vai mudar de um filme para o outro — caso o segundo aconteça (“estas coisas a gente nunca sabe se as vai fazer”). Quer “trabalhar a partir de uma narrativa mais convencional”, com “um argumento mais tradicional e estruturado”. Quer também usar “não-actores misturados com actores” e fugir da câmara ao ombro, quer mais “estabilidade nos planos e planos fixos”. Mas vai manter alguns elementos da estreia. “Tentei filmar por ordem cronológica e quero voltar a repetir isso. São coisas que quero experimentar agora, mas só vai acontecer se conseguir fazer esse filme”, continua.

Mesmo que isso não aconteça, a sua produtora tem conseguido fazer outros filmes. Formada pouco antes do início da rodagem de Verão Danado, a seguir a Joana, Marta e Pedro terem acabado a licenciatura na Escola Superior de Teatro e Cinema, a VIDEOLOTION tem projectos em mãos. “Decidimos juntar-nos e inventar um nome para trabalhar nas nossas cenas”, conta Joana. “Não surgiu como produtora de cinema, mas como um meio para financiar outros projectos. Era para fazermos vídeos de books para actores, coisas que dessem dinheiro. O nome até tem que ver com isso, ‘loção de vídeo’, ligada à estética. Nunca chegámos a fazer esses vídeos, só dois”, continua. “E foram à borla”, riposta Pedro.

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Em Janeiro, a produtora estreou SUBSOLO, websérie da RTP em que cada um dos cinco episódios era assinado por um realizador diferente — Maria Inês Gonçalves entrou para substituir Cabeleira, já que este estava ocupado com a promoção de Verão Danado, menção especial no Festival de Locarno. Entre mãos, têm Crês Ser, escrito e realizado por Marta e iniciado pouco depois de Verão Danado — dois terços estão filmados. A personagem principal começou com 12/13 anos e agora está quatro anos mais velho. A ideia é “filmar uma infância/adolescência sem cair naquela coisa fácil de mostrar só os momentos dramáticos” e focar mais “momentos subtis e mostrar como é que é crescer numa família perfeita, onde não falta nada, hoje, e como o crescimento em família pode ser agressivo e violento sem que haja violência à priori”. Há, também, documentários e vídeos institucionais em mãos — Cabeleira realizou um spot para a Amadora BD —, bem como uma longa-metragem, Frágil, de João Eça, e Anjo, uma curta do actor Miguel Nunes.

“Há muita gente a vir ter connosco. Perceberam que conseguimos fazer uma coisa boa sem dinheiro. É difícil para um realizador da nossa idade conseguir financiamento ou até o interesse de uma produtora. Há muitas pessoas da nossa geração a fazer filmes sozinhos, como o Pedro fez o dele. Quando percebem que há uma estrutura, por mais pequena que seja, de pessoas com a mesma visão e intenções, vêm aqui”, explica Joana Peralta.

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Com a produtora que mantêm quer ter em mãos projectos sobre o que se passa nas suas vidas e nas daqueles que os rodeiam na Lisboa em que vivem - e que não tem aparecido no cinema ou na televisão
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Em qualquer que seja o projecto, seja TV ou vídeos institucionais, a VIDEOLOTION não quer ser apenas mais uma. Quer injectar uma preocupação cinematográfica no que faz, mesmo que não se trate de filmes – aquilo em que se querem focar. E manter uma identidade própria, que ainda estão a descobrir mas que até agora tem reflectido quem e como são, o que se passa nas suas vidas e nas daqueles que os rodeiam na Lisboa em que vivem — e que não tem aparecido no cinema ou na televisão.

“Somos todos desta idade e as pessoas com quem trabalhamos também. É inevitável ser um retrato com esse ponto de vista”, justifica Marta. “O foco somos nós próprios, acabamos por falar do que conhecemos.”

Ainda que tenha sido colado ao seu filme o rótulo de “retrato de uma geração”, de personagens que não têm as mesmas oportunidades e perspectivas de futuro que as gerações anteriores tiveram, Pedro Cabeleira rejeita isso: “Um retrato geracional é muito mais amplo do que aquilo que está ali representado.”

Verão Danado foca a história de um jovem que não está preocupado com o futuro, mais com uma vida hedonista. “Não é uma postura de frustração, é mais uma postura de ‘estou-me a cagar’, viver o momento, não num ponto de vista negativo, mas de não interessar isso naquela altura”, frisa. “Agradar ao corpo em sentidos mais primários e não tanto arranjar um sentido para a vida e para o que se vai viver os próximos 50 anos, seja uma ideia tradicional de futuro, uma carreira e uma família”, elabora. “A questão geracional não faz justiça ao filme nem é algo a que o filme possa fazer justiça. São três ou quatro meses [na vida de alguém], depois as pessoas dão um rumo à vida delas. É transversal a todas as gerações, a quase todas as pessoas, ter ali um período em que não se quer saber, não é? Eu e as pessoas que me rodeiam encontrámos um rumo e estamos com perspectivas de carreira, com trabalhos ou relações pessoais muito mais estáveis. Estamos numa fase muito diferente dessa. O filme no fundo é isso, uma fase.”

Dos 101 Dálmatas a PTA

Pedro Cabeleira cresceu no Entroncamento, onde só havia uma pequena sala de cinema, o Estúdio 121, no Euroshopping. Foi nessa sala, já fechada, que viu 101 Dalmátas, a versão de imagem real com Glenn Close, e O Senhor dos Anéis, que teve impacto grande.

“A nível sensorial, fiquei meio sonhador, a espreitar para outros mundos. Estive montes de tempo a pensar naquilo. Não foi o que me fez perceber que queria fazer filmes, mas marcou-me imenso”.

Mas foi só numa viagem a França, para ir ter com os primos, que ganhou um gosto diferente por cinema. “O marido da minha prima era cinéfilo. Eu ficava em casa enquanto os meus pais estavam com os meus primos na rua. Vi filmes diferentes, como Pulp Fiction, Clube de Combate, e três do Kubrick, Nascido Para Matar, Laranja Mecânica e De Olhos Bem Fechados”, mas, partilha “ainda não associava muito a ideia dos filmes aos realizadores. Foi por orientação dos pais, que o encaminharam para a escola de cinema, que se tornou realizador. E foi aí que tomou “consciência do papel de um realizador”.

“Nessa altura estreou-se o Sacanas Sem Lei. Foi o primeiro filme que vi já com uma perspectiva diferente, de saber quem era o Tarantino, que era o realizador do Pulp Fiction, que durante muito tempo foi o meu filme favorito. Já tinha nação do papel de um realizador, que achava que era uma coisa mais superficial, de desenhar e conceber planos, de escolher a música, e entretanto descobri que vai muito mais fundo do que isso. Fui ver os clássicos, primeiro coisas que não interessavam muito, como o Godard, depois o Scorsese, com o Tudo Bons Rapazes, o Touro Enraivecido ou o Taxi Driver, e o Hitchcock, com o Vertigo, o Psycho ou A Janela Indiscreta. Foi aí que encontrei o Paul Thomas Anderson.”

“O teu adorado Paul Thomas Anderson”, como brincam os colegas... Cabeleira tinha visto, “aos 15 ou 16 anos”, Haverá Sangue na televisão. “Não sei se foi o filme todo, mas algumas partes. E ficaram-me marcadas as imagens. Voltei a ver e apercebi-me de que era do mesmo gajo que tinha feito o Magnólia. A seguir ao Kubrick, é uma grande referência, gosto muito do que ele faz. Marca-me de uma maneira que outros filmes doutras pessoas não marcam”, conclui.

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