Em três anos foram instaurados 111 inquéritos por violação do segredo de justiça

Apenas cinco casos resultaram numa acusação. Números foram avançados pela procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal. Responsável propôs medidas para diminuir este crime.

Foto
LUSA/PAULO NOVAIS

Entre Setembro de 2014 e Dezembro de 2017, foram instaurados 111 inquéritos por violação do segredo de justiça. Quase todos foram arquivados e apenas cinco resultaram numa acusação, revelou a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal.

A procuradora avançou ainda que, de entre esses cinco processos, “a maior parte dos acusados foram jornalistas”, sendo que, “até agora, houve três que não foram pronunciados”. Ou seja, o juiz decidiu que o arguido não deve ser submetido a julgamento.

Joana Marques Vidal falava nesta segunda-feira, em Coimbra, numa sessão organizada pelo Núcleo de Estudantes de Direito da Associação Académica de Coimbra sobre o tema “(Há) Segredo de Justiça?”.

Perante o desequilíbrio entre o número de inquéritos instaurados e o número de acusações deduzidas, a responsável explicou à plateia composta essencialmente por estudantes, mas também por professores e magistrados, que se isto se deve à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). “Naquilo que é a ponderação dos valores em causa, prevalece o valor da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa” na instância europeia, referiu Joana Marques Vidal, que se diz “muito próxima” dessa posição.

Sobre a forma de ajudar a reduzir a violação do segredo, a procuradora-geral entendeu que uma melhor selecção dos casos em que ele é decretado poderia ajudar, bem como requerer ao juiz de instrução o seu levantamento “logo" que não seja "essencial". Outra das medidas passa por “limitar e sinalizar o número de pessoas que têm acesso ao processo” ou criar “um sistema que identificasse” que pessoas têm acesso aos elementos processuais, “em que fase e porquê”. Mas, admitiu, com os meios de que a Procuadoria-Geral da República (PGR) dispõe “é bastante difícil”. Melhorar a comunicação do Ministério Público (MP), apesar de não acabar com a violação, poderia “evitar parte”, sublinhou.

Compromisso entre magistrados e polícias

Mas o MP não consegue, por si só, acabar com os casos de fugas de informação. Seria necessário um “compromisso” que envolvesse o MP, os juízes, a Polícia Judiciária e os advogados, alertou.

A procuradora rejeitou ainda a ideia de que exista violação sistemática do segredo de justiça. Salientando que o segredo é decretado em “menos de 1% dos inquéritos crime”, desses processos, apenas se verifica a violação desse princípio em cerca de 1,3%, afirmou Joana Marques Vidal. Ou seja, “abrange um número diminuto”. Os números citados pela responsável fazem parte de uma auditoria relativa ao intervalo entre 2001 e 2012 levada a cabo pela PGR, sendo que não há dados actualizados. “Penso que o essencial se manterá”, considerou.

No entanto, entende, a percepção pública é moldada pelo que é noticiado nos meios de comunicação social. Os casos em que se verifica a violação do segredo de justiça “são com certeza os mais complexos e, por isso, atendendo às matérias em causa e aos sujeitos intervenientes, são aqueles em que há uma pressão mediática maior”, afirma. Daí pode surgir a impressão de que há a devassa sistemática do segredo.

O segredo de justiça é mais vezes instaurado em inquéritos relacionados com o tráfico de estupefacientes. Segue-se o abuso sexual de crianças (em que este é obrigatório) e a violência doméstica.

Sobre a justificação para recorrer submter os processo a segredo, a auditoria da PGR mostra só em 6% dos casos é que foi decretado “para proteger os direitos e interesses das vítimas e demais elementos processuais”. “Em poucos casos foi nos dois”, ou seja, no interesse das vítimas e da investigação. Na grande maioria das vezes, porém, o segredo levantado alegando o interesse da investigação. 

Sugerir correcção
Ler 5 comentários